O que vem depois do Golden Circle?

Dez anos se passaram desde a apresentação do Golden Circle e a forma como as marcas pensam propósito precisa evoluir.
Simon Sinek Simon Sinek

Se você trabalha com marcas é muito provável que já tenha assistido a um dos TED Talks mais populares de todos os tempos: aquele em que Simon Sinek gloriosamente apresenta o Golden Circle dizendo: ” objetivo não é fazer negócios com quem precisa do que você vende. O segredo é fazer negócios com quem acredita no que você acredita”. Simon tem um poder incrível de apresentar conceitos difíceis de uma forma fácil e inspiradora. Esta simples apresentação teve um papel monstruoso na disseminação da ideia de que a comunicação centrada no produto precisava ser mais inspiradora. Hoje falar de propósito é praticamente um senso comum em organizações de todos os tipos e o Golden Circle se tornou um dos frameworks mais utilizados em palestras, aulas, workshops e onde mais for possível.

Acredite ou não, mais de dez anos se passaram desde que este vídeo começou a rodar o mundo lá por 2009 (sim, o tempo voa!). Se você for assisti-lo hoje, é possível que ache graça na qualidade ruim do vídeo, ou nos exemplos de Simon citando produtos que na época eram super inovadores e hoje já nem existem mais. Tantas coisas mudaram nesta última década que me parece curioso que a interpretação geral do mercado sobre o Golden Circle ainda continue a mesma. 

Ao longo dos anos atuando como consultora e ajudando empresas de diferentes portes e segmentos a pensarem sobre propósito percebi que existem muitos entendimentos incorretos ou então conceitos que precisam ser atualizados aos novos tempos. Esta observação ganhou corpo quando eu e minha equipe da Cordão lideramos uma pesquisa sobre o novo papel do propósito no mundo pós pandêmico coletando a opinião de 10 dos maiores especialistas em estratégia do mundo. Os aprendizados dessa trajetória foram narrados em um relatório de pesquisa em maio de 2020 – mas o tempo passa tão rápido que já senti a necessidade de atualizá-los novamente com novas informações, o que farei ao longo deste texto.

Mito #1: Consumo consciente é para poucos

Já faz alguns anos que as pesquisas apontam que mais e mais consumidores consideram critérios éticos na hora de escolher as empresas que fornecem seus produtos e serviços. Mas, o mito de que isso é um comportamento de nicho ainda é muito forte.Isso acontece porque quando falamos de consumo consciente as pautas são muitas. Ao ponto que se torna quase impossível consumir de forma consciente dedicando tempo de pesquisa sobre a postura ética das marcas de todas as categorias que consumimos. Sendo assim, o consumidor opta por dedicar sua atenção para causas, pautas e categorias que são mais relevantes para ele. Ou seja: formam-se nichos de interesse, mas o comportamento consciente continua sendo de massa.

O interesse nestas pautas vai se deslocando ao longo do tempo. Em um determinado momento um assunto ganha mais atenção do que outro e então as pessoas começam a prestar mais atenção nela até o próximo escândalo. À medida que pautas como a inclusão e diversidade começam a apresentar avanços (mesmo que pequenos) e, ainda, que o aquecimento global começa a ser percebido no dia a dia das pessoas, a pauta da sustentabilidade está ganhando força. Uma pesquisa da Dazed Media deste ano mostrou que o critério número um para escolha de compra pela Geração Z já é “ser sustentável e ter uma forte ética”.

A ideia de salvação virá da iniciativa privada é real: 68% das pessoas esperam que as empresas resolvam os problemas de sustentabilidade do planeta. Este desejo de salvação, é claro, se converte em intenção de compra. Porém, nem todos conseguem ter acesso às marcas com as quais se identificam. A mesma pesquisa citada acima aponta que 51% das pessoas desejam comprar de forma mais sustentável, mas 66% são desencorajados por preços altos. Alguns lêem este dado como algo que reforça a narrativa de que o consumo consciente é para poucos. Já eu, entendo que em condições iguais de preço e acesso, marcas éticas levam vantagem.

Mito #2: Propósito é inspiração

Falar é sempre muito mais fácil do que fazer. É por isso que vimos tantos manifestos de propósito nos últimos anos e tão poucas atitudes práticas que causem real impacto no mundo. Fala-se tanto e faz-se tão pouco que atualmente apenas ⅕ dos consumidores acredita nas promessas feitas pelas marcas.

Por isso, informar as pessoas sobre o seu porquê já não é o suficiente para ser uma empresa inspiradora – ou até mesmo confiável.  O propósito deixa de ser algo somente “motivacional”, para assumir o formato de um guia de ações efetivas e palpáveis. 

Este conceito é difícil de entender para a maioria das pessoas, que passa a acreditar que o propósito são ações sociais – e no próximo ponto veremos que não é apenas isto. Um exemplo para entender a diferença é a fala que Alan Jope, CEO da Unilever, fez no Cannes Live deste ano: “as marcas precisam ter ações significativas e de longo prazo, com resultados mensuráveis. Tudo que a marca faz precisa ser guiada por propósito”. Ele traz o exemplo da Dove que além se falar sobre beleza real tem uma série de ações significativas que apoiam esta ideia, como o programa educacional de auto-estima que ajuda 35 milhões de mulheres e meninas ao redor do mundo a compreender melhor sua relação com a beleza. Ou então, a criação de um banco de imagens gratuito para que mais empresas possam utilizar padrões estéticos mais realistas em suas campanhas publicitárias.

Ou seja: não basta a empresa falar que possui esta visão de mundo, ela precisa agir para fazer com que esta intenção se tornar realidade.

Mito #3: Propósito é fazer ação social

Embora o consumo ético esteja se tornando um pré-requisito de consumo, ser ético não quer dizer ter um propósito. A postura ética tende a se tornar uma qualidade inerente ao negócio, como a “qualidade” e o “bom atendimento” que deixaram de ser diferenciais para se tornar simplesmente o mínimo que esperamos de uma empresa.

Mas, ter um propósito não quer dizer fazer coisas pelo social, como doar dinheiro, ajudar aos vulneráveis ou reflorestar. É claro que todas estas coisas são importantes, mas o propósito é muito maior do que isto. Na Cordão utilizamos a seguinte definição: “o propósito é o papel que a marca deseja exercer na construção de valor para o negócio, pessoas e sociedade”. Ou seja: a sociedade é apenas uma das partes dessa equação que precisa estar em sintonia com o negócio desta empresa, sua cultura interna e seus consumidores. 

Eu gosto de dizer que o propósito deve fazer voar, mas também precisa ajudar a empresa a aterrissar, guiando seus negócios e organizando, inclusive, o seu crescimento. Uma empresa que faz isto muito bem é a Magalu que, segundo apresentação de executivos da empresa, tem como propósito: “incluir o brasileiro na revolução digital”. Lá em 2010, quando a empresa ainda era apenas um varejo tradicional, isso queria dizer ajudar o brasileiro a comprar e usar corretamente seus aparelhos eletrônicos. Hoje, a empresa vai se consolidando como uma companhia extremamente tecnológica com ofertas inovadoras em telefonia, finanças e até conteúdo. E, tudo isso reforça a mesma ideia de inclusão digital.

Esta mesma ideia também pauta inúmeras iniciativas da empresa, como a liberdade criativa e de relacionamento local de suas lojas físicas no projeto MagaLocal, o marketplace facilitado que ajudou muitos pequenos negócios a vender online no início da pandemia. 

Muitos argumentam que estas iniciativas da Magalu visam unicamente o lucro e não o propósito. Mas, esse é justamente o ponto principal deste raciocínio: propósito e lucro devem andar juntos, um impulsionando e outro – e nunca às custas um do outro. E isso deu muito certo para a Magalu, que viu seus lucros crescerem e a imagem da empresa se consolidar como uma das marcas mais queridas no país.

Afinal, Simon continua certo.

Apesar de muitos estarmos cansados de ouvir falar sobre propósito, ele continua mais forte do que nunca – e entregando mais resultados do que nunca. Simon continua atual, verdadeiro e absolutamente certo. Mas, precisamos adicionar à sua fala inicial – e principalmente ao uso que fazemos dela – as novas camadas de complexidade que o mundo foi ganhando neste meio tempo.

Fazendo o resumo do resumo, podemos dizer que o consumidor está mais consciente do que nunca e espera uma postura ética como prática básica das empresas das quais consome. Mas, também temos um consumidor mais atento a promessas vazias que prefere ver para crer. Além disso, as pessoas também sabem bem que as empresas visam lucro e não acreditam que isso seja um problema – desde que este lucro seja também investido em ações, produtos, serviços e causas nas quais eles acreditam e que deixem a sua vida e a sociedade onde vivemos um pouco melhor.

1 comments
  1. Caramba, 10 anos?! :)
    A proposta vingou de fato, mas ainda temos um bom caminhar na direção da autenticidade dos propósitos.
    O excesso de engajamento baseado em popularidade e de apropriação de causas, sem uma verdadeira conexão com a essência da marca é, no momento, a maior ameaça para uma nova maneira de pensar o mkt. Existe o risco da banalização de um movimento muito bacana. Mas… pelo menos estamos nos movendo… já é alguma coisa né? ;)
    Mais um ótimo post Daniele. Valeu!

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