Aqui fica fácil de perceber o truque, porque não sei nada sobre você e portanto não pude sugerir algo mais sedutor. Mas, no momento em que algoritmos munidos com dados de seus comportamentos e gostos decidem uma cartela restrita do que é mais relevante mostrar para você ler, assistir, escutar e comprar, as possibilidades se estreitam e, ali, num clique, você perde o seu arbítrio sem se dar conta. Afinal, diante de uma infinidade de coisas para fazer ao seu redor ou na própria internet, você escolheu dar sua atenção e interagir com algo que saltou convenientemente diante dos seus olhos.
Depois a gente chama isso de bolha, se toca até que nossa visão de mundo está meio cindida das de outras pessoas. Chega, inclusive, a achar bom não ter acesso a certas opiniões. Mas talvez não pense que algo de nossa liberdade de circulação pela informação e até de escolha foi embora nessa história. Com os nossos dados.
As discussões sobre privacidade de dados estão na pauta do dia. Elas são importantíssimas dos pontos de vista ético e legal. Muito porque a coleta desenfreada de dados pessoais pode acabar ferindo certos direitos privados, especialmente quando essas informações são sensíveis, sigilosas, não-anonimizadas e não foram captadas de forma consentida. Esses pontos nortearam regulações como a GDPR (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados) na Europa, que passou a valer em 2018, e a Lei de Dados, que entra em vigor no ano que vem no Brasil.
Sobre isso, você pode pensar: “mas minha vida é um livro aberto, não tenho nada a esconder”, ou “mas eu sou uma gotinha no oceano, meus dados se perdem em meio a essa vastidão de números”, ou “ninguém está interessado em vigiar os memes que vejo na internet”.
São pensamentos reconfortantes. Mas tem um ingrediente adicional a ser considerado aí: com esses dados, que estão mais complexos e sofisticados, a precisão das mensagens distribuídas para cada pessoa só aumenta, e as sugestões decididas pelos algoritmos sobre o que deve nos interessar p-e-s-s-o-a-l-m-e-n-t-e se fecham mais e mais.
Às vezes pode parecer bom ter à mão ofertas de coisas e serviços que a gente realmente quer e precisa. Muitas vezes, aliás, isso ajuda mesmo. Mas quanto poder essas sugestões podem ainda ter sobre nós?
Com a internet das coisas e tecnologias de reconhecimento facial, de voz, biometria, detecção de sensações por inteligência artificial e machine learning, a tendência é que máquinas consigam decifrar com extrema precisão o que nos captura, o que nos emociona, o que nos provoca desejo, o que nos move. Quem acompanhou minimamente os assuntos que rolaram no SXSW (South by Southwest) sabe que o futuro deve seguir bem nessa linha.
Uma das grandes atrações do evento, a futurista Amy Webb, aliás, após sentenciar que “a privacidade está morta, mas isso não é necessariamente ruim”, traçou um cenário bem assustador, no qual máquinas terão o real poder de decidir por nós. Após cruzarem dados de nossos gadgets, que terão informações de nossos corpos, como pressão arterial, frequência de exercícios, peso, altura, além das nossas rotinas, agendas, modos de alimentação, trajetos que percorremos, clima e tudo o mais, nossos dispositivos vão calcular — não sem botar na equação interesses mercadológicos — se devemos sair de casa a pé ou de carro, ou se devemos parar de comer pipoca.
Claro, podemos sempre ignorar esses comandos. Podemos sempre contrariar o caminho sugerido pelo GPS. Mas, se as opções estão dadas, calculadas sob medida, quantas vezes vamos fazer diferente? Quantas vezes vamos fugir do previsível? E quanto tempo leva para acharmos que não seguir a indicação de uma tecnologia é arriscado demais?
Já pensou que doideira? A empresa de seguros de vida só paga indenização de acidentes para as pessoas que pegaram o caminho do aplicativo “Siga Por Aqui Ou o Azar é Seu”. Se elas resolveram sair do caminho indicado e se deram mal, suas famílias não recebem nada. Será mais difícil ser rebelde nesse mundo novo.
Essa imagem me deu muito medo porque é muito possível!
Inconscientemente a evolução segue com uma dúvida: Por que viemos ao mundo?
Desde sempre nosso futuro foi traçado pelo nosso comodismo, seja para chegar ao destino sem esforço, ter o alimento sem a necessidade da caça ou do plantio, receber a informação sem a necessidade do estudo, etc.
Talvez o ápice disso seja criar inteligências superiores à nossa, na busca pelo que mais ansiamos responder.
Errado? Talvez chato, mas eficiente.