O calor e a vista da Marina da Glória, no Rio de Janeiro, deveriam ser headliner de qualquer evento na cidade. Mas, o Queremos!, agora em sua terceira edição, montou um palco pra disputar espaço com a paisagem.
No início, o Tuyo subiu ao Palco Rosa para ajuntar o público e iniciar a edição 2022. Se o som mais leve da banda me pareceu um bom começo, Drik Barbosa não economizou no peso. Ao longo de pouco mais de uma hora, a rapper de São Paulo se confundiu com qualquer artista carioca que impõe um ritmo de show pautado pela energia, pelo vivacidade e espontaniedade. A abertura foi com Grave, seguida de Rosas, Banho de Chuva e Camélia. Do palco, Drika acenou pro amigo e parceiro, Rael, que assistia o show da casa de som, em frente ao palco e tocou mais uma em homenagem ao amigo. Tarefa difícil abrir um festival e Drik fez bem demais.
Uma peculiaridade que eu notei no Queremos! é que não há DJ’s entre os shows. Termina um, começa o outro. A Marina da Gloria é um lugar compacto. Então era só se virar pra acompanhar tudo.
Aliás, a estrutura do Festival foi muito bem desenhada. Mesmo aparentemente pequeno, era fácil chegar aos bares, banheiros e ativações de marcas, como o bar da Heineken e o redário criado pela Mike’s. A praça de alimentação era bastante variada e o preço salgado de todos os menus assustava só no início.
De volta ao Palco Rosa, Luedji Luna, com a elegância que lhe é peculiar, fez um show que foi crescendo, ganhando volume até a chegada de seu maior hit, Banho de Folhas. A história da criação dessa música, contada pela própria artista antes da execução, é ótima e criou um certo clima íntimo com a plateia. Tão sorridente quanto talentosa, Luedi tem uma presença de palco absurda e uma voz que jamais perde o esplendor. Ouvi-la ao vivo é sempre outro tipo de banho.
Majur e Céu também fizeram bons shows, embora eu tenha visto muito mais esse último. Não sei se a metade do público que chegou nesse momento achou puxado um festival de mais de 14h de duração, mas a verdade é que foi só na apresentação da Céu que o povo compareceu de verdade.
De novo, ponto pra organização. Mesmo com quase a capacidade máxima, era possível curtir as atrações sem se estressar.
Aí entra uma das sensações do momento, a mineira Marina Sena. Um pouco tímida, talvez por já pegar um púbico aquecido e um tanto ansioso pelas próximas atrações, mas cheia de carisma, ela enfileirou os hits do seu primeiro álbum com alguma ousadia e sequer deixou Por Supuesto por último. A última música do setlist foi Pelejei. Antes, Marina tocou La isla bonita, cover da Madonna, Voltei pra Mim e Temporal, todas cantadas como num karaokê.
Foi bom ver um show da artista pela primeira vez. E mais ainda ver que ela tem potência para crescer e imprimir uma identidade realmente irrefreável.
Sai Marina Sena, entra Kamasi Washington. O saxofonista americano fez um daqueles espetáculos apoteóticos, com aquele peso capaz de amassar a lataria de um carro. Que negócio sensacional foi assistir as improvisações e experimentações do Kamasi Washington ao vivo. Se fosse pra definir, é mais ou menos como descer uma serra cheíssima de curvas e estar tão imerso que você tem certeza de ser um escorrega de parque infantil. O pianista brasileiro Jonathan Ferr, que é do Rio, dividiu o palco com Kamasi em ótima participação.
Se até ali o Queremos! ainda não tinha ganhado totalmente o público, eu não sei. Mas o Gilberto Gil pisou no palco para fazer um dos melhores shows que já vi na vida. Que energia! Que disposição para, aos 80 anos, mostrar seu tamanho como criador apenas pelo prazer de fazê-lo. Foi lindo ouvir a versão quase minimalista e afetuosa de Palco (puxada um pouquinho mais lenta) com um Gil dizendo à plateia “cadê essa palma? bonita! gostei”, até o balanço super zombeteiro de Punk da Periferia. O setlist passou por todas as fases da carreira de Gil e ainda assim ele deixou muitos sucessos de fora. Fez falta? Lógico que não! O homem tem música boa pra umas 10 horas de show com dois dias de festival. E as joias estavam todas lá: Aquele Abraço (que escutada em plena Marina da Glória vira um folclore quase que instantaneamente), Vamos Fugir, Andar com Fé, Refazenda, A Paz (com uma belíssima execução), as versões de Dominguinhos e Luiz Gonzaga pra Eu Só Quero um Xodó e Respeita Januário, e o final arrebatador com Toda Menina Baiana.
Em alguma parte eu gritava “toca Realce, por favor!”. O Gil não ouviu. E tá tudo bem.
Emicida veio pra selar uma sequência de apresentações que parecia imbatível. Tocando quase que o show AmarElo, tornado filme pela Netflix, o paulistano não deixou barato pros órfãos de Gil. Quem Tem Um Amigo Tem Tudo fica gigante ao vivo. É uma música emotiva pra caramba. A fúria de Boa Esperança praticamente te coloca no centro de um furacão, onde você vê a paz mesmo sabendo que ela é um tipo de ilusão. Madagascar é ainda mais cheia de afeto, mas é em AmarElo e Pantera Negra que o bicho pegou pra mim. Show de gente grande!
Ótimo ver como a banda tem espaço no show do Emicida. E como faz diferença ter gente de verdade presente também. Foi a segunda vez que vi o artista ao vivo (a primeira sozinho), e certamente quero assistir outras vezes.
Com transmissão ao vivo da Amazon Music, o festival aconteceu no sábado, dia 28 de maio, e nasceu a partir da plataforma de mesmo nome. Como uma espécie de crowdfunding, o site mobiliza as bases de fãs de bandas e artistas para levar atrações para a cidade do Rio de Janeiro.
Nas edições anteriores os nomes internacionais eram mais numerosos. Seguindo a onda de outros eventos focados na música brasileira, Baco Exu do Blues, BK, ÀTTØØXXÁ, FBC e Vhoor levaram o Queremos! até às quatro da manhã de domingo e fecharam esse festival de uma forma quase autoexplicativa: em 2023, queremos! Queremos mais! E tomara que muita gente grite comigo, “Queremos Jorge Ben!”