Criar uma história não é uma tarefa fácil…
Isto envolve muito mais do que o “Era uma vez…” e sequenciar acontecimentos em uma linha narrativa – aconteceu isso, depois isso, depois aquilo…
Aliás, uma história não é uma simples narração de fatos. Elas precisam emocionar, trazer incertezas, torcida, apresentar às pessoas novas possibilidades; transpor, ainda que por alguns instantes, a mente do público para algum lugar além do horizonte dia-a-dia que conhecemos bem.
Histórias envolventes têm uma fundação sólida; elementos que podem ser transpostos para além de um momento específico (UMA história em particular) e cujas características são facilmente reconhecíveis ao ponto de se tornarem repertório comum para ilustrar sensações e/ou modelos de comportamento.
O universo de uma história é facilmente reconhecido:
… e os seres que habitam estes universos – os personagens – também têm um papel fundamental para indicar à audiência o que, no mundo, foi corrompido e demandará ação imediata daquele(s) personagem(ns).
Dependendo de sua função na narrativa (e da natureza da própria história), podem ser mais ou menos profundos, mais ou menos estáveis, flats ou rounds, essencialistas ou existencialistas.
Bem, se criar estes universos e personagens, por si, já é uma tarefa árdua. Quando há uma marca por trás, isto se torna hercúlea!
Marcas & Histórias
Quando marcas (de produtos e serviços) desejam ser contadoras de histórias, geralmente, há um conflito entre engrandecer as questões criativas ou sucumbi-la a um discurso “de venda”, o que resulta em dificultar ao extremo a formação de vínculos emocionais entre as pessoas (que são mais do que consumidores/as) e a história.
Mas, temos que pegar leve com uma questão… Se o seu personagem, por exemplo, serve unicamente ao propósito de propagar de uma mensagem publicitária, ele/a não é um personagem, é um mascote (e tá tudo bem…, não precisa forçar uma origem desnecessária. Abraça o Dollyinho, seu amiguinho e só vai!)
Se uma história foi construída com o único propósito de transmitir uma ideia vinculada ao consumo de algo, também tá tudo bem!
Histórias lindas podem ser construídas mesmo assim:
O problema acontece quando uma marca/produtos são inseridos posteriormente em uma história desrespeitando seu universo narrativo: aquele “merchan de novela da Globo” dos anos 80/90/00/10, onde a marca/produto são inseridos como um alienígena em meio à história.
Nada que o Porta dos Fundos já não tenha ironizado:
Há casos em que é clara a aceitação da ruptura da imersão narrativa em favor de quem paga as contas. Ok! É a vida, tá tudo bem também… a história serve ao propósito comercial.
Mas, quando a história em si É um valor, seria possível evitar corromper sua essência, manter sua relação afetiva junto ao público?
A Marca / Produto como parte integrante da narrativa
Claro que, com mais tempo e disponibilidade criativa, pode-se pensar em uma integração mais forte entre marcas/produtos e histórias, onde o primeiro está tão inserido na narrativa, que ele transcende sua natureza comercial (um produto sendo vendido por dinheiro).
Pontualmente, temos os clássicos Náufrago (– Sorry, Wilsoooon!!), Transformers (também conhecido como filmes publicitários de 2h da General Motors) e Audi/Iron Man. Os product placements que fazem sentido:
Bom, até aqui falamos de produtos invadindo histórias….
O inverso também existe: elementos de histórias deixando seu universo e vindo para o mundo real.
Apropriando-se de histórias alheias
Empresas que querem se apropriar do envolvimento emocional já construído por narrativas de entretenimento têm, como solução, o Licenciamento Promocional (de marcas e personagens), um modelo de Licenciamento de Marcas que permite com que ações de comunicação utilizem elementos de histórias criadas por publishers (estúdios, editoras, produtoras).
Contudo, histórias criadas ‘como produto’, ou seja, que não servem ao propósito único de promover uma marca de bens de consumo, também precisam ser protegidas da exploração inconsequente.
Vale se vender e quebrar o vínculo afetivo criado com seu público (se me permitem 5 microsegundos opinativos: não).
Isto não significa, entretanto, manter o mundo ficcional imaculado, puro e casto… ou ainda, separar totalmente a fantasia do mundo real.
Com um pouco de criatividade, é possível mesclar a fantasia e a realidade (inclusive, comercial).
A ficção invade o mundo real
Podemos, por exemplo, considerar transposição de elementos de uma história (mais comumente, de seus personagens) para o mundo real, onde a quebra da quarta parede justificaria a interação entre a ficção e a realidade e a inusitude dá a liberdade poética para justificar a si própria.
Aí temos:
Loki usando um Hyundai Tucson:
Hulk lutando com o Homem-Formiga por uma Coca-Cola:
Se necessário, até mesmo deixando de se levar a sério, como the King, do Burger King sendo Iron Man:
Uma possível abordagem alternativa é construir o conteúdo midiático mesmo sem o uso direto DO/A personagem em si (como se eles existissem de verdade), mas de seu simbolismo no mundo real.
Lembra do Darth Vaderzinho fofinho da Volkswagen?
Note porém que, tanto em um como em outro, mantém-se as características que identificam os personagens, e o produto é tratado como coadjuvante, não protagonista (minimizando essa sensação de ‘alienígena’), afinal de contas, o que é mais importante para uma pessoa normal: O Darth Vader ou o carro?
(pessoa normal = não é funcionário da área de marketing da empresa anunciante)
As pessoas consomem histórias para se emocionar, para encontrarem novos mundos e possibilidades, criarem vínculos com personagens.
O universo narrativo é sempre o protagonista.