Tchau, vida perfeita e sem boletos

Tchau, vida perfeita e sem boletos Tchau, vida perfeita e sem boletos

Sabe aquela máxima: eu me tornei o que eu mais temia? Pois é.

A minha vida está longe de ser perfeita. No geral, eu não tenho motivos para reclamar. Aliás, esse lugar da reclamação é perigoso. Não gosto de reclamar e, de uns tempos para cá, confesso que estou bem cansada de as pessoas ficarem reclamando para mim. Gente que só reclama, me cansa. Estou longe de ser uma pessoa que está o tempo todo praticando a positividade tóxica, mas meu mantra é: não está bom? Muda.

Não sou herdeira. Trabalho desde os meus 15 anos de idade. Sou nascida em família de pais assalariados. Pai jornalista e mãe, dona de casa. Foi o combinado deles lá nos idos dos anos 1970. Quando meus pais se separaram, que minha mãe foi para o mercado de trabalho. Eu tinha 12 anos de idade. Logo, precisei trabalhar para ter minhas coisinhas.

Eu sou grata pela vida que levo. Minha saúde é ótima. Trabalho com o que gosto, relações públicas, tenho um bom teto, comida na geladeira e pago minhas contas em dia. Vez ou outra que alguma atrasa por uma ou duas semanas, no máximo. Consigo me organizar para jantar fora de vez em quando, ter meus momentos de lazer, fazer algumas viagens nacionais. Para além disso, eu preciso planejar mais e escolher melhor onde coloco meu dinheiro. É no vestido novo ou reservo para pagar a viagem de fim de ano?

Têm pessoas com mais possibilidades do que eu? Claro que sim. Dentro e fora da minha bolha. E como acompanhar esse status quo de bem relacionada, descolada e atenta ao hype (ainda se usa esse termo?)? A resposta é uma só, poste, poste, poste.

Clicar, editar, filtrar, marcar, postar. E quando percebi, estava imersa em publicações variadas, do café da manhã que eu meticulosamente arrumava todos os detalhes ao treino de pernas para indicar que a mãe tá ON. E não parei mais, o look do dia, a praia do meu coração, os novos amigos, os since desde 1980, o restaurante gourmet, a padoca da esquina, o buquê de flores, a xícara de café, a tatuagem nova, a carteirinha do SUS – essa eu tenho um grande respeito de ter postado – e algumas dicas de leitura.

E mesmo com as notificações desativadas, a curiosidade é implacável. Será que fulano viu? Beltrano comentou? E o seu dia se transforma num caos. É da grama do vizinho que é sempre mais verde que a sua ao coleguinha que não manja nada de política e compartilha fake news sem checar as fontes. Como ficar de boa num cenário desses? E quando a pessoa para de te seguir? O que foi que eu fiz de errado? O Instagram passou a ser um dos meus sabotadores. E confesso que tenho mandado para bem longe o que ou quem me sabota.

Ter o meu perfil na rede, criado no meio da pandemia para ter algum ponto de contato com meus amigos e por que não, com os novos e até futuros amigos, foi a maior enganação da minha vida. Tudo o que eu criticava fazia exatamente igual. A minha ficha caiu quando eu fui até um mirante com uma vista estupenda, fiz uma foto e dei meia-volta para ir embora. Quando me virei para sair do parque, percebi o que estava fazendo.

Eu acordei num alívio tremendo hoje de manhã. Ter desinstalado o Instagram ontem à noite foi uma das decisões mais certeiras das minhas últimas semanas. Ainda mais agora que eu encontro pessoalmente as pessoas com quem eu realmente quero ocupar meu tempo livre. Ao vivo. Tomando um drink. Compartilhando afeto, carinho, risadas ou apenas praticando a escuta ativa.

Além de achar muito cool quando alguém me perguntar qual o meu @ e eu dizer que não tenho.

E você, já publicou algum post hoje?

Photo by Verne Ho on Unsplash

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