Se beber, não dirija. Mas pode criar

Se beber, não dirija. Mas pode criar Se beber, não dirija. Mas pode criar

Era uma vez, em uma época não muito distante, em que nossos carros locais eram chamados de “carroças” pelo nosso Presidente da República, Collor.

Só quem tinha muito dinheiro podia mesmo comprar carros de luxo, importados, cheios da última tecnologia e recursos. Ou então ter a esperança de ganhar um deles em concursos de fim de ano em alguns shopping-centers.

Aí vem a General Motors trazendo o Chevolet Omega para o Brasil.

O Omega era o top dos tops. Tinha tudo que os carros importados de luxo tinham, porém a um preço mais acessível a nós, vaidosos brasileiros.

Dá pra imaginar a expectativa do mercado, dos concorrrentes, da imprensa automotiva, dos consumidores em relação à chegada do Omega em 1992.

O projeto todo quase atrasou e por responsabilidade nossa, da agência de propaganda, a McCann, que faria o lançamento.

Estava tudo pronto, os roteiros nos quais o Omega desfilava sua superioridade elegante e imbatível, seu luxo, suas virtudes tecnológicas exclusivas. Os filmes também já estavam produzidos, assim como fotos deslumbrantes, registradas por artistas brasileiros e experts fotográficos internacionais, especializados em cenas de carro de alto nível.

O material gráfico, pôsteres, banners, anúncios, tudo estava pronto pra ser impresso, as datas todas do cronograma de produção estavam cumpridas.

Mas nós não havíamos chegado a um conceito de comunicação, vulgo slogan, à altura do Omega. Só depois poderíamos finalizar, imprimir toda a campanha.

O prazo fatal pra definirmos esse conceito de posicionamento era uma segunda-feira. Desesperado, na sexta-feira anterior convoquei a equipe toda de Criação da agência e lancei o desafio: me apareçam com um puta slogan na segunda-feira e salvem nossas peles.

Não havia computadores, e-mails, celulares, whatsapp. Distribuí uma lista de todos os telefones fixos da casa de cada um e combinamos de ir trocando ideias durante o fim de semana, assim na virtualidade da época.

Passei a noite daquela mesma sexta-feira fuçando todos os dicionários de Português possíveis e imagináveis, novos e antigos, Aurélio, de Sinônimos e Antônimos, Etimológico, Analógico, Tupi-Guarani, todos. Tínhamos que achar uma palavra, uma expressão que significasse TOP, SUPERIOR, NADA ALÉM, IMBATÍVEL, O MÁXIMO DO MÁXIMO, ULTIMATE.

Fui anotando ideias que eu achava cabíveis, anotei muita merda apenas como estímulo, registrei tudo o que eu achava que valia a pena. E dormi.

No dia seguinte, sábado, eu havia marcado um churrasco pra celebrar nem lembro bem o quê, talvez algo a ver com minha filha mais velha, Marina.

Meus churrascos sempre são meia-boca, nada de especial. Erro nos tempos, no ponto das carnes, me queimo, me corto.

Mas adoro fazer churrasco, principalmente pelo preparo todo, um ritual íntimo de cuidados prévios, que se inicia horas antes do desastroso churrasco em si.

Naquele sábado, levei as carnes pra churrasqueira, acendi lentamente a lenha pra transformá-la em carvão de verdade, fui arrumando as ferramentas, facões e facas, afiadores, espetos e grelhas, tábuas de corte. Eram umas 11 horas da manhã, coloquei uma fita de jazz – sim, na época era uma fita.

Abri uma vodca.

Fui seguindo no meu ritual quase espiritual de preparo, sempre acompanhado pelo jazz e alguns shots de vodca de quando em quando.

Por volta das 13 horas a família e os poucos amigos começaram a chegar.

De repente me surgiu uma ideia, um insight, um click, uma epifânia, como queiram: achei o slogan pro Omega!

A ideia nasceu da visão distorcida que tive da garrafa de vodca, tanto por enxergá-la bruxuleante através do vapor e da fumaça da churrasqueira, como pelo efeito da bebida: ABSOLUT.

Pronto: “OMEGA, ABSOLUTO”. Ideia simples e direta, referendada pelos colegas ao telefone no fim de semana e aprovada pelo cliente na segunda-feira.

O que é uma IDEIA?

Um tese recorrente entre os intelectuais, como Arthur Koestler, Vilfredo Pareto, James Webb Young, diz algo como “ideia é a conexão supreendente e inédita de elementos já conhecidos por todos”.

Albert Einstein simplesmente dizia algo como “É tão simples e bonito, que tem que funcionar. E só a intuição faz isso”.

Mas a definição de que mais gosto é a de Edwin Land, inventor da Polaroid no século passado: “ideia é apenas o repentino cessar da estupidez geral”.

Pra chegar ao ABSOLUTO, sem querer percorri todos esses caminhos: Li e reli, busquei, pesquisei, me alimentei de informação pertinente, que todo mundo também acessou. Fiz a lição de casa bem feita.

Mas coloquei meu cérebro em descanso aparente. Ele continuava trabalhavando inconscientemente no slogan do Omega, enquanto eu me dedicava ao churrasco.

Fiz conexões mentais com os elementos já conhecidos e deixei a intuição rolar.

De repente enxerguei a ideia, e não foi assim do nada.