Em 1937, J.R.R. Tolkien sentou-se em uma cadeira para dar início ao desenvolvimento daquela que até hoje é uma das principais obras de literatura de fantasia e um marco na construção de mundos imersivos na ficção.
O mais complexo da história é que Tolkien, além de obviamente escrever toda a trama, também a desenhou. Durante a construção da narrativa, o autor desenhou uma série de mapas e esboços, o que o permitiu testar ideias e ilustrar cenas que precisava para, depois, descrevê-las em palavras. Para ele, a arte da escrita e a do desenho estavam totalmente interligadas e dependentes uma da outra.
Coisa linda.
A obra “A Arte do Senhor dos Anéis”, de Tolkien Wayne Hammond e Christina Scull, dois dos principais estudiosos de Tolkien do mundo, foi editada e está sendo lançada em comemoração ao 60º aniversário da trilogia. Ela contém mais de 180 esboços, diagramas, mapas, inscrições e testes de seus alfabetos inventados – mais da metade deste material é inédito e será disponibilizado ao público pela primeira vez. No volume de luxo do livro, as imagens são todas impressas em cores a partir de digitalizações e fotografias de alta qualidade. O conteúdo vem acompanhado de comentários especializados dos autores.
Entre os insights mais interessantes que temos ao avaliar esse material está a constatação de que Tolkien claramente vivia imerso nesse novo universo que criou. Há escritos e desenhos feitos em todo o tipo de lugar – rabiscos inseridos nas margens dos manuscritos eram bastante comuns. No livro, encontramos ainda o esboço de “Helm’s Deep and the Hornburg” desenhado em uma página semi-usada de um livro de exames de Oxford. Desenhado em perspectiva, o quadro capta bem a descrição final de Tolkien do castelo de “The Two Towers”. Fica evidente que, no processo do autor, seus desenhos e textos informaram e influenciaram um ao outro.
Outra característica de Tolkien que a obra revela é sua mania de revisão. Em “Earliest map of the Shire”, linhas feitas inicialmente a lápis foram cobertas com tinta azul e vermelha. Há rasuras que trocam, por exemplo, “Puddifoot” por “Maggot”, e “elfos” são adicionados com um círculo. Os mapas detalhados impressos em sua forma final do livro ajudam os leitores a se orientarem – e com certeza os rascunhos também auxiliaram Tolkien a não se perder em meio a sua própria narrativa.
A principal conclusão de “A Arte do Senhor dos Anéis” é que não são só os cineastas que precisam traduzir palavras em imagens. É legal pensar que, durante seu processo de criação, Tolkien de fato imaginava esse mundo fictício nos mais minuciosos detalhes, com a linguagem e a descrição das cenas surgindo ao mesmo tempo em que as imagens iam se formando em sua mente. Ou seja: escrever não é só sentar na frente do notebook e sair digitando. Tolkien prova que, às vezes, lápis, pincel e bloco de desenho podem ser tão importantes nessa missão do que o teclado.