Começou como uma brincadeira, um jeito engraçadinho de ironizar os profissionais e empresas que anunciam aos quatro ventos seu compromisso de colocar os indivíduos que interagem com seus produtos e serviços no centro das atenções quando, na verdade, tais profissionais e empresas mal sabem a quem estamos nos referindo quando perguntamos quem são seus clientes.
Hoje em dia a tal da User Experience — ou “U Xis”, para os íntimos — se transformou em uma buzzword tão poderosa que é praticamente um sacrilégio reconhecer que, por falta de tempo, budget ou intimidade, ninguém se deu ao trabalho de entrar em contato e conversar com o “usuário” — aquela entidade distante e desconhecida que, no final das contas, vai usar a gloriosa interface que foi construída para interagir com o negócio.
Se quiser ver os stakeholders de grandes empresas empalidecerem, fale que você gostaria de conversar com os usuários potenciais da solução solicitada antes de começar a trabalhar no seu design. “Cliente? Que cliente? Como assim?”. Pobre usuário!
“Que ‘usuário’ o quê, meu filho? Tá achando que é consumidor de droga? Este é o seu cliente, pô.”
Era assim, com toda esta delicadeza, que um ex-chefe resumia a questão: Pra quê tanta cerimônia para conversar com seu público-alvo?
Num momento histórico em que a Humanidade jamais esteve tão interconectada, como alguém pode desenvolver um produto ou serviço, montar todo um negócio, estudar cuidadosamente a concorrência e se posicionar no mercado, sem nem tentar entender quem vai consumir seu produto? Como saber o que este cliente pensa sobre seu negócio? Como ele se sente quando usa sua solução? O que efetivamente influencia a decisão de compra deste consumidor? O que vale mais para esta pessoa: aquela publicidade que você veiculou ou o elogio do produto feito por um amigo? Aliás, será que você ao menos sabe em qual circunstância o intrépido desconhecido costuma usar sua interface?
São nestas situações de “faz-de-conta”, de desconhecimento proposital ou involuntário, que nasce o famigerado Design “sentado” no Usuário.
E ele é bem mais comum do que você pensa!
Sabe a famosa sequência?
Briefing > Coleta de “referências” > Brainstorming > Criação da solução
Pois é, linda, né? Mas onde está a voz do público-alvo? Quem se deu ao trabalho de colher o seu input direto? Mais uma vez, Design “sentado” no Usuário.
Com o Design de Experiência do Usuário (sim, esta é a tradução de UX Design) ganhando cada vez mais ares de mainstream, todo projeto já nasce com a premissa “inquestionável” de que deve se basear nas necessidades do cliente final. Mas basta o designer dizer que pretende fundamentar seus pressupostos em entrevistas com usuários reais que o castelo de cartas vai ao chão. “Não temos acesso aos nossos usuários”. “Nossa política estabelece que não devemos ter contato direto”. “Nunca fizemos isso”. “Não tenho informações sobre o usuário final…”. A ladainha varia mas, infelizmente, em muitos casos, segue na mesma direção.
Ou então, pior, a verdade desnuda: “olha, este negócio de Design Thinking é muito legal, mas será que precisamos investir tanto tempo, dinheiro e energia em conversas com usuários?”. Este é o domínio do Design sentado no Usuário, aquele que faz de conta que escuta os consumidores finais.
Também é comum afirmarem que conhecem seus clientes, sim, já que realizam frequentes pesquisas quantitativas, possuem dados demográficos e de mercado, o famoso público AB, etc… OK, são informações realmente importantes, mas com elas alguém consegue dizer o que este público pensa, sente, fala e faz em relação ao seu produto?
Em outras palavras, você é capaz de expressar esta tal de experiência apenas através de números e generalizações? Você já viu algum pôr-do-sol 17% mais bonito que no dia anterior? Consegue racionalizar que a dor de dente de seu filho acontece apenas porque ele está no período de seu desenvolvimento em que ocorre a troca da dentição?
Num período de tamanha disponibilidade de dados, contraditoriamente o fator humano jamais foi tão importante.
O Design Centrado no Usuário, aquele de verdade, que escuta as pessoas, dá trabalho, sim. Demanda planejamento, preparação, identificação de perfis, recrutamento de consumidores, roteiros de entrevista, reagendamentos… Porém, se o objetivo é realizar uma comunicação efetiva, que atenda de verdade às necessidades dos seus consumidores finais e, assim, alcance os objetivos do negócio, este é o caminho que oferece resultados convincentes.
Aliás, a expressão “Design Centrado no Usuário” foi cunhada por Donald Norman (sempre ele…), mais de 25 anos atrás, para falar justamente das soluções que se baseiam nas necessidades dos usuários, deixando de lado o que não é essencial, como os fatores estéticos. Por sinal, o próprio Norman já disse que se arrepende de ter empregado a palavra “usuário”, uma vez que hoje ele prefere se referir a pessoas em geral — como demonstra o statement de seu blog (jnd.org): “Designing for People“.
Mas aí alguém lá do fundão deve estar se perguntando: “poxa, mas como vou conseguir inovar se estou baseando toda minha fundamentação no que as pessoas já sabem e pensam?“. Bom, não vou citar aqui a famosa frase de Henry Ford (que talvez nem seja dele), mas ouvir os usuários é apenas a primeira parte do processo de Design. Depois dela (e não menos importante), existe todo o esforço dedicado à análise das informações recebidas, ou seja, traduzir toda informação bruta em conhecimento aplicável.
Poxa, mas além de ouvir o usuário, ainda tem o trabalho de traduzir o que ele diz?
Mais do que simplesmente reproduzir o que o consumidor final diz, é fundamental interpretá-lo, identificar seus desejos e necessidades a partir do que ele conta (e até mesmo pelo que não conta), sente, faz e pensa. É baseado neste verdadeiro trabalho de “tradução” que seremos capazes de gerar insights que, muitas vezes, os próprios consumidores nem suspeitam que estavam lá.
Ou seja, é um trabalho duro que recompensa, pois esta identificação de insights, junto ao seu público-alvo, pode proporcionar ajustes do produto ou serviço— ou mesmo reposicionamentos de mercado — que farão toda a diferença para o sucesso de uma empreitada.
E eis que a verdade (dos usuários reais, ouvidos e interpretados) vos libertará.
Não tem segredo, conhecer de verdade seu público oferece os subsídios mais valiosos para:
A. identificar todos os pontos de contato do consumidor com o seu produto,
B. evidenciar os aspectos que podem ser melhorados,
C. direcionar a definição de uso e de navegação, e até mesmo,
D. validar protótipos antes de colocar a solução final na rua.
E na prática? Como isso funciona? Bom, tenho que dar a resposta que todo mundo odeia: depende. Depende do seu projeto, depende de sua realidade, depende do tamanho de sua equipe… só não depende da necessidade, porque sempre é importante encontrar um espaço para ouvir as pessoas, os usuários. Vale até mesmo recorrer às táticas de guerrilha, com entrevistas e validações relâmpago (só não vale entrevistar perfis suspeitos, como a própria mãe…), mas o fundamental é escutar (e interpretar) o que as pessoas têm a dizer sobre seu produto ou serviço.
Em outras palavras, ouvir o consumidor final, fazer o Design Centrado no Usuário, aquele de verdade, pode representar mais trabalho no começo do processo de desenvolvimento de uma solução, mas torna o resultado final muito mais certeiro, uma vez que ele já nasce alinhado com as expectativas de quem realmente importa: o usuário (opa, desculpa, chefe: o cliente!).
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