CAPÍTULO 2: O Ato de Compartilhar
“Mas eu, sendo pobre, tenho apenas meus sonhos”, escreveu W. B. Yeats, em 1899. E termina, “Eu espalhei meus sonhos sob seus pés;/Pise suavemente porque você pisa em meus sonhos”. Esse trecho do poema é simplesmente encantador. Nada do que fazemos é criado para nós mesmos. Precisamos da opinião alheia. Por isso mesmo o estrondoso sucesso das mídias sociais, que já conquistaram “crianças” de todas as idades, inclusive as de cabelos brancos, que se divertem com uma tecnologia que é capaz de tornar o mundo muito mais acessível, e menos perigoso para uma geração que parecia quase ter perdido a fé na vida.
Ninguém escapa à sua mágica.
Compartilhamos tudo aquilo que nos chama a atenção. O ato de compartilhar é um jeito de afirmar e confirmar a nossa humanidade. Experimente estar em uma situação inusitada sem trocar olhares com as pessoas que testemunham a mesma cena.
Sim, é impossível!
O “ato de compartilhar” é a ferramenta mais poderosa da história humana. A força que pode mudar a economia e os rumos políticos de grandes potências. O “ato de compartilhar”, hoje, é a nova moeda corrente, um fluxo que comanda o destino de países e empresas, campanhas eleitorais e canais de comunicação tradicionais. A tecnologia não criou o “ato de compartilhar”, mas ela conseguiu torna-lo inevitável e sem preço.
Com o fim do dinheiro como o conhecemos, ficamos todos pobres. Estamos todos no mesmo nível. Nos sobraram apenas nossos sonhos, e a vontade de coloca-los sob os pés do mundo, à espera de que caminhem sobre eles com o devido carinho.
Trabalhamos durante milênios em troca de sementes, pedras, sal, moedas, etc. Agora, nosso valor está vinculado ao volume de compartilhamento que conseguimos gerar. Investimos tempo, um precioso tempo, para entregar ao universo virtual o que temos de melhor. Pagamos com like’s e recebemos em like’s. Mas, são os compartilhamentos que definem o real valor daquilo que somos e fazemos. Quanto mais forte a ideia, mais forte o seu potencial para se tornar público, ou seja, para ganhar o coração das pessoas.
Porém, é exatamente aí que mora o perigo.
Preferimos passar adiante ideias emprestadas. Não gostamos de correr riscos. É mais fácil e mais seguro compartilhar algo que temos a certeza que vai fazer sucesso, pois todos estão falando a respeito, e já foi validado por uma massa de gente que nem mesmo conhecemos bem. Quando li o artigo “Honestly? We don’t like creativity!” (Honestamente, não gostamos de criatividade), do Walter Vandervelde, me deparei com uma verdade indefensável: “a maioria das pessoas odeia dúvidas e insegurança”. Essa realidade nos aliena de sermos criativamente originais. A dúvida nos torna inseguros, e a insegurança gera dúvidas que mantém um círculo vicioso que acaba por matar nosso espírito criativo.
Eu não tenho dúvidas sobre isso.
Encarar situações novas, cheias de camadas desconhecidas, nos aterrorizam. Odiamos ficar inseguros. Odiamos a dúvida. Por isso, preferimos compartilhar ideias repetidas, com o “selo de aprovado” carimbado por alguém que supostamente respeitamos. Ser original é um risco que preferimos deixar para aqueles que, na maioria das vezes, serão chamados de “…loucos. Os desajustados. Os rebeldes. Os encrenqueiros. Os pinos redondos em buracos quadrados. Os que enxergam as coisas de um jeito diferente. Eles não gostam muito de regras. Eles não respeitam o status quo. Pode-se citá-los, discordar deles, exaltá-los ou difamá-los. A única coisa que não se pode fazer é ignorá-los. Porque eles mudam as coisas. Eles empurram a raça humana para a frente. E, enquanto alguns os julgam loucos, nós os julgamos gênios. Porque as pessoas que são loucas o suficiente para achar que podem mudar o mundo… são as que mudam”.
Sim, eu acabei de compartilhar uma ideia que não é minha. É verdade. Mas, não se esqueça de que uma ideia só é boa quando inspira compartilhamentos, e se reinventa no tempo e no espaço, se adaptando e servindo de muitas formas, e para muitos propósitos, nunca deixando se provar seu valor seminal e a sua capacidade de inspirar as pessoas de maneiras diferentes.
Quando Steve Jobs aprovou o texto citado acima, talvez ele mesmo não tivesse imaginado o quanto o conceito “pensar diferente” poderia mudar a história da Apple e a sua também. Jobs perdeu a empresa que ajudou a criar, por pensar diferente demais e apresentar um tipo de criatividade muito fora dos padrões. O resto dessa odisseia você já conhece muito bem. Enfim, pessoas e empresas que ousam ir além do que está no script são aquelas que encontram a sua originalidade; pagando um alto preço, é claro, mas para quem é pobre e tem apenas sonhos a serem compartilhados, vale qualquer sacrifício.
É muito difícil descrever esse momento no qual vivemos: a aurora do século 21. Muito foi dito e profetizado sobre esses dias, no passado. Carros voadores e robôs inteligentes interagindo conosco, tomando conta de nossas vidas. Não, nada disso ainda é uma realidade, mas se você prestar atenção, todas as mudanças que ainda não eram realidade até agora, já podem ser percebidas acontecendo, pouco a pouco, numa velocidade que não se pode medir, pois não conseguimos nos adaptar ao seu ritmo.
Celulares mudaram de tamanho e de propósito tantas vezes que é impossível criar uma linha do tempo confiável, que conte essa história com precisão.
A tecnologia digital criou o que chamo de confessionário e o chamou de mídias sociais. É impossível não comentar algo que nos chame a atenção. Não resistimos à sedução de contar uma boa história, e, não se engane, da mesma forma, ou ainda mais forte, não resistimos aos encantos de uma história bem contada. Eventos com fatos sobre pessoas são afrodisíacos cognitivos. Gostamos de saber o que acontece com outras pessoas. Claro, variando a intensidade de acordo com os dramas e dilemas envolvidos. Usamos as janelas digitais para ver e sermos vistos, para vender e comprar aquilo que consideramos bom. A grande aldeia global é um mercado sem fim, onde se pode comprar qualquer coisa, sem restrições. E, hoje, o dinheiro, que um dia foi o termômetro das relações humanas, cedeu seu lugar para o “ato de compartilhar”.
Uma ideia “compartilhável” de alcance nacional vale X. Uma outra ideia semelhante de alcance mundial vale Y. E as variáveis podem ser substituídas por qualquer coisa, como o dinheiro um dia já fez, sendo usado apenas como elemento que qualifica e efetiva as trocas, como documento de confiança mútua. O selo de confiança de uma informação será o novo lastro para as transações financeiras de um futuro próximo. Se a informação a ser compartilhada é confiável então ela vale ouro, ou diamantes, ou petróleo, ou o cargo político mais importante de qualquer nação. As reputações de produtos e pessoas dependerão de sua capacidade para gerar confiança e, assim, compartilhamentos.
Sim, ainda vivemos um terrível tempo infestado de fake news. Mas, é esse desafio que vai colocar o destino da humanidade em cheque, nos obrigando a corrigir toda uma cultura e proteger o bem mais valioso que a humanidade tem: sua curiosidade. Somos curiosos porque há uma inquietação interna que move todos nós. Sem exceção! Não importa quem você seja ou onde more, há uma curiosidade aí dentro que funciona de acordo com a sua carga cultural, baseada em tudo o que aprendeu e experimentou na vida, desde a infância, e, principalmente, durante aqueles primeiros anos. Somos curiosos por que somos viciados no “ato de compartilhar”. Tudo o que faz nossos olhos brilharem grita para ser mostrado a outras pessoas. É irresistível!
Algoritmos monitoram todos os botões que apertamos, lugares que visitamos, cliques e comentários, etc. Tentam de todas as formas equacionar nosso comportamento, e criar uma fórmula matemática que revele o nosso perfil, para antecipar nossas decisões. Romper essa fronteira daria um poder inimaginável ao dono desse código. O problema, pelo menos por enquanto, é que a mente humana, por mais domesticável que seja, assusta e surpreende qualquer inteligência artificial já criada.
Em um tempo sombrio e de poucas certezas, quando somos obrigados a ser criativos e pensar fora da caixa para ter alguma sorte na vida e um resquício de esperança, basta lembrar que as máquinas possuem “cabos” conectados às nossas mentes, buscando aprender como aprendemos e, com isso, “facilitar” nossa vida preenchendo as lacunas. Será mesmo que vamos querer abraçar o sacrifício da criatividade, que exige esforço contínuo regado a sangue, suor e lágrimas, improvisando e nos adaptando a situações novas, reescrevendo conceitos mentais, tendo uma babá que nos dá tudo na mão?
Compartilhar é preciso! Mas, para atravessar esse oceano de possibilidades precisaremos de um jeito original para lidar com um clima constantemente instável, que impõe regras novas a cada cinco minutos. O ser humano povoou a Terra e agora se prepara para chegar a outros, planetas porque não consegue resistir àquela força que o impulsiona sempre para frente, mesmo cometendo erros.
Essa é a força que cria o deslumbramento, e que move a arte em busca de novas formas de unir as pessoas. Porque as pessoas, no passado, no presente e, com certeza, no futuro, são o único e melhor motivo para se pintar quadros, escrever poemas, arar a terra e fazer colheitas, singrar mares, descobrir novos mundos, desvendar os segredos da mente, programar computadores e, por esses e infinitos outros motivos, inevitavelmente, apertar o botão “compartilhar”.