Para quem não sabe, Amy Webb é futurista, fundadora do The Future Today Institute, autora de livros como “The Genesis Machine” (inédito no Brasil, sobre o futuro da biologia sintética), “The Signals are Talking” (“Os Sinais Estão Falando”, também inédito por aqui) e “Os nove titãs da IA” (Alta Books), e consultora de CEOs de algumas das maiores companhias e instituições financeiras do planeta.
Todos os anos, multidões fazem filas para conferir em primeira mão o seu Tech Trends Report, que traz as principais previsões para o novo ano, sempre apresentadas em três versões: otimista, neutra e apocalíptica.
chatGPT
Em entrevistas recentes, Amy Webb sugeriu que a tecnologia do ChatGPT não é mais tão relevante quanto antes. Ela afirmou que existem tecnologias muito mais avançadas e que podem transformar o futuro da sociedade. Ela argumenta que o ChatGPT é apenas uma tecnologia de inteligência artificial limitada que não é capaz de compreender o contexto ou a emoção do usuário.
“O ChatGPT é apenas um entre muitos modelos de linguagem. E, enquanto as pessoas ficam preocupadíssimas porque o chatbot pode escrever um ensaio, o mesmo tipo de ferramenta, aplicada à ciência, pode causar danos infinitamente maiores”
Amy Webb
A opinião de Amy Webb sobre o ChatGPT pode ser controversa. No entanto, sua pesquisa sobre tecnologias emergentes é altamente respeitada e pode ter um impacto significativo na indústria de tecnologia e na sociedade como um todo.
Abaixo, uma entrevista que Amy Webb concedeu à Época Negócios.
Entrevista Amy Webb
Você pode nos dar um preview do seu novo Tech Trends Report, que vai apresentar no South by Southwest desde ano?
Com certeza. O tema principal é manter o foco. Porque o que aconteceu nos últimos dois anos é que todos os nossos sistemas, governos e empresas explodiram em mil pedaços, como se fossem estrelas colidindo no céu. Quando esse tipo de choque acontece, a energia despejada no universo cria um infinito número de pequenos grãos que vão flutuando por todos os lados e se chocando novamente, dando origem a objetos cada vez maiores. Até que um dia surge um novo planeta.
O que nós temos pensado no Future Technology Institute é que nos últimos dois anos tivemos várias explosões desse tipo. Houve a covid-19, a invasão da Ucrânia pela Rússia, enormes descobertas na área de inteligência artificial e mudanças profundas na ciência. E, falando localmente, o Brasil também passou por muita coisa nos últimos anos. De Bolsonaro para Lula, são universos completamente diferentes. Então, nesse momento, é muito difícil para as pessoas verem em meio a essa poeira galáctica deixada pelas explosões. E é por isso que precisamos ter foco. Temos que fugir das distrações e assistir com atenção às novas convergências que estão surgindo. Porque o risco é que os líderes fiquem tão sobrecarregados que não consigam colocar a energia onde ela é mais necessária.
Você acredita que os líderes não estão conseguindo lidar com os desafios gerados pelas últimas crises mundiais?
O problema é que há tanta coisa acontecendo globalmente com a política e a macroeconomia, seja a China mandando balões para os Estados Unidos, ou a inflação em toda a parte, ou a ameaça de recessão global. E ao mesmo tempo há avanços importantes em tecnologia e ciência. Mas, enquanto alguns estão recebendo muita atenção, outros estão sendo ignorados. Então vejo os líderes em uma posição muito difícil, porque precisam manejar essas crises, se preparar para as mudanças que estão vindo e, de alguma maneira, entender sobre computação quântica e inteligência artificial. Tudo isso enquanto tomam decisões. Não queria estar na pele deles.
Na sua opinião, então, algumas tecnologias estão sendo negligenciadas, enquanto outras recebem atenção indevida. Do que está falando exatamente?
Nesse momento, todo mundo está falando sobre o ChatGPT, que é uma inteligência artificial generativa construída dentro de um modelo de linguagem. Mas o ChatGPT é apenas um entre muitos modelos de linguagem. E, enquanto as pessoas ficam preocupadíssimas porque o chat pode escrever um ensaio, o mesmo tipo de ferramenta, aplicada à ciência, pode causar danos infinitamente maiores. Existe, por exemplo, um modelo de linguagem que pode ajudar os cientistas a criarem novos medicamentos antes inimagináveis, o que é incrível. Mas e se esses mesmos sistemas produzirem uma arma química perigosa? Há ferramentas de IA capazes de produzir vídeos. O que vai acontecer quando uma delas criar um vídeo do zero mostrando um acontecimento que nunca ocorreu, e isso for divulgado como sendo verdade? Isso está prestes a acontecer.
Então eu acredito que precisamos ter essas conversas difíceis, em vez de ficar horas batendo papo com uma máquina. Veja bem, isso não significa que o ChatGPT não seja uma invenção instigante. Mas o que estou querendo dizer é: nós tendemos a ficar deslumbrados com pequenas amostras de determinada tecnologia, achando que aquilo vai mudar o mundo, e esquecemos de olhar para todas as ramificações.
De certa maneira, isso aconteceu com o metaverso também, não? Todo mundo só falava sobre esse mundo para onde todos nós iríamos migrar, e agora nem o Mark Zuckerberg quer mais falar sobre isso…
Exatamente. Havia toda essa empolgação com esse novo mundo que estava sendo criado, e todos iriam para lá, e seria como nos filmes, quando os personagens passam a interagir com seres virtuais como se fossem humanos… Só que nada disso aconteceu, porque era só uma narrativa, e a construção de algo tão massivo leva muito tempo: daí o público se cansou e foi atrás da última novidade reluzente. Veja bem, o metaverso pode ser fascinante, mas nesse momento o que está sendo desenvolvido é a infraestrutura, a tecnologia de base. Se você se empolga com isso, ótimo! Eu adoro. Mas não acho que vamos fazer as malas tão cedo. O que já existe, e podemos experimentar, são versões bem menores do que um dia pode ser o metaverso. Experiências imersivas com realidade aumentada, por exemplo. Então temos que trazer as pessoas de volta para o presente e dizer: “Essa é a nossa realidade agora.”
Qual é a nossa realidade agora? Em relação à inteligência artificial, no que devemos focar?
Creio que as pessoas estão muito ligadas nessa ideia de que teremos seres de inteligência artificial que pensarão e se comportarão como seres humanos – e que, por isso mesmo, serão uma ameaça aos nossos trabalhos e à nossa existência. Mas eu acho que estamos caminhando para uma inteligência artificial de apoio. Em dez anos, quando um cirurgião realizar uma intervenção sem o auxílio de um robô, as pessoas vão considerar isso uma barbárie. Porque todos os médicos terão o auxílio de assistentes providos de inteligência artificial. Ninguém mais precisará fazer cálculos complexos, porque o assistente virtual na mesa ao lado se encarregará disso. E vamos usar modelos de linguagem para nos ajudar na comunicação com os outros, algo que não está efetivamente sendo feito agora. Então, a IA vai substituir alguns seres humanos. Mas a maneira como trabalharemos juntos será simbiótica, e não confrontacional.
Em relação aos riscos, acredito que devemos realmente focar em saúde. Imagine que alguém resolva usar a IA para alterar a sua ressonância magnética, fazendo parecer que você tem um tumor maligno. Como vamos lidar com isso? Acredito que será o fim da confiança assumida – aquela fé cega que temos na informação que vem de hospitais ou cartórios, por exemplo. No futuro, tudo terá que ser constantemente verificado. E isso é algo em que eu não tinha pensado antes. Vou até anotar aqui…
Em que outras tecnologias nós devíamos estar prestando atenção?
Há muita coisa ligada à automação acontecendo nas áreas de logística e cadeias de suprimentos, que vão realmente tornar a vida dos trabalhadores dessas áreas mais fáceis e seguras. E há muita transformação na área de entretenimento: imagine um parque temático em que você é uma peça de um jogo gigante, com o qual interage por meio de realidade aumentada ou estendida. E aí você vai poder ter dezenas desses jogos no celular, em um dos novos superapps que estão se multiplicando pelo mundo.
E qual o setor que mais te entusiasma hoje?
É difícil falar só de um, mas há muitas coisas incríveis acontecendo na área de mudanças climáticas. Alguns cientistas descobriram como transformar o CO2 da atmosfera em comida. E a FDA (Food and Drug Administration, a Anvisa americana) já aprovou a fabricação de carne a partir de células animais (e não de vegetais), o que pode mudar totalmente as regras do agronegócio. E há experiências interessantíssimas para conter o aquecimento global. Como os cientistas que querem ir até a Lua e colocar poeira cósmica no ar, para fazer com que a Terra sofram menos com a radiação solar. Pesquisas com baterias que duram uma eternidade e não precisam ser recarregadas. E, claro, temos a nova fusão nuclear, que poderá um dia produzir toda a energia limpa de que precisamos.