Conversei ontem com um amigo meu e ele me disse: “Hoje, faz exatamente um mês que minha mulher e eu estamos isolados aqui em nosso apartamento ”.
Eu perguntei o que eles têm feito nessa fase de confinamento dentro de casa. Pergunta besta, porque não era muito difícil eu adivinhar. Muitas respostas vocês já podem imaginar: de Netflix a receitas da Panelinha da Rita Lobo, de exercícios diante de uma tela de celular à limpeza da estante, de leituras que estavam empacadas há muito tempo à separação de peças para doação, uma troca de lâmpada queimada aqui, um criado mudo com a perna bamba ali, o passar das horas com Havaianas e moletons etc. E todas as outras coisas que acontecem em espaços recônditos, principalmente quando os filhos já moram em outros lugares.
Tudo isso, eu também tenho vivido, sem qualquer sofreguidão. Privilegiado que sou socialmente. Um latido distante, uma entrega de supermercado, um sinal de um grupo de whatsapp. Uma vidinha que até lembraria “Uma cidadezinha qualquer” do Drummund. Embora, trabalhando bastante com toda a equipe, remotamente.
Mas o que Ângelo, o tal amigo meu, disse além desses prosaicos e previsíveis comentários foi uma pérola.
“Jaime, estamos adorando esta fase centrípeta da vida. Teria como reclamar de muita coisa que não posso fazer hoje, que eu perdi. Não ir ao cinema, não frequentar o clube, não comer fora, não dar um giro no shopping, não pôr os pés no escritório. Tudo o que posso fazer quando fico girando lá fora. Isso tudo está adiado. No começo, achei que estava vivendo só de perdas. Mas em pouco tempo, descobri a chance que estou tendo de olhar mais pra dentro. Algo que não tem preço. Minha vida sempre foi muito centrífuga. Uma verdadeira secadora de roupas. Acho que, como aprendemos em física, ainda bem que descobri essa coisa compensatória, centrípeta ”.
Eu, que já estou também nesta vida semi-tribal, doméstica, no ambiente da minha aldeia, percebi que o Ângelo tinha formulado muito melhor o que eu vinha sentindo.
Estes momentos de isolamento, de distanciamento social, são um enorme, imperdível e irrecusável convite para olharmos para dentro de nós mesmos. Para pensarmos na própria história e dos que estão próximos. Minha família, meus irmãos e primos, têm aproveitado para fazer uma “operação arqueológica” nos tempos passados de nossas vidas. Lembranças incríveis têm reaparecido. É como se levantássemos um alçapão para visitar os próprios porões.
Vejo dois tipos de pessoa. As que sofrem com o isolamento e resistem em caminhar por essas trilhas internas, esperando que os vetores centrífugos os levem pra fora novamente. E outras, que têm se apropriado desses momentos como um grande presente e recriam novos caminhos a partir dessas incursões solitárias e centrípetas. Eu e o Ângelo somos assim. Mas, tenho certeza de que esse “vírus centrípeto” infectou legiões de pessoas.
Quando tudo isso passar, quando a vida centrífuga me arrastar, onde quer que eu esteja, não pretendo mais ser devorado por ela. Quero momentos de contrição. Por irônico que seja, é provável que eu tenha saudades da força centrípeta que nos atravessou.
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Pois eu confesso que já sofro de pensar que vamos ter que em algum momento voltar para a vida normal… a vida centrípeta aqui está sendo deliciosa!
Eu também não tenho sofrimento algum nessa vida centrípeta. Tirando o contexto em que se instalou, tem funcionado bem.
Aqui em casa eu sinto essa força quando todo mundo vem pra cima de mim pra perguntar o que tem pro almoço. Socorro ???
Muito interessante Jaime. Tenho reparado entre alguns amigos uma certa dificuldade de convivência no ambiente doméstico, mas não por falta de sintonia familiar, mas pura falta de experiência nessa dinâmica. O mundo corporativo nos treinou para a ausência e tem muita gente experimentando essa nova rotina caseira. Obrigada pela reflexão.
Adorei!