Metaverso x Markverso

O SXSW mostra que há mais nesse universo do que os clichês que ouvimos do criador do Facebook.
Metaverso x Markverso Metaverso x Markverso
Metaverso x Markverso
Foto de Thanh Long no Pexels

O metaverso nem chegou direito e a gente já não tem muita paciência com ele. O termo se tornou mais uma buzzword dentro de um balaio que também contém blockchain, criptomoeda, nft e web3.0. O ranço com o metaverso é alimentado pelos posts dos gurus do LinkedIn e as declarações do Mark Zuckerberg sobre o futuro da Internet. Mesmo assim, ou justamente por isso, eu estava curioso pra atravessar essa cortina de fumaça e ouvir o que se falaria sobre o assunto no SXSW 2022. 

Muito da ideia que se tem do metaverso é pautada pela visão cuidadosamente propagada pelo CEO do Facebook, agora parte da holding Meta. Na verdade, esse é o markverso. No painel que participou remotamente no SXSW, Mark mais parecia um avatar de um metaverso pouco sofisticado repetindo as mesmas declarações genéricas para acalmar seus seguidores e os acionistas. “O metaverso é o próximo capítulo da Internet”. “O que já foi texto, foto, vídeo, agora será imersivo”. “São diferentes possibilidades – AR, VR, avatares realistas – e cada pessoa poderá usar o metaverso da forma particular, como usamos o computador para trabalhar, jogar ou conversar”. Um retrato pouco preciso e muito abrangente que parece refletir sua estratégia de negócios.

Porém, e isso é o bom de um evento como o SXSW, existem outras perspectivas. Reggie Fils-Aimé, executivo que liderou a Nintendo por muitos anos, não compra a visão de Mark. Ele vê o metaverso como um espaço digital onde você interage com seus amigos em um ambiente social e gameficado. Uma evolução natural de algo que já é comum nos games: dos grandes eventos culturais sediados no Fortnite aos diferentes tipos de experiência reunidas pela mesma moeda em Roblox. Ele não vê o Facebook como protagonista nesse movimento. Qualifica a empresa como pouco inovadora, que compra coisas interessantes e sabe agir rápido para seguir tendências. Sarah Bond, vice-presidente do Xbox, reforça a visão de Reggie, com a autoridade de quem está em evidência em uma indústria de três bilhões de pessoas e U$ 200 bilhões: “todos os elementos do metaverso já existem nos games”. Ela vê com bons olhos a apropriação do 3D e da identidade digital, por exemplo, por outras indústrias.

Mas não é só nos games que estão os spoilers do metaverso. O criador da série Upload, Greg Daniels, que tem The Office e The Simpsons no currículo, contou para a futurista Amy Webb sobre como imaginou o enredo que começa com um paraíso digital para onde as pessoas fazem o upload de seus cérebros quando morrem. Na série, o conceito de “extensão digital da vida” se materializa em Lakeview, uma espécie de resort virtual de luxo habitado por avatares realistas que carregam as memórias dos corpos desencarnados. Um metaverso em que os ricos desfrutam a pós-vida. A ficção de Daniels antecipa alguns dilemas do metaverso acerca dos valores sobre os quais essas representações digitais da sociedade são construídas: à imagem das grandes empresas de tecnologia responsáveis por desenvolver suas estruturas e lucrar com sua popularização. Em pouco tempo, as pessoas estão economizando nos gastos do mundo real para ter acesso às belezas naturais do mundo digital (na série, no caso, por enquanto). As pistas já estavam aí há algum tempo. Como quando Daniels reparou no comportamento da filha que pediu 99 centavos reais para comprar um móvel virtual para seu iglu digital em um jogo de celular. Isso já era um spoiler.

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O boneco de neve brasileiro (à direita) representa o estado atual do metaverso.

Sandy Carter, especialista no pacote blockchain/cripto/nft/metaverso/etc também traz um depoimento mais convincente do que Zuckerberg. Ela mostra outros exemplos factuais de onde a economia já está se movimentando. E, ao contrário das mensagens motivacionais do criador do Facebook, faz um alerta: ainda estamos na fase “internet discada” do metaverso. A interface é ruim, a experiência do usuário é ruim, é caro e pouco acessível. Mas os conceitos e elementos já estão na mesa para serem combinados. É como se o metaverso que ela e seus pares enxergam (e Mark sonha) fosse um boneco de neve dos filmes de hollywood, mas nós ainda estamos na fase boneco de neve brasileiro do metaverso.

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