Na semana passada, a Sallve, marca de cosméticos que tem como uma das sócias a blogueira raiz Julia Petit, anunciou o recebimento de uma rodada de investimentos de R$110 milhões, que serão aplicados em desenvolvimento de produtos e em estratégias de marketing. Segundo especulações, a marca, que nasceu nas redes sociais em 2019, teria um valuation pré-investimento de R$550 milhões.
Os valores demonstram o grande potencial de sucesso das marcas digitalmente nativas, que vêm sendo consideradas o futuro do e-commerce e uma tendência de consumo, principalmente para consumidores das gerações mais novas.
As DNVBs (Digitally-Native Vertical Brands) foram conceituados dessa forma pela primeira vez em 2016, por Andy Dunn, fundador da marca de moda masculina Bonobos. Seus principais diferenciais em relação aos e-commerces tradicionais são a forte construção de marca e de relacionamento com o público, usando principalmente as redes sociais.
Apesar de serem definidas como tal somente cinco anos atrás, umas das primeiras DNVBs de sucesso surgiu em 2006, quando Sophia Amoruso criou uma loja no eBay chamada Nasty Gal. A empreendedora conseguiu transformar roupas de brechó em peças-desejo e usou as mídias sociais para criar uma base de clientes fiéis, com 250 mil pessoas visitando o e-commerce da loja uma vez por dia por pelo menos sete minutos. Com crescimento totalmente orgânico e baseado em um lifestyle específico e no relacionamento com o público nas redes sociais, a marca atingiu um faturamento de US$24mi em 2011 e recebeu investimento de US$49mi em 2012.
O que as DNVBs aprenderam com influencers
Não à toa, diversas DNVBs têm à frente blogueiras e influenciadoras, que conseguiram construir carreiras sólidas com base em credibilidade, conteúdo e interação com seu público.
Além da Sallve, temos como exemplo a GE Beauty, com uma linha de cuidados capilares lançada no ano passado por Camila Coutinho, a Aura Nuda, marca de moda feminina atemporal da ex-youtuber de confeitaria e empresária Dani Noce, e a polêmica NV, da blogueira Nati Vozza, adquirida pelo grupo de marcas de moda Soma (dono da Farm e da Animale) no final de 2020 por R$210 milhões, e teve uma receita de R$ 157 milhões no ano, com crescimento de 64%.
Todas essas marcas têm algumas características em comum, que fazem parte da forma como influencers de sucesso se posicionam:
1. Relacionamento
Mais do que “customer-centric”, elas são “community-centric.” Toda a estrutura da marca é construída com base em trocas feitas com sua comunidade. Do desenvolvimento de produtos ao marketing, as pessoas que se relacionam com a marca têm um peso muito grande nas estratégias de negócios. Essa relação, que costuma ser muito transparente, fortalece ainda mais a comunidade, trazendo vantagens como retenção de clientes e recompra recorrente.
2. Transparência e Vulnerabilidade
Assumir erros e fraquezas e consultar o público para tomada de decisões é uma postura que humaniza as marcas e aumenta a confiança do público, que sente que não está sendo enganado. No caso da Sallve, por exemplo, quando um recall de produtos precisou ser feito alguns meses após o lançamento, assumir o erro e perguntar aos clientes como gostariam de ser compensados, foi a melhor estratégia para superar um momento de crise e sair ainda mais fortalecida da situação.
3. Boca a Boca
Boa parte dos seguidores de influencer chegam organicamente, por meio de recomendações e compartilhamentos de conteúdo.
Mesmo com investimento em mídia, as DNVBs apostam nas recomendações, oferecendo experiências de consumo que superam as expectativas de seus clientes.
Isso é feito durante toda a jornada do consumidor, do momento em que têm contato com a marca, por meio de conteúdo útil e relevante nas redes sociais, até o recebimento do produto e o pós-venda, com embalagens instagramáveis, bilhetes escritos à mão e reconhecimento de clientes fiéis.
Dessa forma, as chances de que um comprador se torne embaixador espontâneo da marca aumenta. Lembrando que, obviamente, um produto de altíssima qualidade aqui também é essencial.
4. Valores e Posicionamento
Assim como influencers com seguidores muito engajados, as DNVBs são baseadas em valores bem definidos e em histórias autênticas muito bem contadas. Geralmente, são muito ligadas à lifestyles específicos e construídas e comunicadas com a intenção de gerar impacto positivo no mundo ou atender a um forte desejo de seus consumidores. Isso é transmitido por meio de estratégias de conteúdo bem elaboradas e atrai um público que se identifica e se engaja fortemente.
O que as DNVBs aprenderam com as startups
As marcas nativas digitais conseguem aliar lindamente o lado humano a processos de negócio e tecnologia, aplicando metodologias como a lean startup.
1 – MVP: mínimo produto viável
Muitas dessas empresas começaram com linhas enxutas ou, até mesmo, com um único produto. A Sallve, por exemplo, se lançou no mercado apenas com um cosmético e, dois anos depois, a linha tem apenas 12 itens.
Isso diminui o risco de prejuízo, aumentando as chances de retorno mais rápido do investimento inicial, facilita e barateia processos de gestão, de produção e de logística e permite testar a receptividade do produto no mercado. Com base na experiência, decisões de negócio mais inteligentes podem ser tomadas.
A primeira linha da Aura Nuda, por exemplo, trouxe poucas peças e uma grade de tamanhos restrita. Isso, além de tudo, gerou a sensação de escassez, aumentando o desejo de compra. O resultado foi o retorno do investimento eito pelas sócias já no primeiro lançamento. Além disso, as peças seguintes puderam ser desenvolvidas com base na demanda inicial de forma muito mais assertiva e tiveram a grade de tamanhos aumentada.
2 – Dados
As DNVBs utilizam muito bem os dados para obter insights sobre os clientes – quem eles são, quando voltam e seus hábitos de compra. Uma das vantagens que têm em relação aos varejistas tradicionais é que as vendas são todas feitas no modelo D2C (direct to customer) em um canal próprio e centralizado: sua própria loja online. Assim, podem usar informações de forma mais assertiva para otimizar marketing, mensagem de marca e funil de vendas, aumentando o ticket médio dos pedidos e estimulando a recompra.
3 – Custos iniciais reduzidos
Apesar de um negócio digital ter, sim, seus custos, ao contrário do que muita gente ainda acredita, eles acabam sendo menores do que quando se tem uma estrutura física. Apesar de muitas DNVBs acabarem abrindo lojas físicas posteriormente, como uma estratégia de melhorar a experiência dos clientes, não ter esse custo fixo inicialmente permite que o ponto físico seja um investimento do retorno obtido com as vendas online. O foco central é a construção da marca e não o canal de vendas.
O que podemos aprender com as DNVBs
O principal fator que torna as DNVBs os negócios do futuro, que têm enchido os olhos dos investidores e os bolsos dos fundadores, é que sua estratégia de venda é baseada em valor e não em preço e a lucratividade vem de margens mais altas em vez de escala. Isso os diferencia dos e-commerces e marcas tradicionais, que cada vez mais baseiam suas vendas em descontos e promoções para se destacarem da concorrência (como falei nesse artigo aqui).
O excelente trabalho de construção de marca e de fidelização do público e a eliminação de intermediários tornam as margens maiores, o custo de aquisição de clientes menor, facilita a fidelização, aumenta a recompra e estimula a recomendação.
Quando isso é aliado a uma boa equipe muito bem alinhada, está feita a fórmula do sucesso e do futuro do consumo online!