Capitã Marvel: Novo modelo de origem da heroína traz algumas contradições

Capitã Marvel: Novo modelo de origem da heroína traz algumas contradições Capitã Marvel: Novo modelo de origem da heroína traz algumas contradições

Capitã Marvel estreou no último dia 08 nos EUA (Dia Internacional da Mulher) e dia 07 no Brasil. De modo simbólico, essa data já diz muito a respeito das pretensões dos diretores Anna Boden e Ryan Fleck (que já dirigiram juntos filmes como Se enlouquecer não se apaixone e Sugar) em trazer a heroína como um marco no universo cinematográfico dos heróis para o público feminino.

Entrevista dos bastidores com os diretores do filme Anna Boden e Ryan Fleck.

Primeiro longa dos estúdios Marvel que leva uma protagonista feminina (o filme solo da Viúva Negra está sendo cotado para estrear em 2020), a trama se passa no ano de 1995 e utiliza diversos aspectos nostálgicos que remetem a essa icônica década, desde sua campanha de lançamento com a criação de um hotsite com um layout retrô até a trilha sonora e aparições de marcas e produtos bem característicos no filme. Apesar de utilizar em alguns pontos de modo certeiro, parece que o resgate a nostalgia não funciona de modo tão orgânico quanto nos filmes Guardiões da Galáxia 1 e 2 com a década de 80, e muitas vezes parece repetir um fórmula que apresenta seus primeiros sinais de exaustão.
O filme traz Brie Larson no papel de Capitã Marvel (vencedora do Oscar de Melhor Atriz em 2016 por O Quarto de Jack), e começa com uma super-heroína relutante e confusa em relação a utilização de seus poderes, que uma vez dominados com maestria, poderão ajuda-la a acabar com uma guerra intergaláctica entre as raças alienígenas Krees e Skrulls (esses últimos possuem a habilidade em se transformarem em qualquer espécie de ser vivo). O elenco conta com um jovem Nick Fury (Samuel L. Jackson), ainda sem o status de figura máxima na SHIELD, o aliado Kree da Capitã Yon-Rogg (Jude Law) e com o vilão Skrull Talos, interpretado pelo ótimo Ben Mendelsohn (já conhecido da Disney por incorporar o Diretor Orson Krennic, em Star Wars: Rogue One), que impressiona no filme.

Polêmicas durante a véspera de lançamento
Apesar de uma divulgação do filme por todo mundo bem abrangente, tendo no Brasil uma parceria com os estúdios Maurício de Sousa em comemoração ao Dia Internacional da Mulher, o longa foi alvo de ataques de trolls em sites de avaliação de filmes como IMDB e Rotten Tomatoes.

https://twitter.com/TurmadaMonica/status/1101475136291684354
Postagem do MSP trazendo a Mônica como Capitã Marvel.

Desde o mês de fevereiro, movimentos de alguns trolls em redes sociais vem organizando usuários de modo a avaliarem negativamente Capitã Marvel sem nem mesmo terem assistido ao filme. Após o ocorrido, o site anunciou uma nova política, permitindo que usuários avaliem as próximas produções somente após o lançamento dos mesmos. Atualmente o site Rotten Tomatoes conta com a avaliação pela audiência geral do filme mais baixa dentre todos os outros do estúdio Marvel, com 55%.

Capitã Marvel: Novo modelo de origem da heroína traz algumas contradições
Avaliação de Capitã Marvel no Rotten Tomatoes.

Já o site IMDB registra uma nota de 7,0 do filme, considerada mediana, mas chama a atenção pela quantidade de avaliações com 1 estrela (a mais baixa): cerca de 15% do total, algo expressivo em relação as avaliações gerais do site.

Capitã Marvel: Novo modelo de origem da heroína traz algumas contradições
Avaliação de Capitã Marvel no IMDB.

Além disso, alguns YouTubers postaram vídeos agressivos em relação a atuação de Brie Larson no filme, levando o próprio YouTube a mudar seu próprio algoritmo de busca, reclassificando a busca pelo nome da atriz como um termo relacionado a notícias em geral, associando dessa forma as pesquisas por fontes mais consolidadas e confiáveis, como veículos especializados em entretenimento.
A toxidade do público se deu diante de duas declarações da atriz: uma para a revista Marie Claire do Reino Unido, em fevereiro, onde ela diz que notou a cerca de um ano atrás que a maior parte dos críticos de cinema e imprensa em geral era composta majoritariamente por homens brancos. Por conta disso, solicitou a Dra. Stacy Smith (que trabalha na Universidade do Sul da Califórnia) um levantamento a fim de confirmar essa observação. Desde então, a atriz abriu formas de trazer mais mulheres e pessoas de diferentes etnias para suas coletivas de imprensa (bem como dos filmes em que atua).
A outra declaração da atriz que despertou a ira por parte de alguns trolls foi um discurso dado no ano passado, durante a premiação City + Lucy Awards, onde novamente ela comenta sobre a questão da representatividade no meio jornalístico, especificamente sobre o filme A Wrinkle in Time (Uma Dobra no Tempo) e em como o mesmo foi avaliado majoritariamente por pessoas brancas, sendo que ele é protagonizada por mulheres negras.

Discurso na íntegra de Brie Larson durante o City + Lucy Awards 2018.

Adaptação dos quadrinhos
A personagem dos quadrinhos Carol Danvers foi criada em 1968 por Roy Thomas e Gene Colan, porém só recebeu seus poderes como super força e habilidade de voar mais tarde, em 1969, devido a exposição à tecnologia da raça alienígena Kree em Captain Marvel #18, tornando-a uma híbrida humano-Kree. Finalmente Carol aparece como uma super-heroína em 1977, sob a alcunha de Miss Marvel, na edição Ms. Marvel #1. Desde então, a trajetória da heroína teve diversos alto e baixos, com muitas alterações em sua origem e repetidos cancelamentos de sua revista, até chegar as mãos de Kelly Sue Deconnick em 2012. A autora reinventou a personagem e a trouxe mais próxima da Capitã Marvel que foi adaptada aos cinemas, como a mudança do nome de Miss Marvel Para Capitã Marvel, a adoção de um moicano no visual e o novo uniforme.

Capitã Marvel: Novo modelo de origem da heroína traz algumas contradições
Capitã Marvel #1, por Kelly Sue Deconnick.

Crítica com Spoilers
O filme é uma aposta do Marvel Studios em criar uma nova narrativa para a origem de super-heróis, trazendo a personagem de uma lavagem cerebral sofrida pelos Krees, raça da qual ela originalmente acredita fazer parte, para uma heroína convicta de seus poderes e defensora do planeta-terra. Diferente de tantas outras histórias (como Homem de Ferro, Thor, Capitão América e Homem-Formiga), ela começa no ‘meio’ dos acontecimentos do filme, após Carol ter sido raptada pelos Krees e treinada para eliminar a raça mostrada inicialmente como vilã, os Skrulls. Esses conflitos da personagem se mostram dúbios por meio da falta de algumas analogias consistentes e repetições demasiadas de certos aspectos do longa. Até Carol chegar a Terra, parece que o longa não encontra um ritmo consistente.
Entretanto, existem pontos extremamente interessantes que estão presentes logo no início do filme, quando a tropa Kree liderada por Yon-Rogg vai até um planeta distante resgatar um dos membros de sua equipe de inteligência e se veem em meio a um dilema moral ao se perguntarem se a população local do planeta é de fato nativa ou na verdade Skrulls disfarçados. Essa leitura ácida é extremamente pertinente nos dias de hoje, quando exércitos de países como os próprios EUA ocupam regiões como o Oriente Médio, e muitas vezes não conseguem distinguir quem são terroristas de fato e quem é somente um morador comum.
Outra ponto forte é a mensagem de empoderamento feminino, concluído no desfecho do longa: Após passar por tanto tempo confusa e em busca por respostas, Carol assume seus poderes ao perceber que já havia travado diversas outras batalhas na terra somente por ser mulher. Esse conjunto de cenas dela se levantando repetidamente até se levantar para seu embate final, contra a Inteligência Suprema Kree, traz uma visão libertadora que pode servir de exemplo para muitas crianças que assistirão a Capitã Marvel. Diversas outras passagens do filme podem ser associadas a essa questão, como a própria origem dos poderes da super-heroína, que nos quadrinhos os ganha por meio das ações de alguns homens, e no filme os recebe por meio de uma máquina inventada pela cientista Kree Mar-Vell. Ou seja: somente uma mulher pode empoderar outra mulher, e essa alteração no desenvolvimento original da personagem só reforça essa mensagem.
Apesar de tratar de pontos extremamente importantes, ainda assim algumas características da origem da personagem carecem de mais detalhes (como a própria relação entre Carol e seu próprio Pai, assim como a cientista Mar-vell). Isso não impede o filme de ser divertido e relevante em algumas questões sociais, porém é um ponto de atenção para futuras histórias de origem de personagens Marvel.

Futuro Marvel
O filme também prepara terreno para o futuro do MCU a médio e longo prazo com a introdução de Monica Rambeau, filha da melhor amiga de Carol Denvers e também pilota, Maria Rambeau. Nos quadrinhos, Monica também é conhecida como a super-heroína Espectro, que tem como poder a capacidade de se transformar em qualquer forma de energia. Essa não é a primeira vez que a Marvel introduz uma de suas personagens ainda criança: a filha de Scott Lang (o Homem-formiga), Cassie Lang, também já foi introduzida no filme Homem-formiga, e futuramente pode assumir a alcunha de Estatura, super-heroína que possui os mesmos poderes do pai nos quadrinhos.
Outro mascarado já mencionado de forma indireta é Milles Morales. No filme Homem Aranha: De volta ao lar, Peter interroga o criminoso Aaron Davis (interpretado por Donald Glover), que acaba cedendo e revela as informações que o Homem-Aranha buscava, justificando que fez isso para proteger seu sobrinho que vive no Queens. O nome de seu sobrinho, nos quadrinhos, é Milles Morales.
É possível especular que daqui a alguns anos talvez tenhamos uma nova geração de heróis com os Jovens Vingadores, e Capitã Marvel traz mais um sinal de que esse projeto pode estar em andamento a algum tempo.

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