Se Charles Darwin vivesse nos dias de hoje, eu aposto que não perderia muito tempo nas redes sociais. Ele decerto buscaria blogs escondidos em cantos remotos da internet, encontraria conteúdos inexplorados por seu grupo de amigos cientistas, viajaria meio sem rumo até alcançar alguma coisa diferente que o interessasse. Navegaria no freestyle, remontando à origem da Internet.
Eu imagino Darwin agindo assim porque foi esse traço de comportamento que o fez chegar mais longe do que outros pesquisadores da sua época. Foi desbravando o mundo que ele formulou a ideia absolutamente original e inovadora da teoria da evolução por meio da seleção natural, publicada em seu célebre livro A origem das espécies.
Georges Cuvier, por exemplo, quase chegou lá. Ele já havia começado a investigar fósseis de animais do passado e questionado a idade da Terra. Elaborou a ideia de extinção das espécies. E para ter evolução é preciso ter extinção. Mas Cuvier ainda não tinha percebido isso. Cuvier fez descobertas geniais, que foram úteis para formar o repertório de Darwin, mas ainda estava com a visão limitada pelos conceitos (e preconceitos) vigentes lá no meio do século XIX. O fato de Cuvier ter feito todo o seu estudo com base em amostras de animais que ele recebia no conforto do seu escritório possivelmente está entre as causas da sua abordagem pouco criativa. Se tivesse internet, Cuvier seria aquele cara que só consome o que aparece no seu feed. Que passa horas olhando stories ou assistindo aos documentários recomendados pelo algoritmo da Netflix. Faria coisas incríveis a partir daí, mas não iria muito além.
Lamarck, outro célebre naturalista, também obteve avanços importantes, mas sempre teve seus estudos focados em espécies presentes na Europa, analisadas e discutidas calorosamente com seus pares do Museu de História Natural de Paris. Talvez ele fosse o cara que, na Internet, só seguiria influenciadores locais, navegaria pelos portais da sua região ou de assuntos relacionados ao seu trabalho. E mandaria tudo no grupo de Whats.
Darwin viajou o mundo todo por cinco anos a bordo do navio Beagle. O fato de ter ido a campo, ter se exposto ao inesperado, ter feito conexões aleatórias, rompido sua bolha, fez Darwin ligar os pontos. Ali ele começou a entender que todas as espécies têm um ancestral em comum e foram se diferenciando por conta das pressões evolutivas e da competição pela sobrevivência.
Quem trabalha com criatividade deveria navegar como Darwin pela internet. Estar mais preocupado em encontrar novos conteúdos, novas pessoas, influências, referências. Se ficarmos consumindo só o que chega no nosso feed (como Cuvier) é mais difícil de criar algo novo (como Darwin). Minha proposta é simples: vamos nos esforçar um pouco mais para resgatar o espírito desbravador lá da origem da Internet. Da época dos blogs, dos nichos, de vagar pelo desconhecido, das descobertas. Não é uma mudança fácil. Mas se a leitura desse texto aleatório que fala, mesmo que superficialmente, sobre Darwin e a origem das espécies despertar uma coceirinha, já é um começo.
Baita! Como diz aquela frase, “Navegar é preciso”. Porém, embora concorde que precisamos mesmo explorar outros espaços para além dos quais estamos viciados atualmente, é importante dizer que ainda hoje existem conteúdos que consumimos em nossos feeds que vez ou outra nos possibilitam furar essa bolha, os podcasts talvez sejam um bom exemplo. Explico: ao assistir um episódio do Flow com alguém que admiro, o algoritmo do YouTube me inundou de recomendações do mesmo podcast, porém o Flow não tem qualquer restrição quando se trata dos convidados. O único requisito é ser alguém bastante solicitado pelo público do podcast (ou seja, ter um grande público nas redes sociais). Sendo assim, me deparei assistindo cortes com pessoas que não tenho nenhum tipo de afinidade, pelo contrário.
E falando por mim, sempre tive essa iniciativa de “bugar o algoritimo”, isto é, volta e meia procurar algumas fontes de informação/conteúdo que não têm muito a ver comigo. Primeiramente pelo simples ato de sair da bolha, mas também pra conseguir esses insights que podem me ajudar a ter ideais pra fazer algo, ou pra não fazer também.
Mas, de qualquer forma, o universo de coisas úteis no ciberespaço vai muito além do nossos feeds.
Tava pensando aqui e, acho que conteúdo “diferente” fora de rede social, só consumo os sites de publicidade mesmo. Ads of the world, Meio e Mensagem, etc. Mas pra nós publicitários eles acabam sendo mais do mesmo também, né? Acho que preciso me diversificar mais kk
Isso aí, Joca! Obrigado pelo depoimento. Com certeza existem brechas nos algoritmos que permitem furar a bolha. A questão é assumirmos um papel ativo nessa busca por consumir conteúdos diferentes. Mas realmente não é fácil!
Bem legal, a inspiração e o ócio criativo são a melhor dupla. Eu costumo pesquisar a etimologia das palavras pra entender que o mais interessante está nas entrelinhas.
Valeu, Karol!