Figura carimbada por aqui para o Festival de Cinema de Cannes, este ano Spike Lee foi, provavelmente, a principal atração do Cannes Lions 2023, maior festival de publicidade e criatividade do mundo. E apesar de ser “habitué” da Riviera Francesa por conta de seu legado nas telonas, a honraria tem como base sólida sua conexão enorme, vitoriosa e de longa data com a propaganda.
Lee é o primeiro “Creative Maker of the Year”, nova homenagem do evento para profissionais que se tornaram referência histórica em inspiração e execução de trabalhos criativos dentro e fora da indústria. Com mais de 30 anos de carreira, ele traz no currículo cinco indicações de Oscar, com filmes como “Faça a coisa certa”, “Quatro Meninas” e “Infiltrado na Klan” – que venceu o de melhor roteiro adaptado em 2018. Na propaganda, se tornou referência pelos trabalhos em parceria com a Nike e Michael Jordan, entre outros trabalhos para diversas marcas.
O diretor, inclusive, não vê com maus olhos o trabalho comercial – “e o dinheiro é bom, né? Não vou mentir”, brincou. Mas revelou como a arte de dizer não (e de ter paciência com profissionais da indústria que acham que sabem tudo) é fundamental para garantir um bom trabalho e manter a sanidade.
“Algumas marcas e agências que querem trabalhar comigo acham que sabem mais de mim do que eu mesmo – e aí é preciso saber sair fora. Mas muitos trabalhos que fiz, especialmente com a Nike e Jordan, foram incríveis. Na maioria das vezes, é preciso começar com uma simples pergunta: ‘o que estamos fazendo?’. Aí, só começamos a filmar quando realmente faz sentido e estamos todos na mesma página. Às vezes, as agências querem ir para a direita enquanto eu quero ir para a esquerda. Aí, não funciona”, enfatizou.
O segredo de seu trabalho na publicidade, segundo Lee, é não fazer filmes de 30 segundos, mas sim peças poderosas de boas histórias. “Eu não faço comerciais, eu faço filmes curtos. Eu vejo, mesmo nos trabalhos para as marcas, a oportunidade de contar uma boa história”, reforçou.
Apesar de gostar da boa propaganda, o diretor é um grande crítico do nível “normal” do que se vê por aí. “Eu amo esportes e assisto a muitos jogos. E na hora do break, eu vejo alguns filmes e penso: quem escreveu isso? Quem acha isso engraçado? Eu juro que não entendo”, questiona. A saída, para ele, está sempre na criatividade – mesmo quando o produto ou serviço não ajuda. “Seu trabalho é vender fast food, eletrônicos, qualquer coisa. Às vezes não é fácil. Às vezes é chato. Mas você sempre terá a criatividade do seu lado para ajudar a fazer isso de uma forma especial”.
Outro ponto que ajuda muito, na sua visão, é um clichê clássico, mas muito verdadeiro: trabalhe com o que você gosta ou se interessa. “O reconhecimento que recebo aqui é por tudo que eu fiz até hoje, e o trabalho continua. Continuo rezando e agradecendo todos os dias porque faço o que gosto – e isso é uma benção. Muitos fazem qualquer coisa para viver, porque precisam alimentar seus filhos – e isso não é nada divertido”, refletiu.
Um perigo ainda maior, no meio do caminho, é a empáfia de boa parte das novas gerações, que traz de fábrica o pensamento de que já está preparado para qualquer coisa – mesmo sem ainda ter produzido nada relevante. “Eu dou aula e falo isso sempre para os meus estudantes: espero que vocês estejam aqui porque é isso que querem fazer. Tenha foco, estude, aprenda seu negócio. Essa coisa das redes sociais e de ter muitos seguidores não é sustentável. Não é a realidade. Conquiste algo. Você acabou de chegar”, conclui.