Mais uma vez o Brasil esteve entre as maiores delegações do SXSW, esse ano perdendo apenas para os ingleses. Ainda não podemos dizer que estamos bem representados no evento, nossa delegação não reflete a diversidade do país (socialmente, economicamente e racialmente). Ao mesmo tempo, ocupamos espaços importantes com muita sabedoria. Ver workshops como o Radar Antifragilidade e Museu do Absurdo 2050 (White Rabbits), palestras e iniciativas lideradas por brasileiros dentro da grade do evento e até um programa de incentivo para empresas da economia criativa de SP irem para Austin (CreativeSP), me dão esperanças de que, de forma bem estruturada, as conversas podem sair do eixo Faria Lima – Vila Madalena. Sem contar com um grupo que se organizou enquanto comunidade, as Shes’s/Elas, e se uniu em conversas, dicas e recomendações sobre tudo que poderia ser útil para as mulheres que estavam no evento – antes, durante e que depois ainda reverbera. Drives compartilhados, docs, fotos, anotações, artigos. Isso não deveria parecer, mas é MUITO novo em termos de comportamento quando falamos da nossa indústria criativa. Ganhamos todes com essa microevolução de acesso compartilhado ao conhecimento e agora precisamos pensar juntes o que fazer com isso.
Acesso é a palavra. Estamos à beira de uma revolução e isso vai mudar a forma como vivemos, trabalhamos e nos divertimos, sabemos. Porém, para que isso aconteça, precisamos permear bolhas (estourar é prepotência no modelo econômico que vivemos) e trabalhar como um ecossistema que escalona, replica, faz pontes e dá acesso a todo esse conhecimento. Um desafio cultural quando pensamos em como é estruturado ainda o pensamento criativo no universo das agências de publicidade brasileiras, veículos de mídia e do marketing das empresas. Não há lição-resumo melhor do que a de Rohit Bhargava: “as pessoas que entendem as pessoas, sempre vencem”. Temos uma necessidade de olhar para todo esse paradoxo que construímos até aqui, de querermos ser a indústria que pauta a inovação e a criatividade, nomeia movimentos, apoia causas, enquanto o colega ao lado tem mais um burnout. E nesse paradoxo estamos todes ocupando os bancos dessa gangorra, ora “burnaoutando”, ora fazendo alguém “burnaoutar”.
Há um chamado para a co-responsabilidade desse grupo privilegiado que estava ali, num mundo pandêmico, com dólar a 5,5, em fazer alguma coisa com essa vivência, de criarmos a indústria criativa que queremos ver e fazer parte. Se vivemos num mundo feito de narrativa e se a indústria do entretenimento é a que mais consegue criar narrativa, precisaremos aplicar os conceitos aprendidos ao longo desses dias para criar as histórias que queremos ver no mundo. Pensar em contextos diversos, e não em silos, e assumir compromissos – marcas, agências, plataformas, criadores, pessoas – é um caminho. Cabe aqui perfeitamente o conceito de re-percepção apresentado pela futurista Amy Webb, sobre a capacidade de ver, ouvir, ou tomar consciência de algo novo, olhar com curiosidade para a vida sem dizer logo “não” para o que é desconhecido.
Há muito, e muitos, ainda à margem para esse novo passo que queremos dar em tantas direções. Como disse Sit Swan, especialista em escalar projetos de organizações para a Web3, “precisamos ser cool de novo. Mas o que é ser cool? É fazer ser legal, é fazer com que seja legal para todo mundo. Por exemplo, 81% das criptomoedas são do sexo masculino. Apenas 5% dos projetos de NFT são do sexo feminino”. Quem está por trás das empresas, das agências, das organizações, dos criadores, dos algoritmos, somos nós, profissionais dessa indústria, com a missão de democratizar os acessos para reescrever esses capítulos.
As provocações estão na mesa: re-percepção (Amy Webb) e distorção da percepção (Tristan Harris); tecnologia não neutra, mas que apoie a justiça (Tristan Harris); a geração Z e o paradoxo do consumo (a mais consumista e a mais engajada) ou a geração vista como melhor que as gerações anteriores em termos de empatia e tolerância (Brené Brown); The Great Resignation ou a grande demissão – ou seria negociação? – e o que isso está impactando na revisão de comportamento em relação ao que entendemos como modelo de trabalho; “capitalismo construtivo”, que saiu da palestra que discutiu como o cultivo da cannabis e medicamentos psicodélicos podem inspirar e formar negócios éticos para além dessas indústrias (essa confesso que ainda estou digerindo e merece um texto só pra ela porque foi incrível); e por fim, Priya Parker que criou até um guia – Art of Gathering – para desbloquear maneiras novas e criativas de passarmos o tempo juntos. “A magia está na conexão criada entre as pessoas”, disse ela. Ou seja, um guia de planejamento para ter e desenvolver propósito em qualquer ocasião, de reuniões de trabalho a festas e eventos. E isso é bem louco, pelo menos pra mim, porque sempre reflito em qual momento nos afastamos tanto do básico das nossas relações?
Enfim, levo de Austin, dessa vez, além da discussão sobre esses e tantos outros conceitos, uma experiência bem diferente das outras. Não há tecnologia e metaverso que fique de pé sem um olhar para a construção de uma tecnologia de base social. A serviço de, e para, as pessoas. Somos membros, pertencentes e parte co-criativa de tudo que está aí, não somos usuários. Já fomos. Com isso, vem o chamado para além do conhecimento. Não é mais apenas sobre o saber técnico, mas é sobre a responsabilidade de construir junto.