Há pouco mais de 400 km de Buenos Aires há uma pequena cidade que talvez fosse totalmente desconhecida dos brasileiros se não fosse por seu filho mais ilustre: Juan Manuel Fangio. Antes de termos por aqui Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet e Ayrton Senna como campeões da Fórmula 1, os argentinos já celebravam de longa data um fenômeno da maior e mais importante competição automobilística do mundo, dominando o cenário prioritariamente europeu com 5 títulos em 8 temporadas disputadas – recorde que durou 47 anos, até o alemão Michael Schummacher superá-lo, em 2003.
Fangio nasceu na pequena cidade de Balcarce, em 24 de junho de 1911, e largou os estudos por volta dos 11 anos ao se apaixonar pela mecânica dos primeiros carros que começavam a se tornar populares nos anos 1920. Cresceu em oficinas até naturalmente começar a guiar em 1938 na chamada Turismo Carretera, categoria super tradicional na Argentina semelhante à nossa Stock Car ou a Nascar americana. Em 1950, primeiro ano da F1, Fangio já mostrou seu talento ficando com o vice-campeonato, para levar o troféu em 1951. Depois, foi campeão por 4 anos consecutivos entre 1954 e 57, por quatro equipes diferentes – Alfa Romeo, Maserati, Mercedes e Ferrari –, feito que nunca foi sequer aproximado (ninguém até hoje venceu por mais de duas escuderias distintas).
Não à toa que Balcarce, com seu pouco mais de 40 mil habitantes, respira Fangio. Em vez de levar a homenagem à capital Buenos Aires, foi por lá que em 1979 o antigo prédio da prefeitura da cidade foi adaptado para se tornar o Museu Fangio, acolhendo pedaços fundamentais da história do então ainda indiscutivelmente maior piloto da Fórmula 1. E com o tempo, o acervo foi crescendo, indo muito além do próprio argentino. E tornando-se destino obrigatório para apaixonados pelo esporte a motor – como eu.
A trabalho em Buenos Aires no fim do ano passado, para acompanhar o El Ojo de Iberoamérica – principal festival de criatividade da América Latina –, decidi junto com o queridíssimo amigo Paulinho Corcione (da Lucha Libre Audio, Ferrarista e parceiro de sempre do Update or Die), ainda mais fã de automobilismo que eu, alugar um carro e encarar 4h30 de estrada rumo a Balcarce. E se você tiver uma oportunidade semelhante, aproveite. Pois vale muito a pena.
O Museu Fangio é impecável. O prédio, clássico por fora, foi aberto por dentro do solo até o fim do oitavo pavimento, impactando o visitante desde o primeiro contato. Em vez de elevadores ou escadas tradicionais, a visita foi montada como uma espécie de circuito, em rampas que obviamente lembram uma pista. Em cada um dos andares/divisões, temas específicos e diversos itens especiais, como luvas, capacetes de época, detalhes de volantes, pneus, flâmulas e o mais importante para os fãs: carros. Uma centena de carros.
Fangio era adorado por grande parte dos pilotos que vieram depois dele, bem como pelos executivos de diversas equipes e montadoras. E isso se reforça na exposição. Já nos primeiros pavimentos, você pode ver desde uma carruagem com motor da Mercedes, datada de 1886 – presente da empresa para ele –, à Penske (Fórmula Indy) de 1994 e a McLaren (F1) de Mikka Hakkinen, de 1995. Logo acima, alguns carros antigos da Turismo Carretera, motores e a reprodução muito bem feita de mecânicas da época – inclusive com o Ford V8 de 1936, primeiro carro pilotado pelo argentino em uma competição.
A cada piso, é possível ir acompanhando a evolução dos carros de corrida dos anos 1940, 1950 – quando a Fórmula 1 começou – e aí por diante. Em um deles, carros e elementos especiais de grandes pilotos que o tiveram como mestre, como a Renault de 1983 do francês Alain Prost, o capacete clássico e o macacão de Ayrton Senna, além da McLaren MP4/3B – modelo teste que foi um fracasso, mas base para o MP4/4, considerado um dos melhores carros já feitos para a categoria e que levou o brasileiro ao seu primeiro título, em 1988.
Ainda na subida, alguns dos Alfa Romeo, Maserati e Ferrari guiados por Fangio com destaque para a Ferrari 166F, de 1949, um dos raríssimos modelos da scuderia que participaram de uma competição (Fórmula 2) sem seu clássico vermelho, ostentando tons azuis e amarelos; e o D50, com o número 20 pintado, usado por ele em seu título de 1956.
No último andar, a obra prima que, pelo menos para mim, valeria a visita mesmo que fosse o único carro em exposição. Apesar de ter a Ferrari como preferência, a Mercedes-Benz W196 R é algo que vai além não só como um automóvel de corrida, mas como peça de arte. Com ele, Fangio conquistou os mundiais de 1954 e 1955, provando a capacidade técnica do bólido. E como cereja do bolo está seu design, assinado por Rudolf Uhlenhaut. Apesar de a versão original ter as rodas descobertas, essa em exposição, também conhecida como “Type Monza”, foi elaborada para dar maior aerodinâmica, especialmente para as pistas mais rápidas. Absurdamente lindo!
Fangio faleceu em 1995, aos 84 anos, de insuficiência renal. Nas pistas, desenhou tudo para ter uma história digna de filme: disputou 52 GPs na Fórmula 1 e venceu 24, melhor aproveitamento até hoje. Teve sua primeira vitória no 1º GP de Mônaco, circuito mais emblemático do campeonato. Se aposentou em 1958 depois de chegar em quarto lugar e discordar da decisão técnica da Maserati, que trocou os amortecedores do carro por uma marca inferior, mas que pagava para estar lá. Foi não só ídolo de Senna, mas também fã – e acabou acompanhando a morte do brasileiro 1 ano antes da sua.