Você gosta de abacate?
Uma de minhas irmãs odeia abacate. Para mim, é muito estranho pois a família inteira adora abacate — menos ela, que não suporta nem o cheiro. Entretanto, se você substituir abacate por peixe, este sou eu. Odeio peixe! Mas isto não me impede de gostar de cozinha japonesa — apenas mantenho distância dos peixes, oras.
São estas pequenas coisas que nos tornam únicos, certo? Somos o resultado de nossas experiências. Pode-se até não saber porque, mas o fato é que a experiência importa — e muito. Ao ponto de consumidores aceitarem pagar mais por ela, seja para evitar o abacate ou para deliciar-se com a cozinha japonesa sem peixe.
Sendo assim, como o designer pode ter a pretensão de dizer que projeta experiências quando a maneira como cada pessoa percebe o mundo ao seu redor é tão única? Colocando de outra forma, como garantir que outra pessoa está experimentando o mundo (ou parte dele) como planejado pelo designer?
Impossível!
Será?
User Experience
Pode-se definir experiência a partir de inúmeros pontos de vista — até porque é justamente a soma das experiências vivenciadas (e a capacidade de aprender com elas) que define a condição humana. Portanto, para não enveredar pela filosofia ou psicologia, o foco aqui será a experiência do “usuário” — ou, do inglês, a user experience (UX).
Mas, insistindo, o que define uma experiência do ponto de vista do UX?
Donald Norman, responsável por cunhar o termo “user experience”, define-a como um sistema que envolve tudo: a solução em si, sua interface, o perfil da pessoa que a utiliza, o ambiente em que se encontra (iluminação, temperatura, sons, etc.), a influência das pessoas próximas… enfim, TUDO.
Ou seja, a Experiência do Usuário é a sensação proporcionada não apenas pelas partes de uma solução mas pela combinação de todos seus elementos – somada à maneira como é lembrada pela pessoa. (o conceito de experiência como combinação de sensação e lembrança é do economista comportamental Daniel Kahneman, apresentado no TED Talk).
Desta forma, o bom restaurante não é aquele que oferece apenas um bom prato, mas uma combinação de atendimento, ambiente, opções de menu, qualidade dos ingredientes, eficiência da cozinha, entre outros fatores — inclusive a lembrança dos bons momentos que se teve lá com pessoas queridas. Afinal, o restaurante pode até ser excelente, mas se foi lá que se terminou um relacionamento, dificilmente ele será lembrado da mesma maneira…
Embora se apregoe que já vivemos na Era da Experiência, para inúmeras empresas este conceito de experiência do usuário infelizmente ainda é algo distante, uma vez que continuam focando suas atenções em features e funções operacionais, deixando que a experiência seja um subproduto não-intencional da maneira como estes elementos interagem entre si na perspectiva de quem os utiliza ou consome.
Design PARA a Experiência
Realmente é impossível projetar TODOS os elementos que compõem uma experiência, no sentido de controlar como os diferentes indivíduos percebem uma solução. No entanto, o propósito do UX designer não é projetar a experiência, mas projetar PARA esta experiência, oferecendo recursos que possibilitem que os usuários construam suas próprias percepções — preferencialmente numa direção desejada.
Neste contexto, o design para a experiência pode ser entendido como:
estrutura de elementos de Design que é capaz de direcionar reações comportamentais ou emocionais de uma maneira planejada para a maior parte das pessoas que compartilhe certas características e objetivos.
Desta definição depreende-se a importância da empatia com o público-alvo e o contínuo acompanhamento através de pesquisas e métricas, a fim de garantir que a experiência planejada esteja sempre alinhada com as necessidades das pessoas e os objetivos do negócio — o que torna o processo iterativo e interessante para até 80% dos consumidores (aqui compilo conceitos de Marcin Treder do UX Pin, Dane Petersen da Adaptive Path, Patrick Zimmermann e UX Magazine).
Assim, também não é nenhuma surpresa que este conceito de design para experiência esteja alinhado com uma visão de ciclo de vida do produto, já que o acompanha desde seu nascedouro, passando pelos primeiros engajamentos, fidelização, uso frequente, divulgação, apoio ao consumidor, falhas de atendimento, evolução contínua e até mesmo encerramento das atividades.
User Experience (UX) e User Interface (UI)
Segundo Norman e Nielsen, a missão básica de uma experiência do usuário é satisfazer as necessidades corretas do consumidor, “sem confusão ou incômodo”. Apenas depois disso, as soluções devem oferecer satisfação na posse e no uso com simplicidade e elegância.
Eles também ressaltam a importância de se distinguir entre a experiência total do usuário e sua interface (“user interface” — UI), ainda que a UI seja obviamente uma porção bastante importante do design. Como demonstrado pelo diagrama abaixo, tratam-se de instâncias diferentes de uma mesma estrutura, com características e objetivos próprios.
Igualmente importante é a distinção entre UX e usabilidade, uma vez que esta última é um atributo de qualidade de UI, abrangendo a facilidade de aprendizado, a eficiência e a satisfação do uso, etc.
Como identificar uma experiência
Conforme propõe a Adaptive Path, o design para a experiência do usuário começa pelo mapeamento destas experiências, o que inclui:
- Entender o usuário potencial, seu comportamento e suas necessidades, buscando identificar principalmente as necessidades não-atendidas;
- Mapear a jornada deste usuário, identificando canais e pontos de contato desde o início do engajamento até o potencial encerramento da interação, com especial atenção nos seus pontos altos e baixos;
- Identificar o ecossistema em que a nova solução se insere (produtos, software e serviços que se relacionam com ela);
- Gerar recomendações, insights e novas ideias para incrementar a jornada do usuário.
Com base nas oportunidades identificadas através da jornada do usuário dá-se início ao conhecido trabalho de desenvolvimento da solução, recorrendo-se sempre a novas pesquisas e métricas para garantir a contínua aderência às necessidades do público e aos objetivos de negócio.
O Futuro
Quando Jesse James Garrett lançou o seu clássico livro “The Elements of User Experience“, nos primórdios dos anos 2000, a experiência do usuário ainda se concentrava em websites. De lá pra cá certamente muita coisa mudou — e mudou particularmente a preponderância que a preocupação com a experiência do usuário ganhou neste período. Hoje a internet é dominada por mobiles e o UX continua a se expandir — assim como crescem cada vez mais a internet das coisas, as interfaces conversacionais, as experiências tangíveis e gestuais, as interfaces baseadas em voz, etc.
O Gartner prevê, inclusive, que por volta de 2020 as interfaces mobile já estarão em desuso, sendo substituídas por assistentes virtuais inteligentes e robôs que terão autonomia para se reproduzir e tomar decisões no lugar de seus usuários.
Porém, é possível ter certeza de que, felizmente ou não, mesmo com todas estas inovações, as pessoas continuarão sendo pessoas — e continuarão tendo experiências com novas (e velhas) interfaces. E o UX Design continuará mediando esta relação. Muito provavelmente em novos termos, mas estará lá.
Com abacate ou não.
Referências:
Caso tenha interesse em se aprofundar um pouco mais nestas questões, sugiro algumas referências — além daquelas já incorporadas no texto.
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Belo post! Uma síntese incrível sobre o assunto. Valeu,
Muito obrigado, Diego. Semana que vem tem mais!
Muito legal o post, verdadeira aula, obrigado. Adoro o Don Norman, um dos meus velhinhos preferidos (tenho uma coleção deles hehe). Gosto muito de associar a experiência de usuário com o conceito de empatia, que muitas vezes é compreendida de maneira rasa, apenas como uma espécie de “solidariedade” ou “se colocar no lugar de…”. Empatia faz parte do manual do proprietário do ser humano desde que o mundo é mundo e pode/deve ser constantemente “afiada” através de ampliação de repertório e observação de tudo o que acontece enquanto estamos acordados (talvez até dormindo também). Precisamos entender as engrenagens de gente que não gosta de abacate, gente que não gosta de peixe e gente… de modo geral. Quanto mais escaneamos o mundo, primeiro por curiosidade genuína e depois por olhos treinados pelo ofício, mais fantástica fica nossa experiência empática ;) Valeu Jeancarlo!
Concordo totalmente, Wagner.
Costumo dizer que o designer, em especial o UX Designer, precisa ser um especialista em gente, em olhar “o outro” não com o seu olhar mas com o olhar desta outra pessoa. Empatia na veia.
Sem o famoso “conhece-te a ti mesmo”, sem reconhecer-se humano e entender o outro como humano também, não rola.
Aí receber um briefing que fala de experiência como lista de funcionalidades até dói.
Aliás, o Don Norman é um verdadeiro Papai Smurf.
Muito obrigado, Diego. Semana que vem tem mais…