Ele perguntou com um ar de expectativa: qual é o meu propósito? Era um pequeno robô, medindo no máximo 15 centímetros de altura. Sim, ele tinha acabado de ser ligado e já queria saber a razão de estar ali, sobre a mesa, no meio de tantos rostos estranhos. Rick entrega a resposta seca e sem pudor: me passa a manteiga!
A Loja do Diabo
Este é o episódio 9 da temporada 1 de Rick and Morty, série criada por Justin Roiland e Dan Harmon, hoje, disponível na Netflix. Talvez uma das melhores criações do universo de desenhos animados de todos os tempos; pelo menos na minha opinião. A aventura não tem seu foco sobre o pequeno ser eletrônico em crise existencial. Duas tramas paralelas se passam em situações bem diferentes. Jerry e Morty são levados a Plutão, para que Jerry confirme ao povo de lá que aquele corpo celeste anão ainda é um planeta, o que o leva a ser indicado ao equivalente Nobel plutoniano. Summer, a irmã de Morty, por outro lado, trabalha numa loja onde os clientes não “pagam” pelos produtos que oferece, pelo menos não com dinheiro. Todos os itens estão amaldiçoados, já que a loja é dirigida pelo Diabo em pessoa. Rick, como um bom cético que é, resolve desmascarar o novo patrão de sua neta. Imagine o caos.
Bom, já temos um resumo do episódio. Agora, vamos voltar ao pequeno entregador de manteiga que mencionamos no início.
Em um mundo estranhamente sem sentido, as pessoas passam o dia fazendo essa mesma pergunta, silenciosamente, em suas barulhentas mentes: qual é o meu propósito?
Há uma crise existencial, tão grandiosa quanto qualquer epidemia. A maioria das pessoas segue a vida sem ter a menor noção de seu valor humano, e daquilo que realmente as move para frente, na direção de seus sonhos, a despeito dos desafios.
O mundo, há pouco tempo, parecia tão seguro e previsível. Bastava estudar na escola certa e tirar as notas adequadas que o sonho se convertia em realidade, e era só tomar a carruagem e seguir rumo ao horizonte, enquanto o sol emoldurava um take cinematográfico. Nada disso é mais verdade. Ninguém está seguro. Absolutamente. Ricos e pobres precisam lavar as mãos regularmente. Ambos são forçados a fugir à regra para se descobrir nesse lugar que ainda insistimos chamar de “mundo”. Os livros não dão mais conta de nos preparar para esse universo novo, no qual todos os cenários mudam repentinamente, sem aviso prévio.
Estamos todos olhando, mas ninguém presta atenção?
Estamos conectados, mas não entendemos a mensagem. Temos acesso ao turbilhão de informações que salta de nossos dispositivos, porém a sensação é de sufocamento. Preferimos clicar nas janelas de escape, em busca de algum alívio: mais uma dose, por favor. Perdemos o gosto pelo ato de pensar, de questionar. Parece que nos tornamos um grande rebanho de gente que, a cada sinal ou som característico, corremos para uma direção nova, em busca de um lugar seguro. Entramos em pânico na mesma velocidade que voltamos à calmaria, quando “alguém” diz que está tudo bem. Como se nada tivesse acontecido, simplesmente, entramos na fila de novo, seguindo na direção que a placa indica.
Quando uma máquina acaba de “nascer”, e já exige de seu criador uma resposta sobre a sua responsabilidade no mundo onde está consciente de sua existência, parece ser uma boa oportunidade para nós, humanos, questionar o “por quê” de tanta pressa para entender a sua real função. Afinal, a maioria de nós prefere não fazer perguntas. Adoramos o trecho que diz “deitado eternamente”. Nascemos livres e nos tornamos gado, a medida que aceitamos que existe um “destino”, como se tudo estivesse pronto e escrito para ser exatamente daquela forma. Então, por que lutar contra um fato tão desanimador?
O robozinho não quis ser amigo de Rick, quando, no final do episódio, sozinho e sem nada o que fazer, tentou puxar assunto com a sua pequena criação. E ele responde, “não sou programado para amizades”, virando de costas com os bracinhos cruzados, num claro ato de rebeldia. Acho que estamos fazendo exatamente isso. Viramos as costas para a realidade, perdendo a fé nas reais conexões que podemos fazer com as pessoas. Queremos tirar vantagem de tudo e de todos, apenas apertando botões, ganhando muito com o mínimo de esforço, sem ter que olhar no rosto de ninguém, mantendo todos em um clima real de isolamento.
Isso deveria ser suficiente para evitar uma epidemia de um vírus biológico, mas nem para isso está servindo. A doença avança, nos fazendo de reféns dentro de nossas próprias casas.
Qual o propósito disso tudo?
Não sei, mas tenho esperança de que presos em casa consigamos entender que a humanidade só conseguiu vencer seus maiores e terríveis desafios quando se uniu e trabalhou por um propósito comum, dando sentido à sobrevivência da espécie. Sozinhos e isolados morremos. Juntos somos um poder praticamente indestrutível. Estaremos juntos nisso?