Quando falamos do futuro do Brasil, são comuns as comparações com a população envelhecida do Japão. Em algum momento a nossa pirâmide demográfica irá se assemelhar à deles, mas antes faremos uma parada na estação Coréia do Sul.
Observe as pirâmides etárias do Brasil, Coréia do Sul e Japão, respectivamente.
Sei que já passou um pouquinho a febre do Round 6, é até bom que seja assim, a essa altura quase todo mundo que podia assistir já assistiu.
A magnética história de pessoas desesperadas ao ponto de concordar em participar de um jogo cruel tem diversos elementos da realidade e sua trama não é inédita, outros filmes já a abordaram, Jogos Vorazes, Corrida Mortal e O Sobrevivente.
Os elementos alegóricos, macacões e máscaras dos vilões, a temática infantil dos jogos, são camadas de entretenimento sobre uma dura realidade.
A vida nas cidades sul-coreanas é sufocante, com poucas oportunidades de um bom emprego, especialmente para os mais velhos, que ainda enfrentam altos custos de saúde.
Round 6 vs A Casa de Papel
Muitas semelhanças foram encontradas entre as séries Round 6 e A Casa de Papel, mas uma diferença marcante está no elenco, os personagens de Round 6 são essencialmente mais velhos, tendo inclusive idosos entre eles.
Se os roubos de A Casa de Papel são motivados pela ambição, em Round 6 conquistar o prêmio não envolve a promessa de uma vida de luxos, apenas permite que os personagens se imaginem fora de seus dramas cotidianos.
Brasil vs Coreia do Sul
A dura notícia é que estamos a caminho da angústia em que se encontram os personagens da série.
De um ponto no passado em que o Brasil estava em melhor situação que a Coreia do Sul, que acabava de sair de uma guerra (1950-53), hoje estamos na parte debaixo dos comparativos.
Maciços investimentos em educação e tecnologia levaram a Coreia do Sul a uma contínua expansão de sua capacidade produtiva. Sendo competitiva em setores de todo tipo, com grandes marcas internacionais como Hyundai e Samsung. Sem falar em toda a produção cultural de alcance mundial.
Mas esse progresso cobra um preço da população Sul Coreana, há uma grande pressão para fazer parte do corpo de profissionais que trabalham em empresas de ponta, com consequências duras para quem não alcança esse patamar.
O período de qualificação para o mercado de trabalho concorre com o período de fecundidade das famílias, com mais mulheres estudando e investindo em suas carreiras em detrimento da maternidade.
As enormes exigências do sistema educacional fazem com que as famílias que escolheram ter filhos tenham apenas um e concentrem nele seus recursos e expectativas.
Quem não consegue “vencer” acaba por abdicar da ideia de ter filhos em meio a um ambiente tão hostil.
O prêmio para aqueles que conseguiram uma “educação de elite” é ter sua empregabilidade até o limite dos 45-50 anos, quando espera-se que saiam do mercado formal e passem a trabalhar como consultores, professores ou palestrantes. Situações em que deverão cobrir seus próprios custos de saúde, criando um drama mesmo para quem “deu certo na vida”.
Um reflexo desse mal estar é a baixíssima taxa de natalidade da Coréia do Sul, a menor do mundo.
O Brasil está na ante-sala da realidade coreana, com uma perspectiva ainda mais sinistra.
Aqui não tivemos investimentos em educação e infraestrutura como na Coreia do Sul. A produtividade da mão de obra é baixa e a qualificação insuficiente para empregos em setores como indústria e tecnologia.
A urbanização de nossas cidades é precária, intensificando a disputa pelos lugares mais seguros e agradáveis, o que aumenta enormemente o custo de vida para as famílias.
A imagem de apartamentos minúsculos, que sempre esteve associada ao sudeste asiático, agora é o perfil de moradias que mais cresce.
Existem ainda outros aspectos em que temos muitas semelhanças com a Coréia do Sul.
Nosso sistema de saúde pública é limitado e, se já demonstra esgotamento diante da população ainda jovem, o que esperar dos anos à frente.
O sistema de previdência transfere renda dos jovens para os mais velhos, com menos jovens do que velhos na população, tende a ficar estrangulado, exigindo novas reformas que reduzam as pensões e aumentem o tempo de contribuição.
Na contra tendência do envelhecimento, as empresas seguem preferindo profissionais mais jovens, considerando dispensáveis aqueles que passam dos 45. Criando um gap de 20 anos de contribuição até a idade mínima para a aposentadoria.
Quem não conquistou uma educação de elite é relegado aos setores de apoio, como operários em indústrias, comércio e serviços. Sendo que esses setores passam por transformações tecnológicas que reduzem a dependência de mão de obra.
Esse ambiente hostil que reduz a taxa de natalidade na Coreia do Sul, 0,82 filhos por mulher, também deixa suas marcas aqui no Brasil, com 1,72 filhos por mulher, e em queda contínua.
Tanto na Coreia do Sul, quanto no Brasil e outros lugares do mundo vemos o retrato de uma população que não encontra espaços para pertencer, tampouco crescer.
Luz no fim do túnel
Tal cenário sombrio pode ser revertido por tendências ainda incipientes.
A partir da ampla difusão de internet, com 83% da população conectada e crescimento nas classes mais baixas, será possível conseguir educação para o trabalho.
Tanto para jovens quanto para os mais velhos que terão que se requalificar.
Inúmeras empresas se empenham em difundir a educação pela internet, estimulando a formação para as carreiras do futuro, como você pode ver no divertido vídeo da Descomplica com o pessoal do Porta dos Fundos (ao final do artigo).
Se as grandes cidades são caras e até inviáveis para muitas famílias, a perspectiva de trabalho remoto cria oportunidades de uma vida mais equilibrada em centros menores.
Com o acesso à educação para os empregos da era moderna pode ser criado um ambiente de segurança e crença num futuro melhor, condições essenciais para que as famílias que desejam ter filhos possam tê-los.