O chamado

Nesse segundo texto para nova editoria do UoD, ‘Paternidade’, quero destacar um elemento importante, talvez o mais importante, do ‘sou pai’.

Gosto de praticar a paternidade inclusiva. Uso esse termo com bastante frequência em aulas e palestras, textos e provocações. Mas, confesso, paternidade inclusiva, o termo em si, não diz muita coisa. E mais, há outros termos espalhados por aí. Pais estão cada vez mais presentes na educação de filhas e filhos, eu mesmo faço parte de dois grupos de discussão sobre essa tal paternidade.

Nesse segundo texto para nova editoria do UoD, ‘Paternidade’, quero destacar um elemento importante, talvez o mais importante, do ‘sou pai’.

Você responde aos chamados de seus filhos?

Explico melhor.

Responder pergunta é fácil. Não exige relação direta com o tema, não te conecta emocionalmente com o tema e, no final, a tendência é responder de forma automática. Um exemplo: ‘pai, me pega na casa da Helena?’. Você responde sim ou não. Tem pai que explica a escolha, e faz do sim ou do não um diálogo, e tem pai que pratica a lei do menor esforço. Não e ponto.

Agora, à nós que celebramos o sim, responder sim à essas perguntas não nos coloca na tal ‘paternidade inclusiva’. Não mesmo. As conexões emocionais nessas respostas são rasas e normalmente as tratamos como recompensas. É o famoso toma-lá-dá-cá, entende? É cruel porque mal percebemos isso.

Em outro cenário temos o tal ‘chamado’ e, acredite, ele é o oposto da ‘pergunta’.

Nossos filhos deixam chamados espalhados por aqui e ali todo santo dia. Os chamados não são diretos, claros ou óbvios. Eles não se anunciam por cornetas e sinfonias. Nenhuma filha diz, ‘pai, tenho um chamado!’. Filho não te chama no quarto para explicar o porquê. Muitas vezes nos chamam sem saber o que querem, mas com a certeza do que não querem. Chamado é muito diferente de pergunta.

Gosto de contar um caso que ilustra bem o ‘chamado’.

Ficou público meu envolvimento com o crime ambiental de Mariana. Eu reuni alguns amigos e fomos frequentemente ao local perpetuar a vigilância por meio de um documentário (Memórias de Mariana), artigos e ensaios fotográficos.

Conheci pessoas, me hospedei no hotel que recebeu a maior parte dos atingidos, fiz amigas, amigos e sigo com esse processo de cicatrização. Natural que o episódio também tenha impactado meus filhos. Eles viveram o drama, mesmo que não ativamente, por meio do meu envolvimento.

Um belo dia Mateus chega em casa e diz, ‘pai, você não acredita! Meu novo roteiro de escola é sobre o desastre de Mariana!’. Não existe conexão mais pura, sensível e bela do que responder à um chamado, eu me emociono toda vez que faço, e busco não perder essa sensibilidade.

– Mateus, que demais! O que você acha de irmos até lá?
– Sério pai?
– Claro, Pops conhece muita gente, podemos visitar o Seu Antônio em Paracatu, ficar hospedado no hotel que recebeu os atingidos.
– Nossa, mas quando?
– Vamos já, tem feriado nesse fim de semana!
– Meu trabalho vai ficar ótimo!
– Vai sim filho. Vamos convidar a Mamps?
– Mãããeeeeee, vamos pra Mariana…

Eu tenho essa sensação de que a mágica acontece quando respondemos mais chamados e menos perguntas.

1 comments
  1. Coisa lindaaaaa!!!
    Muito profundo!

    Apesar de reconhecer a prática instintiva, nunca tinha parado pra pensar nessa distinção e adorei, pque conhecendo o conceito, a gente vai se ligar mais, quando as oportunidades surgirem.

    Fantástico!

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