Imagine um festival musical exclusivo em uma ilha nas Bahamas, com praias paradisíacas, shows com grandes artistas internacionais, experiências gastronômicas com chefs de cozinha, aulas de yoga, ida a ilha em avião particular e acomodações luxuosas, com ingressos que tinham preços entre U$ 1.000 a U$ 250.000.
Agora, imagine chegar a esse mesmo festival e encontrar tendas usadas em campos de refugiados como acomodações, em uma área sem luz ou água corrente, além de não contar com comida, segurança, e uma infraestrutura minimamente preparada?
Bem-vindo ao Fyre Festival, evento que deveria ter acontecido entre as semanas dos dias 28 a 30 de Abril e 5 a 7 de Maio, em 2017.
Popularização
O serviço de streaming Hulu lançou seu documentário sobre o fiasco do festival com título de “Fyre Fraud” no última dia 14, enquanto a Netflix lançou sua própria produção a respeito do tema dia 18: “Fyre Festival: The Greatest Party That Never Happened”.
Ambos mostram o planejamento (ou a falta dele) na elaboração do Fyre Festival pelo empresário Billy McFarland e o artista de Hip Hop Ja Rule.
McFarland, jovem visionário, tinha obtido sucesso a partir da criação de um cartão de crédito chamado Magnises, voltado a geração de millennials, que oferecia um clube de vantagens aos seus clientes, desde descontos a ingressos para shows até festas exclusivas (serviços, inclusive, que não funcionavam tão bem, segundo seus próprios usuários).
Em 2015, McFarland (então com 25 anos) conhece Ja Rule, e ambos passaram a trabalhar juntos em um novo projeto: a Fyre. Basicamente, a Fyre seria uma plataforma para agenciamento de diversos artistas como músicos, dançarinos, atores performáticos, entre outros, de forma direta e sem burocracia. Para o lançamento dessa plataforma, ambos tiveram a ideia de criar um evento voltado aos profissionais dessa indústria: o Fyre Festival.
Em 2016, durante o Web Summit, ambos anunciam oficialmente a imprensa a realização do festival para o ano seguinte na ilha Norman, localizada nas Bahamas e antiga propriedade de Pablo Escobar.
Divulgação
O ponto chave de todo o festival foi, com toda certeza, sua publicidade. Para o desenvolvimento do vídeo de divulgação, foram chamadas 10 das maiores modelos do mundo, com nomes como Bella Hadid, Hailey Baldwin e Emily Ratajkowski.
O diretor de marketing do evento, Grant Margolin, elaborou takes da estadia dessas modelos pela ilha sem divulgar muitas informações sobre o festival em si: o foco dos materiais promocionais eram as experiências que a ilha poderia proporcionar, desde mergulhos entre aviões caídos ao mar, festas e passeios de jet ski, até pessoas se divertindo em praias com água cristalina. A ideia era vender uma visão do que as pessoas desejariam.
Durante as gravações, a cobertura jornalística feita por grandes veículos de comunicação se deu só pela curiosidade em relação a estadia dessas modelos na ilha ao mesmo tempo: O que era exatamente o Fyre Festival?
A resposta viria dia 12/11 do mesmo ano, com uma divulgação quase impecável do vídeo por 400 dos maiores influenciadores digitais da internet: uma postagem com somente um quadrado laranja, marcando o site oficial do evento.
Como resultado, 48h após a divulgação online, 95% dos ingressos disponíveis já haviam sido vendidos, e muitas marcas patrocinadoras de outros festivais (como o Coachella) buscaram entender mais sobre esse fenômeno para participar de alguma forma do evento.
Os primeiros indícios
Entre os meses de Fevereiro e Março, boa parte da equipe do Fyre Festival foi trocada por conta de desentendimentos em relação a logística: os primeiros sinais de que o curto espaço de tempo entre a divulgação e o festival aliadas a falta de experiência entre de seus idealizadores no desenvolvimento de eventos de grande porte já mostravam que a possibilidade de colapso era grande.
Os artistas head liners do festival (G.O.O.D. Music, Major Lazer, Blink 182, Disclosure e Migos) haviam recebido o dobro do cache normalmente recebido para sua apresentação. Além disso, o local do evento mudou da ilha Norman para uma parte da ilha Great Exuma, graças ao uso do nome de Pablo Escobar na divulgação inicial, algo que os proprietários do local vetaram veemente, a fim de apagar qualquer associação do local com o narcotráfico.
Diferente do local anterior, Great Exuma era habitada por uma população nativa, e já não passava a ideia de praia reservada e isolada como a anterior. Para piorar, existia o problema da superlotação: Ingressos a mais foram vendidos, além de acomodações extras que já haviam sido asseguradas para todos os influenciadores que participaram da divulgação inicial do evento.
Dentro desse cenário, algumas pessoas preocupadas com a veracidade do evento criaram uma página no Twitter: a Fyre Fraud.
Por meio desse e outros indícios, aos poucos a noção da proporção do desastre foi tomando forma. Blink 182, uma das principais bandas a se apresentarem no evento, soltou um comunicado oficial por meio de suas redes sociais dizendo que “não estavam confiantes teriam o que precisavam para entregar uma apresentação de qualidade para os fãs” poucos dias antes do início do mesmo.
Consequências
Com o início do evento, muitas falhas ficaram evidentes: a comida gourmet, prometida na comunicação da Fyre, havia sido alterada dias antes por conta da falta de pagamento com o fornecedor original. No lugar dela, estavam pratos de pouquíssima sofisticação.
Muitas áreas de estrutura do evento também estavam inacabadas: Acomodações estavam ensopadas de água por conta de vazamentos no teto, banheiros químicos destruídos estava, dispostos pelo festival, e havia a falta de postes de iluminação, segurança e locais para indicação de atrações.
O festival acabou sendo encerrado antes de seu término oficial, por falta de acomodações básicas para seus visitantes. O aeroporto da pequena ilha ficou lotado, formando filas gigantescas para o embarque da volta de seus visitantes extremamente frustrados.
Um ponto que vale a ser destacado após o festival foi a falta de pagamento dos responsáveis aos seus fornecedores. Desde diversas empresas contratadas até os moradores da ilha de Great Exuma, todos acabaram não sendo pagos pelos organizadores do festival, deixando uma dívida aos investidores de U$ 27 milhões, e aos trabalhadores da ilha de U$ 250 mil.
Poucos dias depois do festival, uma ação judicial coletiva no valor de U$ 100 milhões havia sido iniciada, e o próprio FBI ficou encarregado pelas investigações da fraude do festival em si.
Billy McFarland mentiu aos investidores da Fyre ao reportar o retorno do evento em U$ 34.790, quando, na verdade, a arrecadação total havia sido de U$ 1.459 milhões. Além disso, ele também mentiu em relação a compra da ilha Norman, onde o evento originalmente iria ocorrer, ao dizer que ela foi ‘doada’ em troca da realização do festival a fim de promover o local. Também disse que possuía U$ 2,56 milhões de ações no Facebook, quando na verdade não tinha mais do que U$ 1,500, entre diversas outras falsas alegações.
Detenção
O mais interessante é que Billy não foi preso por conta do Fyre Festival, mas sim pela empresa fraudulenta que criou em seguida, mesmo sendo investigado pelo FBI: a NYC VIP Acess. Usando o mailing de compradores de ingressos do Fyre Festival, essa empresa de fachada prometia ingressos com preços em conta para diversos eventos: Masters (golf), Coachella, shows de artistas internacionais, Burning Man, Victoria Secret Fashion Show, entre diversos outros. O valor total arrecadado com esse golpe por Billy foi cerca de U$ 100 mil.
Após esse esquema, Billy McFarland finalmente foi acusado por cinco crimes (entre eles estão fraude, lavagem de dinheiro e intimidação de testemunha), e sentenciado a 6 anos de prisão em 2018.
Entretanto, é interessante observar que os documentários da Netflix e Hulu parecem ter ganho uma popularidade maior do que previsto, fazendo com que iniciativas de apoio a população Bahamenha afetada pelo escândalo do Fyre Festival começassem a surgir, como a campanha realizada em um site de crowdfunding para auxílio de um dos restaurantes usados pela equipe de produção e mencionada nas produções de streaming: Exuma Point.
Para saber mais sobre esse completo fiasco no mundo dos eventos, ambos os documentários abordam diversos pontos de visto tanto dos organizadores da Fyre quanto do público que participou do mesmo, com cenas chocantes e relatos emocionantes mostrando como a falta de planejamento afetou a vida de diversas pessoas e de grandes eventos em si que sucederam ao festival.
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Luiz Carlos Cardoso, o festival de que estávamos falando ontem.
#truman