Atualmente, muito se fala nas mudanças rápidas e constantes nos modelos de negócios e empresas. Quem se acomoda e não acompanha as evoluções, tanto tecnológicas quanto na relação com os consumidores, sofrem grandes impactos negativos.
O caso mais marcante na minha vida é o das locadoras de filmes.
Eu cresci indo à (já falecida) Blockbuster duas vezes por semana para devolver e alugar novos filmes. Apesar de uma prática recorrente, era um momento mágico caminhar entre as prateleiras, escolher um filme e vê-lo ao chegar em casa. É muito difícil, pra quem já viveu essa experiência, não ficar saudoso ao lembrar disso.
A intenção desse artigo, porém, não é apenas comentar o apogeu e a queda da Blockbuster, mas fazer uma relação desse processo com os campeonatos estaduais de futebol masculino, aqui no Brasil.
A Blockbuster
A empresa de aluguel e vendas de VHS e DVDs físicos mais famosa do mundo, fundada por David Cook, nasceu no Texas, em 1985, e revolucionou a forma de consumir conteúdo audiovisual na época. A Blockbuster tinha o conceito de big store. Ou seja, grandes lojas, muitos produtos e preço baixo. Além disso, contava com ambiente e atendimento incríveis. Com isso, em apenas dois anos, a Blockbuster Video despertou o interesse do bilionário Wayne Huizenga, que, por 18 milhões de dólares, comprou as 19 lojas que já possuíam sucesso indiscutível nos Estados Unidos.
No início dos anos 90, a Blockbuster começou sua expansão internacional, no Reino Unido, adquirindo a rede de lojas Ritz Video por 135 milhões de dólares. Com o crescimento exponencial, a empresa chamou a atenção do conglomerado de mídia Viacom, que, em 1994, adquiriu a Blockbuster por 8.4 bilhões de dólares, quando a rede contava com mais de quatro mil lojas pelo mundo. Com isso, a locadora decolou e, em 2004, chegou a contar com mais de nove mil lojas, atuar em 26 países e ter 84 mil colaboradores em seu império.
Antes da Blockbuster, o modelo de negócio das locadores se pautava em pagar altos valores (por volta de 65 dólares) nos filmes para disponibiliza-los para aluguel, durante toda a vida útil da mídia. A estratégia adotada por David Cook foi bem diferente disso, uma vez que a Blockbuster ficava com 60% do valor das taxas e os studios com 40%. Além disso, o foco da rede eram os filmes mais recentes, oferecendo o aluguel de lançamentos e fazendo com que os consumidores tivessem uma opção mais acessível que comprar a mídia (o valor girava em torno de 70 a 100 dólares). Com isso, a Blockbuster enfatizou a facilidade no acesso aos lançamentos mais populares e fez contratos com grandes studios, como Paramount, DreamWorks, Universal Studios, Disney, 20th Century Fox, MGM, Sony, Image Entertainment e Warner Bros., para ter acesso aos novos títulos antes que seus concorrentes. Quando um filme não era mais considerado lançamento, a Blockbuster os vendia com preços relativamente baixos.
E o que deu errado?
Tudo começou em abril de 1998, quando a Netflix, primeira locadora online de DVDs, surgiu. Com o modelo e preços similares à Blockbuster, a startup enviava e retirava via correios o filme escolhido entre os mais de 900 títulos do catálogo. Em 1999, a Netflix adotou um novo modelo de negócio: plano de assinatura, cobrado mensalmente, que disponibilizava aluguel ilimitado. Nos anos 2000, a Netflix traçou uma nova estratégia e planejava lançar sua plataforma de download de vídeos, possibilitando que o usuário escolhesse o filme em um dia para assistir no outro. Em 2005, com os direitos dos filmes adquiridos e tudo pronto para revolucionar (mais uma vez) o mercado, o YouTube apresentou à Netflix (e para o mundo inteiro) o streaming, meio que baseia-se na constante recepção de conteúdo durante a reprodução, sem a necessidade de download prévio (em tradução livre, streaming significa corrente). Depois disso, os planos da Netflix mudaram e, em 2007, foi lançada a plataforma on demand, que, além de contar com o modelo de streaming, possuía o algoritmo para recomendações através das avaliações dos usuários, o Cinematch.
Com isso, a Netflix fez com que o mercado DVDs fosse inversamente proporcional ao seu crescimento. A Blockbuster, com isso, foi de nove mil lojas em 2004 à apenas uma em 2019. Isso depois de deixar passar, em 2000, a oportunidade de comprar a Netflix por apenas 50 milhões de dólares.
Os estaduais
Antes de tudo, vale uma breve contextualização do Campeonato Paulista, que, neste artigo, serve como representação para os campeonatos estaduais em todo o Brasil.
A primeira edição do Paulistão, foi em 1902, e Charles Muller foi o responsável pela organização e contou com a participação de apenas cinco equipes. Em 1933, o Campeonato Paulista entrou pra história como primeira competição profissional de futebol no Brasil. Desde então, o futebol se tornou cada vez mais popular no país e os estaduais decolaram em todo o território nacional.
Entre os anos 50 e 2000, o Campeonato Paulista era visto como uma das principais competições de futebol no Brasil, consagrando jogadores e proporcionando partidas inesquecíveis. Nos últimos anos, porém, o formato e o calendário desgastam os grandes times e dão poucas oportunidades aos de menor expressão. Com isso, não agradam dirigentes, jogadores e nem a comissão técnica. Entre os torcedores, mesmo assim, o Campeonato Paulista rende mais pontos de audiência ao Palmeiras, Santos, São Paulo e Corinthians do que os outros campeonatos.
Mas o que a Blockbuster tem a ver com os estaduais?
Tanto a Blockbuster como os estaduais tem um ótimo produto. Futebol e o mercado audiovisual movimentam bilhões por ano e, independente de como, muitas pessoas anseiam por consumi-los. Por outro lado, mais uma semelhança é o frágil modelo de negócios que prejudica a experiência do público, seja por pagar taxas excessivas para ver um filme, seja por assistir jogos de futebol com baixa qualidade. Os dois, portanto, tem um excelente produto mas um modelo de negócio falho.
Não é apenas os estaduais que precisam se atentar com essa questão. A Blockbuster serve como exemplo para o mundo de que um bom produto não garante sucesso. É preciso sempre entender o que as pessoas querem, precisam e quais são as suas dores. Sendo assim, ou as federações que organizam os campeonatos estaduais no Brasil mudam o modelo atual ou nos resta torcer para que tenhamos uma Netflix no futebol nacional.