O que Steve faria?

Sua queridinha, a Pixar, estava prestes a se tornar sócia da gigante Disney, mas ele não queria que a cultura da maior contaminasse a menor. O espírito criativo que tinha transformado a minúscula e cambaleante empresa, comprada de George Lucas, numa potência ganhadora de vários Oscar’s não poderia ser comprometido.
O que faria?

“Conheci alguns gênios com quem era tão difícil trabalhar que tive que deixá-los ir embora;
por outro lado, alguns de nossos funcionários mais brilhantes, agradáveis e eficazes
foram demitidos por empregadores anteriores por não serem nada disso.”

ED CATMULL

Ser original é impossível. Não é difícil afirmar isso, já que para ser 100% original, genuinamente, deveríamos criar algo totalmente novo, sem copiar nenhuma parte do que criamos. A própria natureza é uma metáfora para isso. Nada se perde, nada se cria, tudo se transforma. Essa constante transformação que reina absoluta no planeta é o motor que mantém o seu brilho, a sua vivacidade. Não sabemos como se “originou” a natureza como a conhecemos hoje. Há teorias e conjecturas, mas certeza absoluta ainda não. Uma coisa que podemos afirmar, sem medo, é que a essência do processo de criação na natureza está intrinsecamente na sua “arte” de combinar e recombinar elementos. E a sua riqueza está exatamente nessa característica.

O novo é adaptativo.

Quando a Pixar e a Disney começaram a “namorar”, criou-se um temor interno de como seria esse relacionamento, e de como seria um possível desfecho. Steve Jobs conhecia bem a história interna que reinou absoluta por décadas na Disney, após a morte de seu criador e mentor criativo. Walt era o espírito que mantinha a empresa em movimento. Sua energia guiava a equipe como um sol. Após sua morte ficou cunhado o termo “O que Walt faria?”, e esse foi o mote que conduziu a linha criativa da mais famosa produtora de entretenimento do mundo.

Infelizmente, não funcionou como o esperado.

Ao ler o livro Criatividade S.A., de Ed Catmull, atual presidente da Pixar Animation e da Disney Animation, fica claro como tudo aconteceu. Walt era um ser humano comum, mas as suas atitudes não. Seu talento foi combinar imaginação e saber escolher com quem trabalhar seus projetos.

Combinar ideias e pessoas é uma arte.

Mas, usar um mantra na esperança de evocar o espírito que já não está mais presente pode ser infrutífero. A maioria dos projetos de Walt funcionaram, pois ele tinha um jeito peculiar de dar asas às suas ideias. Sem a sua presença, foi necessária uma nova forma de fazer isso. Mas, a empresa acreditava que poderia “copiar” seu estilo de criação. O que se provou improdutivo com o passar do tempo.

Quando Steve Jobs começou a negociar a parceria entre as duas empresas, a primeira coisa que procurou eliminar era o tal mantra: o que Walt faria? Ele mesmo, na Apple, já execrava a possibilidade de sua equipe copiar suas ideias e seu jeito de pensar, buscando sempre incentivar o pensamento original.

Sua queridinha, a Pixar, estava prestes a se tornar sócia da gigante Disney, mas ele não queria que a cultura da maior contaminasse a menor. O espírito criativo que tinha transformado a minúscula e cambaleante empresa, comprada de George Lucas, numa potência ganhadora de vários Oscar’s não poderia ser comprometido. Pelo contrário, deveria ser levado ao novo parceiro, a fim de resgatar a sua essência, exorcizando ideias e costumes antigos, mantendo assim a identidade de ambas, sem que uma copiasse a outra.

Jobs deu carta branca para Catmull e sua equipe. Tinham autoridade para fazer o que quisessem. E o resultado todos conhecem. O casamento das duas marcas as fez ainda mais fortes, sem a necessidade de misturá-las. Ser original é encontrar a sua essência e permitir que ela crie a sua arte a partir de uma visão única, combinando ideias e pessoas livremente.

Gosto da visão de Catmull sobre a forma como sua empresa lida com as pessoas. Ele acredita que é melhor ajudar sua equipe a encontrar e aperfeiçoar seus talentos do que simplesmente trazer pessoas “prontas e completas”. Acredito que boa parte de sua originalidade está aí, nessa capacidade de “ler” gente. Reciclando o que puder ser reciclado, e descartando o que não for possível.

É interessante aprender a liberar as pessoas, por mais valiosas que possam parecer naquele momento.

Existe uma crise de criatividade. Isso é um fato.

Até a leitura que fazemos sobre ela, muitas vezes está equivocada. Criatividade, para ser o que realmente deve ser, requer problemas reais. Daí, soluções inesperadas. O sucesso de empresas como Apple, Pixar, Amazon, Google, etc., tem muito a ver com a forma como solucionaram grandes problemas, aproveitando o timing, combinando fatores, elementos e pessoas, oferecendo soluções rápidas e únicas. E isso vale para o nosso dia a dia também.

Empresas inovadores parecem distantes, fazendo coisas impensáveis para mortais como nós, mas na realidade elas só têm sucesso porque seguem regras simples: dão liberdade para seus colaboradores desenvolverem suas próprias ideias. Imagine se na natureza tivesse um “chefe” dizendo o que cada elemento deveria fazer, seguindo regras rígidas de comportamento. Ainda seríamos um grande deserto, sem nada da belíssima diversidade que temos hoje.

A natureza é densamente cheia de possibilidades porque parece existir um tipo de “curiosidade” que permeia toda a sua estrutura. Parece que ela está o tempo todo experimentando coisas novas, mas, na verdade, está apenas recombinando ideias, fragmentos, átomos e moléculas, afim de estabelecer novas formas de equilíbrio.

Na natureza tudo pode acontecer. E não se engane, pode não parecer mas também fazemos parte dela, e essas mesmas regras servem para cada um de nós.

O problema é que após séculos de alfabetização e doutrinação escolar, conseguimos padronizar o pensamento humano, tornando a criação de ideias algo artificial, pautado em regras fixas. Não é tão natural para o ser humano moderno ter ideias próprias, livres e espontâneas. Nas escolas está tudo pronto, à espera da hora certa de ser ensinado. Em outras palavras, a instrução direcionada tornou as crianças menos curiosas e, assim, menos inclinadas a explorar o mundo, sempre dependentes de algum tipo de guia. Na fase adulta, continuamos esperando que alguém diga o quê, quando e como fazer.

Mas e se o verdadeiro problema for a própria escola?

Para Peter Gray, autor de vários livros sobre educação, o fato lamentável é que uma de nossas instituições mais queridas, por sua própria natureza, “falha com nossos filhos e com a nossa sociedade”, comenta. Numa cultura tomada por essa lógica, fica difícil exigir comportamento criativo e espontaneidade de jovens que vão se candidatar a vagas em empresas. Estamos tão acostumados a seguir regras e esperar o apito para agir, que não conseguimos desenvolver um espírito empreendedor em sua plenitude. Preferimos perguntar: o que o Steve faria?

É mais fácil.

O ecossistema mental das pessoas está árido. Séculos de padronização no ensino entulharam nossas mentes com processos rígidos de comportamento. Ao contrário de uma floresta, repleta de vida e possibilidades, em que tudo se aproveita, em que tudo pode acontecer, na qual a vida se reinventa o tempo todo, uma pobre lavoura de monocultura sofre com pragas por não saber lidar com elas. É preciso pesticidas e esforços imensos para que não morra. Quase tudo é artificial.

Numa floresta há predadores naturais para cada ser. Tudo está em perfeito equilíbrio. Um ambiente de pura liberdade. Imagine uma mente como uma densa floresta tropical, onde tudo pode acontecer, e qualquer resultado serve para reconfigurar o próprio espaço de criação. Agora, imagine uma mente que só repete ações, copiando e colando, como uma lavoura de soja, por exemplo, que sofre para se manter viva, dependendo de produtos químicos para repelir predadores e da ação direta da mão do homem e de máquinas para “dar certo”.

Não é possível falar de criatividade sem mencionar o sistema de educação; sem mencionar a forma como desenvolvemos o ecossistema mental das pessoas. Se as mentes virgens infantis são invadidas, e nesse espaço são criadas monoculturas, baseadas em repetição e dependência, dificilmente criaremos gerações de pessoas criativas, dispostas a inovar. Os estudos de Peter Gray mostraram que a insatisfação com a escola se mostram cada vez mais evidentes. E que o aprendizado que depende de alguém para ensinar já não atende às necessidades das crianças e jovens. Quando descobrem por conta própria, com um mínimo de interferência, as crianças desenvolvem sua criatividade, encontrando respostas de forma muito mais rápida.

Ser original é impossível. Que bom! Isso nos obriga a encontrar nossas próprias respostas, combinando ideias e pessoas, aproveitando o momento, criando a nossa voz e a nossa identidade: isso amplia nosso ecossistema mental. Ou então, podemos esperar que alguém tome a iniciativa, mude o mundo, crie novas regras, e nos diga o que fazer, quando e como.

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