Jobs no RH

“A vida, às vezes, acerta a sua cabeça com um tijolo.”
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Era a minha grande chace na vida. Minhas pernas tremiam, insistentemente, enquanto mantinha fixo o olhar naquela imensa porta, onde eu lia, gravado em letras de metal, Human Resources.

Na mesa da secretária tinha um mecanismo sonoro que avisava a hora de conduzir outro candidato para a entrevista. Meu coração tropeçava gelado quando o imenso bloco de carvalho encontrava o batente da porta.

Era uma sexta-feira, 24 de maio de 1985. O dia estava claro, como sempre eram as primaveras na Califórnia. Em algum momento, eu olhei para o lado e vi que havia uma pessoa na varanda, do outro lado do corredor. Parecia ser ele, mas não tinha certeza. A vontade de ir ver de perto era imensa, mas temia perder a entrevista. Entrar para a empresa mais inovadora do mundo e ter a carreira dos meus sonhos não valiam qualquer risco.

Mas, falar com o cara que tinha criado tudo aquilo a partir de quase nada, dentro de uma garagem com os amigos, também tinha um peso que ninguém poderia imaginar.

Eu me levantei, com o olhar dos outros candidatos me seguindo porta afora.

Lá estava eu, caminhando rumo ao desconhecido, sem conseguir me controlar, com as pernas tremando ainda mais. Quando atravessei os umbrais percebi que sim, era ele, Steve Jobs. O corpo apoiado sobre os braços no parapeito, cabelos indicando que o vento soprava para o leste e o olhos fixos no horizonte, como se alguma coisa terrível tivesse acontecido ou algo grandioso pudesse acontecer.

Eu fiquei ali uns segundos, mudo, estático, sem saber o que fazer. De repente, quando o vento deu uma pausa, ele percebeu que eu estava lá. Steve olhou para trás com o desdém de quem gostaria de dar um reset no mundo.

Ele voltou os olhos para frente e disse uma coisa que eu nunca mais vou me esquecer.

− Stay Hungry. Stay Foolish − disse, com a voz rouca e sem muita expressão.

− O quê? − respondi, meio sem graça.

Ele se virou, olhou para meu crachá de visitante e perguntou se eu estava aguardando para ser entrevistado no RH. Eu disse que sim. Então, ele caminhou até uma das confortáveis cadeiras que estavam ali perto e me chamou para sentar ao seu lado.

− Eu acabei de ser demitido − disse Steve.

Eu soltei uma risada frouxa, que foi interrompida abruptamente com um silêncio mortal, enquanto ele me olhava fixamente.

− William, o que você acha que realmente move o mundo, dúvidas ou certezas? − perguntou, voltando os olhos novamente para o horizonte, depois de conferir meu nome no crachá.

− Desculpe, mas eu não saberia dizer, senhor Jobs.

− Me chame de Steve.

− Sim senhor Steve.

− Não, apenas Steve.

− Tudo bem, sem problemas, Steve.

− Você realmente deseja trabalhar aqui? − perguntou, mantendo os olhos na mesma direção.

− Claro, é o sonho de uma vida inteira.

− Então, eis um desafio simples. Você vai me entrevistar, e se eu gostar das suas perguntas o emprego é seu. Esse será meu último ato como CEO da Apple.

Engoli em seco e senti que meus pés não eram capazes de sentir o chão, como se evitar o Apocalipse dependesse de mim.

− Como assim, entrevistar você? Eu nem sei por onde começar.

− Então já está demitido, pode ir embora.

− Espera aí, me dá outra chace, eu quero tentar.

− Você acha que o conselho e a diretoria da empresa vai me dar outra chance para voltar a dirigir a minha própria empresa?

− Isso eu não sei, mas eu sei que se você começou uma grande empresa do nada, pode fazer isso de novo.

Ele olhou pra mim, se ajeitou na cadeira e disse “pode começar, sou todo ouvidos”. Eu continuava tremendo, mas aqueles minutos ali com uma das personalidades mais emblemáticas do universo me deram uma minúscula porção de confiança.

− Me fale de suas origens, como era a sua vida na faculdade, antes de criar a Apple?

− Nem tudo foi romântico. Eu não tinha um dormitório, então eu dormia no chão nos quartos de amigos. Eu devolvia garrafas de Coca-Cola pelo valor de 5 centavos para comprar comida e andava 11 quilômetros todo domingo para conseguir uma boa refeição em um templo Hare Krishna. Eu adorava. E muito dos meus tropeços, seguindo minha curiosidade e intuição acabaram sendo de inestimável valor mais tarde.

− Lá, você aprendeu algo que hoje é importante no seu trabalho?

− O Reed College naquela época oferecia talvez o melhor ensino de caligrafia do país. Em todo o campus, cada pôster, cada etiqueta em cada gaveta, estava lindamente caligrafada à mão. Por ter abandonado meu curso, acabei fazendo aulas de caligrafia para aproveitar o tempo. Aprendi sobre tipos de letra com serifa e sem serifa, sobre variar a quantidade de espaço entre diferentes combinações de letras, sobre o que torna uma tipografia ótima. Era lindo, histórico, artisticamente sutil de uma forma que a ciência não consegue capturar, e eu achei fascinante. Muito da estética e sofisticação dos computadores Macintosh vem do que aprendi nessa época.

− Então, quer dizer que todo conhecimento é valioso de alguma forma?

− Sim. Novamente, você não pode ligar os pontos olhando para frente; você só pode conectá-los olhando para trás. Então você tem que confiar que os pontos de alguma forma se conectarão no seu futuro. Você tem que confiar em algo – seu instinto, destino, vida, carma, o que for. Essa abordagem nunca me decepcionou e fez toda a diferença na minha vida.

− Como você lida com mudanças?

− Quando eu tinha 17 anos, li uma citação que era algo como: “Se você viver cada dia como se fosse o último, algum dia certamente estará certo”. Isso me marcou e, desde então, nos últimos anos, me olho no espelho todas as manhãs e me pergunto: se hoje fosse o último dia da minha vida, eu gostaria de fazer o que estou prestes a fazer? E sempre que a resposta foi “não” por muitos dias seguidos, sabia que precisava mudar alguma coisa.

− No manifesto da Apple está escrito “Enquanto alguns os veem como loucos, nós vemos gênios”. O que isso quer dizer?

− Uma característica das pessoas criativas é que elas imaginam tornar o impossível possível. Essa capacidade de imaginar − sonhar, rejeitando audaciosamente aquilo que no momento é verdade − é a maneira pela qual descobrimos o que é novo ou importante.

− E você, o que pretende fazer de novo?

− Tive sorte! Encontrei o que gostava de fazer cedo na vida. Woz e eu começamos a Apple na garagem dos meus pais quando eu tinha 20 anos. Trabalhamos duro, a Apple cresceu de apenas nós dois em uma garagem para uma empresa de US$ 2 bilhões com mais de 4.000 funcionários. Acabamos de lançar nossa melhor criação, o Macintosh, e eu acabei de completar 30 anos. Sim, fui demitido. Como você pode ser demitido de uma empresa que você começou? Bem, à medida que a Apple crescia, contratamos alguém que eu achava muito talentoso para dirigir a empresa comigo, e durante o primeiro ano as coisas correram bem. Mas, então, nossas visões do futuro começaram a divergir e, eventualmente, tivemos um desentendimento e o Conselho de Administração ficou do lado dele. Então, aos 30, eu estou fora. Eu não entendo bem ainda, mas ser demitido da Apple talvez seja a melhor coisa para mim. O peso de ser bem-sucedido talvez seja substituído pela leveza de ser novamente um iniciante, menos seguro de tudo. Quem sabe isso me libere para entrar em um dos períodos mais criativos da minha carreira. A vida, às vezes, acerta a sua cabeça com um tijolo.

Minhas pernas não tremiam mais. No entanto, mesmo já calmo não conseguia seguir com a entrevista. Steve deu uma última olhada para o horizonte, respirou fundo, levantou-se e caminhou na direção da porta. Antes de atravessá-la, voltou-se pra mim com uma expressão um pouco mais leve no rosto.

− Quando eu era jovem, havia uma publicação incrível chamada The Whole Earth Catalog, que era uma das bíblias da minha geração. Foi criado por um sujeito chamado Stewart Brand não muito longe daqui em Menlo Park, e ele deu vida ao projeto com seu toque poético. Isso foi no final dos anos 1960, antes dos computadores pessoais e da editoração eletrônica, então tudo foi feito com máquinas de escrever, tesouras e câmeras Polaroid. Era como o Google em forma de brochura, 35 anos antes do Google aparecer: era idealista e repleto de ferramentas elegantes e ótimas noções. Stewart e sua equipe publicaram várias edições do The Whole Earth Catalog e, quando terminou, lançaram uma edição final. Era meados da década de 1970. Na contracapa da edição final havia uma fotografia de uma estrada rural de manhã cedo, do tipo em que você poderia pegar carona se fosse tão aventureiro. Abaixo estavam as palavras: Permaneça com fome, permaneça tolo. Foi sua mensagem de despedida quando eles fecharam. E eu sempre desejei isso. E agora, que uma nova jornada começa para mim e para você, desejo isso para nós: permaneça faminto, permaneça tolo. A vontade de aprender e a humildade de perguntar sempre serão as suas armas mais poderosas.

− Obrigado Steve! Foi uma honra. Gostaria que nossa conversa fosse em outras circunstâncias. Mas, ainda assim estou muito feliz, porque sei que você vai conectar os pontos e dar a volta por cima. Boa sorte!

− Obrigado, William. A gente se vê por aí.

− Ah, Steve, e sobre o emprego, estou contratado? − perguntei meio gritando, chamando a atenção de quem passava, inclusive dos outros candidatos, pois ele já estava quase do outro lado do corredor.

− Basta conectar os pontos, William − respondeu, com o seu famoso sorriso de canto boca.

***

Esse é um evento fictício, mas as ideias são originais e foram retiradas de sua biografia, escrita por Walter Isaacson, e de seu discurso proferido em Stanford, em 12 de junho de 2005.

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