“As respostas que você obtém dependem das perguntas que você faz.” — Thomas S. Kuhn
Era quase impossível ignorar aqueles belos olhos negros, quando ela começou a falar com ele:
— Por favor, apenas ouça. Eu sei porque você está aqui… Eu sei o que você tem feito… porque você dorme mal, porque mora sozinho e porque, noite após noite, fica grudado em seu computador. Você está procurando por ele. Eu sei, porque uma vez eu estava procurando a mesma coisa. E quando ele me encontrou, me disse que eu não estava realmente procurando por ele. Eu estava procurando por uma resposta. É a pergunta que nos motiva. É a pergunta que te trouxe até aqui. Você conhece a pergunta, assim como eu.
A música alta e a multidão abafam o som da voz de Trinity, mas Neo a ouve com perfeição. Ele engole em seco, e responde com uma pergunta…
Essa é uma cena do filme Matrix. A grande maioria conhece ou já ouviu falar. O longa deixou mais perguntas do que respostas na mente de quem o assistiu. E isso é bom!
Somos todos curiosos, por muitos motivos.
Todos temos nossas questões e queremos muito obter o máximo de respostas que for possível. Mesmo que não estejamos fazendo as perguntas, por dentro existe uma fome inesgotável por respostas que justifiquem a nossa existência.
Somos seres únicos, donos de nossos destinos, ou apenas sacos de carne usados como pilhas para fazer um grande sistema funcionar?
Na hora da oração, do gole de cerveja ou quando nos curvamos para o oeste, seja quando esgotamos uma carreira de pó ou até quando cortamos os pulsos, até quando pintamos uma tela ou esculpimos uma estátua, não importa se é quando clicamos em “postar”, mesmo quando compomos um novo riff ou quando abrimos os olhos, etc., enfim, quando percebemos que estamos vivos, imploramos por respostas.
Queremos, violentamente, existir; cada um à sua maneira!
A nossa busca pessoal por respostas nos leva a fazer escolhas. Até mesmo quando não escolhemos nada; e essa é a pior delas, acredite!
T. S. Eliot dizia que poetas imaturos imitam; poetas maduros roubam; maus poetas desfiguram o que pegam; e bons poetas transformam em algo melhor, ou ao menos em algo diferente.
“O bom poeta solda seu furto em um todo de sentimento que é único, totalmente diferente daquele do qual ele foi arrancado”, defende.
Somos todos um bando de ladrões, sem exceção.
O problema é que a maioria de nós tem alergia às respostas incômodas. Preferimos copiar e colar. Estamos em busca de respostas, mas fazemos as mesmas perguntas, cada vez mais simplificadas, vendidas no atacado.
Para ser original é preciso aprender a roubar. Grandes mentes criativas eram ladrões contumazes.
Darwin, Picasso, Woolf, Beethoven, Curie, Edson, da Vinci, Kahlo… A lista é infinita.
Todos tinham um caderninho onde colocavam as lascas de percepção que tiravam da realidade. Pérolas que acabaram se tornando uma resposta às suas próprias perguntas. Um jeito de se expressar para o mundo, pegando emprestado o que achavam pelo caminho. Newton, o grande gênio, estava “sobre os ombros de gigantes”, todos sabem disso, mas nem mesmo essa frase era inédita naquela época.
Com ou sem maldade, surrupiamos o que nos salta aos olhos. Se brilhar colocamos na sacolinha. Se ninguém gritar, a partir de agora é nosso.
Não somos criminosos por natureza, mas só conseguimos pensar se antes importarmos ideias, às vezes, contrabandeadas, é claro. Sem isso, a crítica fica rasa e o pensamento inconsistente. Sem isso, não há o charme e a ironia de um conhecimento que será certamente roubado por outras mentes famintas de alguma beleza.
O livro Roube Como um Artista, de Austin Kleon parecia apenas mais um apelo de marketing quando o comprei. Ele ficou um tempo na estante, até eu cismar de lhe oferecer uma oportunidade.
Como é complexo o ato de criar.
Mary Oliver disse que somos criativos o dia inteiro, e que precisamos de uma ajuda para fazer com que isso funcione, “porque nosso lado criativo se cansa de esperar, ou se cansa, simplesmente”. Elizabeth Gilbert fala que nossas melhores ideias voam até nós, pousam sobre nossas mentes, mas têm prazo de validade. Sem que percebamos, se não a deflagrarmos violentamente dentro de nós, de alguma forma, ela levanta voo, roubada pelo próprio “vento” que a trouxe.
O mundo é feito de ideias e elas viajam à velocidade da luz. Ou seja, sem imaginação podemos até ver o relâmpago, mas teremos no máximo o susto com o trovão. Na falta de sensibilidade é impossível perceber qualquer beleza na vida ou nas pessoas.
Estamos todos digitando massivas quantidades de texto na cara de inúmeras IA’s atualmente disponíveis. Pedimos ajuda a um oráculo que parece ter respostas para todas as perguntas.
Em completo êxtase, jogamos nossas ansiedades no prompt do Chat-GPT e esperamos que um milagre aconteça. Mas, nem sempre encontramos o que desejamos.
Muito trabalho está sendo feito de maneira rápida e precisa, e isso é maravilhoso. No entanto, as respostas que realmente fazem a diferença dependem de perguntas que muitos ainda não sabem como formular ou nem entendem que precisam fazê-las.
A busca pela Matrix é a aventura do ser humano.
Estamos ou não ligados a uma IA que nos manipula a mente, e ainda suga nossa preciosa energia? Isso é difícil de responder, quase impossível. Pelo menos por enquanto. A questão é, estamos todos ansiosos por entender qual é o nosso papel nessa vida. A ansiedade nos obriga a tomar decisões, as mais variadas possíveis.
A inquietude gerada por não termos todas as respostas instiga uns a criar o seu próprio caminho, outros a se hospedarem no fundo do poço mais próximo, e outros ainda a inventar um alçapão logo abaixo disso.
A metáfora do filme mostra que não podemos apenas ouvir para entendê-la, mas temos que ver com nossos próprios olhos. Aí, sim, teremos compreendido o que ela realmente é.
O problema é que, depois disso, não tem volta.
Vamos perceber que a vida como a conhecíamos não é bem o que parecia, que precisamos de esforço extra para sobreviver numa realidade que insiste em matar nossos sonhos, cada um deles, sem misericórdia; porque somos úteis apenas quando seguimos as regras.
A evolução depende de atos criativos que muitas vezes, quase sempre, é um gerador de desconforto, pois exige e cria mudanças que nem todos estão dispostos a encarar.
Não existe originalidade pura e simplesmente. Dependemos de boas perguntas e elas são sempre o fruto da observação de algo que já existe.
Só existe uma saída: Experimente roubar ideias com originalidade.
Tente criar algo a partir de ideias incríveis, mas de um jeito totalmente diferente.
Experimente fazer perguntas; experimente experimentar.
Tente fazer o que ninguém faz. Dê a si a oportunidade de fugir do lugar-comum.
Se já fez, sabe muito bem quais são as consequências. Se ainda não o fez, sugiro preparar-se para uma dor que só você poderá sentir.
Pois, nessa vida, até para sofrer só vale a pena se for numa versão inédita, senão ninguém presta atenção em você.
O preço da originalidade é colorir a vergonha, que sempre vem na versão cinza e desbotada, e isso ninguém merece.
E, nunca se esqueça: É a pergunta que nos motiva. É a pergunta que nos trouxe até aqui. Você conhece a pergunta, assim como eu…