Patético: vem aí o primeiro prêmio de criação julgado por Inteligência Artificial

Parece que a publicidade resolveu mesmo embarcar de vez na estratégia de apropriação de buzz. Claro, pegar carona em modinhas sempre serviram de atalho para uma conexão com o consumidor, mas teve uma época em que a gente teimava em usar criatividade com a mesma finalidade. Era um jeito de chamar a atenção e ainda deixar um certo “after taste”. Mas parece que, isso sim, saiu de moda.

A tal apropriação aconteceu, por exemplo, com cada uma das redes sociais, que nasceram com propósitos sociais nobres, mas que se transformaram, uma a uma, em enormes mercados virtuais para servir marcas ou, pessoas que agem como marcas. Pessoas físicas, jurídicas e também aquelas em versão flex. Facebook, Instagram, Pinterest. Todos viraram gigantescos mercadões.

A apropriação publicitária também acontece com qualquer tópico que ganhe mais “tração” por aí. Entrou no radar, a propaganda abraça. Como nas já abusadas causas sociais, exploradas sem dó pelo universo do consumo. O que não falta é comercial e cena de novela recheados de ideologia em favor de audiência, consumo e lucro.

Bom, vindo mais para o assunto do post, desta vez a apropriação se deu por conta de duas expressões que aparecem no topo de qualquer lista de tendências: a (1) Inteligência Artificial e (2) Igualdade de Gênero.

“Vamos usar isso aí nesse job do Belgian MIXX awards??? Como poderíamos misturar A.I. com feminismo?Já sei! Uma jurada virtual!”

E assim nasceu a PEARL (uma homenagem a Radia Perlman, “a prominent female Internet pioneer”) , a primeira jurada de Festival de Propaganda virtual, que usa Inteligência Artificial para julgar peças.

(se ainda não assistiu o video destacado acima, este é um bom momento)

Sim, eu pensei que fosse uma brincadeira para divulgar o prêmio, uma piada. Mas parece que tem uma turma lá na Bélgica que resolveu fingir que a coisa é “séria”, para dar uma temperada com uma certa polêmica.

A justificativa é que “as premiações estão crescendo tanto, com tantas categorias surgindo ano após ano, que a qualidade do julgamento das peças virou um questionamento”.

A intenção é nobre: um critério mais justo nas votações. Afinal, todo mundo sabe que festivais de propaganda costumam ter mais comprometimento com a chamada “Sociedade da Mútua Admiração” (um sistema onde um seleto grupo de profissionais votam em peças fantasmas entre eles por uma questão de sobrevivência coletiva e também da indústria como um todo) do que por mérito propriamente dito.  Mas a solução é a própria antítese, indo na direção contrária do resto do mundo científico, que é categórico em afirmar que a última coisa que uma inteligência Artificial NÃO conseguiria emular ou interpretar, seria justamente a imaginação e criatividade humana por conta de seu caráter subjetivo e emocional.

Mas quem está preocupada em fazer sentido? A notícia vai chamar a atenção e é isso que importa.

Como funcionaria a avaliação?

Esses são alguns dos “critérios” que encontrei sobre o método utilizado pela “Pearl” na hora de julgar as peças:

  • ela rastreia mais indicadores qualitativos do que quantitativas (pessoalmente, duvido, mas vamos em frente). Se a sua campanha tiver mais de 10.000 shares, a Pearl gosta. Mas views certamente contam.
  • menções na impressa contam. Quanto mais prestigiosa a fonte, mais a Pearl gosta
  • A Pearl não gosta de clichês. Se a trilha for animadinha, isso conta como clichê e a Pearl não gosta.
  • Voice over ela gosta (não entendi o motivo, mas gosta). Se tiver uma bela locução em off, a Pearl acha chicão.
  • Buzzwords mostram adequação aos nossos dias (nããããoooo!!!! socorro!)
  • Dizem que ela julga originalidade, mas provavelmente ela apenas confronta o número de ocorrências de alguns elementos comparados a uma base de dados. Ou seja, se você usar o “Papa Cagando” (desculpe pela expressão, mas aprendi essa com um dupla meu, anos atrás, uma maneira singela e rápida de definir a famosa apelação de se usar um gimmick forte, mas sem qualquer adequação ou residual positivo para a marca. Tipo, se a intenção é só “chamar a atenção”, bota o Papa cagando que tá resolvido). Papa Cagando a Pearl vai achar originalíssimo e vai gostar.

Enfim, se já estávamos tristes com o estado terminal da profissão, parece que vamos conseguir nos superar. Claro, as iniciativas estão aí para serem testadas. O ponto é saber o quanto a gente leva a sério essas coisas ou não.

19 comments
  1. Junto com a inteligência artificial estamos criando a mediocridade artificial (MI), a religiosidade artificial, a sexualidade artificial ( isso já existia), os gurus artificiais ( também já existia) etc, etc, etc.

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