Coffee Break #6: atemporal, Mad Men fez reflexões sobre a publicidade atual

Os anos 60 representaram uma época de imensa transformação sociocultural e política. Na publicidade não foi diferente,
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Coffee Break #6: atemporal, Mad Men fez reflexões sobre a publicidade atual

Substantivo feminino, o termo Publicidade, tem como significado, segundo o Dicionário Michaelis: 

“divulgação de fatos ou informações, matéria encomendada ou não, a respeito de pessoas, ideias, serviços, produtos ou instituições, utilizando-se os veículos normais de comunicação”.

No entanto, a sua missão principal é um pouco mais complexa: gerar desejo por algo. Permanentemente difundida em diferentes áreas da sociedade, a publicidade é encontrada de forma massiva em revistas, jornais, televisão, rádio, ruas, internet, entre outros. Seu poder de influenciar é mais do que conhecido, além de servir como base para a vida financeira de veículos da grande imprensa.

Sua origem é bem remota, com alguns pesquisadores relatando que a prática da publicidade vem desde a pré-história. De acordo com o pesquisador Eugênio Malanga, na obra Publicidade: uma introdução, ao colocar peles de animais nas entradas das cavernas, os nossos ancestrais estavam avisando aos que passavam por ali, que eles dispunham daquele tipo de material e estavam dispostos a trocá-los por outros objetos.

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O impulso maior para a Publicidade veio com o advento da prensa de tipos móveis, inventada por Gutenberg, por volta de 1450. “Com ela, as instituições sociais, políticas e comerciais logo perceberam nessas publicações um poderoso canal para divulgarem suas ideias e produtos”, salientou o estudioso Gilmar Santos autor de Princípios da publicidade.

Com esse invento, contextualizado por fatores como o Renascimento e as ideias Iluministas, mais pessoas foram aprendendo a escrever, o que fez aquecer a demanda por produtos culturais como livros, almanaques e jornais.

Em meados do século XIX, os jornais e revistas tornaram-se importantes meios de influência, conquistando credibilidade. Então começaram as primeiras questões éticas entre anunciantes e a independência editorial. Uma solução surgiu por volta dos anos 1870, quando agências foram ganhando espaço e passaram a atuar vendendo espaços publicitários em publicações.

Uma série: Mad Men (Matthew Weiner)

Em um contexto histórico, os anos 60 representaram uma época de imensa transformação sociocultural e política. Na publicidade não foi diferente, novas mídias ganharam força, assim como grupos da sociedade lutavam por seus direitos.

O seriado Mad Men, criado por Matthew Weiner, estreou em 19 de julho de 2007 e se manteve no ar até 17 de maio de 2015. A série apresentou, de forma ficcional, o cotidiano de uma agência de publicidade nova iorquina nos anos 1960.

A premiada produção televisiva utilizou uma narrativa, muitas vezes contemplativa e reflexiva, para retratar o turbulento período. Nesse contexto, o mundo passava pela Guerra Fria, a ascensão e morte de ícones políticos e do entretenimento, atentados e até mesmo a chegada do homem à Lua.

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Mad Men: Comunicados do Front Publicitário

Os mad men, protagonistas do seriado, são os personagens que trabalhavam diretamente em uma agência fictícia, porém, retratada com grande fidelidade. O seriado é baseado no livro “Mad Men: Comunicados do Front Publicitário”, escrito por Jerry Della Femina ainda nos anos 70, mas publicado no Brasil apenas em 2011.

De acordo com o autor, que era publicitário, as agências de publicidade daquele tempo eram divididas por etnias. Porém, em meados da década de 1950, uma agência de propaganda “judia” rompeu a barreira étnica e mudou o rumo publicitário.

A série segue os eventos dessa transformação, quando as propagandas foram ganhando mais personalidade e passaram a respeitar a inteligência do consumidor. Foi uma revolução criativa. 

Um episódio: Smoke Gets in Your Eyes

No episódio piloto “Smoke Gets in Your Eyes”, a história apresenta de forma especial uma das mudanças mais radicais que a sociedade passou: fatos científicos ligavam diretamente o cigarro com o câncer. Esse foi um dos produtos de maior prestígio na sociedade, impulsionado pela mídia em geral, vendido como artigo de elegância e rebeldia.

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Don Draper e o antagonista da série: o cigarro.

No episódio, a agência dos protagonistas, a Sterling Cooper, está prestes a perder a conta da Lucky Strike, que vende o produto. Na crise, ainda pesa o fato de outras seis agências também terem empresas de cigarros como clientes — logo o objeto fadado a ser sinônimo de câncer.

Don Draper (interpretado por Jon Hamm), Diretor de Criação da Agência, discorre sobre a fatídica situação refletindo que a ideia da propaganda não é ter um compromisso com a verdade, mas sim de criar desejos exclusivos pela marca da Lucky Strike.

O personagem faz uma análise sobre a profissão:

“A propaganda baseia-se em uma coisa: felicidade. E você sabe o que é felicidade? A felicidade é o cheiro de um carro novo, é a ausência de medo, é um outdoor na beira da estrada que prega a garantia de que o que você está fazendo é certo. Está tudo bem”. 

— Mad Men, Episódio “Smoke Gets in Your Eyes”.

Sendo assim, o slogan que o sagaz publicitário sugere para a marca é baseado em destacar seu diferencial em relação aos outros, o tabaco era torrado: “Lucky Strike: It’s Toasted”.

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“Lucky Strike: É torrado”

Um episódio: The Fog 

Outro momento de grande reflexão demonstrado na série, foi no episódio “The Fog”. O jovem e ambicioso gerente júnior de contas Pete Campbell (Vincent Kartheiser) herda a conta da fabricante de televisores Admiral, em 1963. A marca já não vendia mais como antes, porém uma curva ascendente é percebida em estados onde a população negra é dominante. Pete não pensa duas vezes em tentar trabalhar a marca para esse perfil étnico.

Fazendo uma rápida pesquisa com o ascensorista negro da empresa, chamado Hollis (La Monde Byrd), Pete o pressiona com perguntas sobre o tipo de televisores que “conhecidos” dele se interessariam. Pouco à vontade, Hollis responde que seu povo tem problemas maiores do que se preocupar com televisores. Pete rebate dizendo: 

“Você está pensando nisso de modo muito mesquinho. A ideia é que todo mundo vai ter uma casa, um carro, um televisor, o sonho americano”. 

— Mad Men, Episódio “The Fog”.

Mad Men retrata essa percepção sistêmica, o distanciamento da publicidade e de seus idealizadores, com a realidade que os Estados Unidos viviam. Não existia de fato produtos para afrodescendentes, isso era um tabu. Quando o próprio Pete apresenta essa ideia para os executivos da Admiral, já à beira da falência, eles respondem de forma horrorizada: “Os pretos compram televisores Admiral porque os brancos as possuem”.

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Pete e o ascensorista: “Vai um american dream, aí?”

No mundo de Mad Men, o mercado está avançando em cima das questões sociais, não para resolvê-las ou sequer enxergá-las, mas no intuito de lucrar em cima dela.

Ao longo da série, as mudanças sociais são percebidas e atingem, aos poucos, o ambiente além da publicidade. As agências foram lentamente aceitando e contratando profissionais de etnias diversas, no entanto, isso não era sinônimo de aceitação e respeito.

Um livro: Mad Men e a Filosofia (Rod Carveth e James B South)

Uma boa dica para quem assistiu a série é ler o livro “Mad Men e a Filosofia”. A obra traça um paralelo entre os temas e personagens da série com a filosofia e seus autores históricos como Sócrates, Platão, Aristóteles, além de outros contemporâneos. 

A discussões vão desde desmitificar o caráter do protagonista Don Draper, o existencialismo de Roger Sterling (John Slattery), a publicidade apresentada na série, entre vários outros assuntos. 

Todavia, um dos pontos fortes nos debates do livro é a forma como as mulheres são mostradas no seriado. Sabe-se que, historicamente, um dos temas mais controversos da publicidade é o fato de que as mulheres foram e, ainda são em alguns casos, tratadas como objetos sexuais para atrair a atenção do público masculino na promoção de produtos e serviços. Despertar o desejo de consumidores utilizando a sensualidade feminina nunca foi tabu, porém, falar sobre a mulher e suas necessidades mais íntimas, sim.

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Um dos slogans da marca de batons Belle Jolie na série é “Marque o seu homem”

No seriado, as protagonistas femininas roubam a cena em muitos episódios, pois muitas vão vencendo as barreiras do machismo como é o caso da Peggy Olsen (Elisabeth Moss) e Joan Holloway (Christina Hendricks), oferecendo um olhar mais sensível e diverso em suas funções. As agências no período retratado eram dominadas por homens e, consequentemente, o machismo, assédio e o preconceito rolavam à solta.

Mulheres nos escritórios se encaixavam, paradoxalmente, na mesma função exercida em outros setores na sociedade: o de servir. Como secretárias ou donas de casa, as mulheres eram usadas como objetos de experiência para que os homens entendessem o que elas poderiam consumir, servindo como cobaias para publicitários. No entanto, nada impedia que fossem vistas também como um corpo sem alma dentro ou fora dali.

Como bem refletiu no capítulo “Um olhar existencial sobre Mad Men: Don Draper, a propaganda e promessa de felicidade”, Ada S. Jaarsma, professora de filosofia na Sonoma State Univerity na Califórnia, pondera que, na propaganda, o uso das mulheres como objeto era também uma forma de reforçar estereótipos, princípios e valores vigentes. 

“Embora o consumo possa prometer uma liberação da ansiedade, ele só leva a mais ansiedade, e Mad Men fornece inúmeros exemplos de personagens cuja conformidade com as ideologias americanas dominantes na década de 1960 destaca a falta de autenticidade e persistente insatisfação”. — Mad Men e a Filosofia, Ada S. Jaarsma

Ada usa como exemplo uma das passagens da série, quando o personagem Salvatore Romano (Bryan Batt), ilustrador da Sterling Cooper, passa por um momento exato sobre a obrigação pela padronização da mensagem, para ela nunca fugir das prescrições sociais dominantes. Em uma cena, após orgulhosamente apresentar a Don o desenho de um homem que, na perspectiva de Sal, demonstrava sexualidade e atratividade, ouve: “Ele precisa de apelo sexual”. Don o sugere a “acrescentar uma mulher de maiô, ao lado de seu cara”.

A publicidade, como grande influenciadora e vendedora de padrões, atuava também criando as regras do que seria uma mulher desejável ou não. Durante um brainstorming para o anúncio de sutiã Playtex, o publicitário Paul Kinsey (Michael Gladis) diz: “Sutiãs são para os homens. As mulheres querem se ver do modo como os homens as veem”.

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Peggy Olsen: sua evolução na série remete ao da publicidade com um olhar mais sensível e diverso.

Se fosse exibida no mesmo período em que foi retratada, a série Mad Men certamente não seria tão genial. O seu poder midiático funciona muito bem na Era Contemporânea, principalmente, pelas analogias possíveis entre as duas épocas. É verdade que muita coisa mudou, mas outras, nem tanto assim.

Ada, em sua análise no livro, pontua que um exemplo é o culto ao corpo. Enquanto nos anos 60, sutiãs prometiam dar curvas sensuais aos corpos femininos, nas décadas seguintes, a popularização de fitas de exercícios físicos para mulheres, tinha o mesmo objetivo, porém de forma diferente. Hoje, a popularização de cirurgias plásticas, medicamentos e filtros nas redes sociais assumiram essa mesma função.

Um episódio: Person to Person (final)

Em uma das cenas finais de Mad Men, o protagonista Don Draper surge apenas com a silhueta diante o mar da Califórnia reluzido pelo sol. O cenário é contemplativo, assim como a proposta do local.

Essa silhueta, em uma análise mais filosófica, representa o homem com uma crise existencial que foi imerso ao mundo da propaganda e se perdeu completamente em um escritório que vende sonhos, ilusões e a suposta felicidade. Essa mesma figura que é vista na abertura da série (e, metaforicamente, em toda sua trajetória), agora encontra-se em meio à natureza.

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A silhueta de Don Draper marcou presença em diversos momentos da série.

O grande publicitário da ficção estava procurando sua própria identidade nessa jornada espiritual.


O século XXI, com uma nova cultura tecnológica e quebra de paradigmas, ampliou a voz do consumidor, trazendo-o para o centro de debates. O que se vê na publicidade são empresas e marcas buscando levantar bandeiras, ouvir o consumidor, mas sem deixar de vender novos desejos.

As marcas levaram suas mensagens a um novo patamar, vendendo os mesmos produtos, mas buscando inserir conceitos éticos. São propagandas explorando cada vez menos corpos femininos, etnias ganhando espaço (e novos produtos), além de uma diversidade de grupos ganhando apoio público de marcas que antes não se pronunciavam.

O final da série oferece uma reflexão fundamental para os publicitários de hoje: 

Será que os profissionais de hoje, publicitários ou marketeiros, sabem quem são, sabem o lugar que estão posicionados na sociedade e com quem se comunicam? Defendem os valores de equidade e o respeito dentro da sociedade? São honestos na conduta de sua função? Se guiam por valores éticos?

Mad Men traz com todas suas reflexões sociais e seus protagonistas complexos, uma visão um tanto melancólica do mercado da publicidade que não fazia o básico antes de tentar se comunicar: enxergar a si mesmo e o consumidor. Uma bela obra sobre uma profissão cheia de virtudes, mas que precisa sempre de uma autoanálise e diversidade de olhares, para não cair ou oferecer armadilhas.

Até a próxima!

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