De tempos para cá, conheci bastante gente. De todos os tipos. Dos mais certinhos até os mais “fora da casinha”. De tudo quanto é parte do Brasil, de outras nacionalidades, de outras áreas profissionais, de outros estilos de vida, e claro, pessoas com jeitos totalmente diferentes de enxergar o mundo. Uns que já têm certeza o que vieram fazer aqui, outros também que ainda não sabem o porquê nasceram. Tem também os que não conseguem imaginar a vida sem o trabalho, e tem os que se pudessem, passariam a vida com a mochila nas costas vagando por aí.
O negócio é que aprendi muita coisa com esse pessoal. Mas, mais que isso, fui inspirado a pensar diferente, agir de outras maneiras. Fui ensinado que o caminho não precisa ser sempre o mesmo, que tem um monte de estradas por aí. E é sobre isso que quero conversar com vocês hoje. Em especial, sobre um determinado grupo. Os que colocam a mochila nas costas e saem por aí sem rumo, sozinhos, deixando que o soprar dos ventos apontem a direção.
Não foram muitos, mas os poucos que cruzaram meu caminho, fizeram com que hoje eu esteja fazendo esse negócio que meses atrás era completamente fora de cogitação. É engraçado, pois sempre que algum deles começavam a contar a respeito, instantaneamente, um milhão de julgamentos vinham a cabeça, imaginando quais os problemas que essas pessoas tinham em fazer algo do tipo.
“Jura que você mochilou sozinho durante todo esse tempo?”; “Como é não ter ninguém pra conversar?”; “Você não tem amigos?”; “Esse aí deve fumar uma maconha fudida!”.
Aconteceu que comecei a conhecer mais pessoas que tinham feito o mesmo, e aos poucos, não sei explicar o motivo, algo nessa coisa começou a incomodar cada vez mais. Existia algo nessas pessoas que só elas tinham, mais ninguém. Podia conversar com quem fosse, nenhuma tinha aquele negócio.
Passou um tempo, e decidi que queria fazer aquilo, e quem sabe, descobrir o que tanto incomodava. Lembro desse dia como se fosse ontem, 14 de Dezembro. Era eu, o aperto de dizer adeus, uma passagem de ida para Tailândia, e muita, mas muita cerveja na cabeça.
De Dublin para Milão, de Milão para Istambul, de Istambul para Bangkok, do aeroporto para o hostel.
“Eita, 17 camas no quarto? Não eram 12?”; “Eita, tem um cachorro dentro do quarto.”; “Eita, ar condicionado só depois das 22 nesse calor?”
O começo foi difícil. Tirando a questão do conforto, é bem estranho não ter seus amigos do lado, família, uma pessoa conhecida, para falar qualquer coisa. Falando nisso, no meu terceiro dia, percebi que estava falando sozinho mais que o normal, e o pior, em voz alta. Tipo aqueles malucos que passam do seu lado na rua reclamando como se de fato tivesse alguém do lado. Foi só nos primeiros dias, juro que melhorei. É o que eu acho pelo menos. Fora a questão da comida, costumes, idioma, clima, dinheiro para administrar, lugares para visitar. Não é tão simples assim, na verdade é mais complicado do que parece.
Tirando todos essas complicações, não tinha caído a ficha ainda, mas seria a primeira vez que passaria o Natal, aniversário e ano novo, longe de todo mundo. Mas até aí tudo bem, eu estava num lugar incrível, com uma galera bacana. Convite para “festar” era o que não faltava.
Falando em festar, foram nessas que coisas começaram a desaparecer: dinheiro, carteira de vacinação, chinelos, celular. E claro, ao mesmo tempo que as coisas foram sumindo, questionamentos em manhãs de ressaca foram aparecendo.
“O que eu tô fazendo aqui?”; “Não era isso que eu imaginava”; “Que bosta, porque eu decidi fazer isso, mesmo?”; “Dá pra voltar atrás, não?”
“Então, até dá, mas se eu fosse você, não faria isso!” — Edward, 74 anos, polonês.
Foi isso que ele disse. Estava voltando da antiga capital da Tailândia, Ayutthaya, quando o conheci. Nosso trem para Bangkok demoraria mais de uma hora para sair, quando começamos a conversar para ver se o tempo passava mais rápido. Ele era guia turístico, conhece mais de 120 países, está mochilando pela Ásia há mais de 4 meses, e viajava sozinho há mais de trinta anos. Segundo ele, não existe coisa melhor.
“Ninguém vai ter o tempo que você tem, as mesmas vontades e as mesmas pernas”.
Fomos falando e depois de um certo tempo, comentei das dificuldades, que era a primeira vez que fazia aquilo e que estava pensando seriamente em desistir e voltar. Que aquilo era muito mais difícil que imaginava, que não era pra mim. Ele deu risada e falou que se eu fizesse isso, não iria descobrir o que eu tanto procurava. E mais, que me arrependeria amargamente assim que colocasse os pés onde quer que fosse.
“Como você sabe que estou procurando algo?”
“Todos que fazem isso procuraram por algo. Eu procuro por algo.”
“O que você está procurando?”
“Ainda não sei, mas está chegando, consigo sentir.”
Aquele homem tinha aquele mesmo negócio que eu não sabia explicar. Não deu duas horas e já estávamos em Bangkok. Nos despedimos, desejamos boa viagem um ao outro, e acabamos o diálogo com ele dizendo:
“Você tem que parar de querer antecipar o que está por vir, as coisas estão chegando, acredite. É aí que está a graça, menino.”; “Aposto que você já tem hotel bookado, passagens compradas, tudo acertado”; “Você tem tempo, esquece isso”; “Vou repetir: as coisas estão chegando, acredite.”
Voltei para o hostel com aquele negócio na cabeça, sentindo uma alegria estranha. Ele tinha acabado de propor que eu saísse por aí sem rumo, sem planos, sem nada, só com a mochila nas costas. Decidi que iria experimentar, e que se desse tudo errado, voltaria ao jeito que já estava fazendo. E se não melhorasse, voltaria para casa de cabeça erguida, sabendo que tentativas não faltaram.
Hoje, estou em Mui Ne, uma cidade no litoral sul do Vietnam. Cheguei hoje e como não tinha hostel bookado ainda, perguntei se o motorista do ônibus conhecia um lugar legal para ficar uns três dias. Ele disse que sabia e que me levaria até lá. Acreditei e aqui estou: acampado na areia, em um hostel mega bacaninha por quatro dólares a noite.
Já se foram quarenta e um dias. É o terceiro país, décima primeira cidade, décimo quinto hostel, e apenas uma certeza: algo está chegando, consigo sentir.
(Escrito dia 23 de Janeiro de 2017).