Por Agatha Kim, diretora executiva de estratégia da BETC/Havas
No finalzinho do SXSW de 2018, acordamos com a notícia do assassinato de Marielle e seu motorista. Alguns brasileiros que ainda estavam em Austin, incluindo a cantora Liniker, organizaram-se para um painel (“What #MariellePresente Means to Brazilian Music” / “O que #MariellePresente significa para a música brasileira”). O assassinato da vereadora foi apenas o começo de uma série de pequenas derrotas que começamos a sentir naquele ano e parecem não parar 365 dias depois.
De volta ao southby desse ano, enquanto ouvia sobre o futuro do universo em uma sala com ar-condicionado, dois homens jovens entraram em uma escola em Suzano e levaram a vida de oito pessoas. Ano passado, houve 94 casos parecidos nos Estados Unidos. Fico me questionando se ainda vamos conseguir aprender com os maus exemplos vindos da América ao invés de replica-los por aqui. O medo não pode continuar ganhando.
SXSW não é uma festa, mas é uma celebração de tudo de bom que os humanos já inventaram: música, cinema e boas histórias. Inconscientemente, na seleção do que assistir e quem ouvir, buscava resgatar o otimismo que eu havia perdido nos últimos meses. Afinal, foi aqui que conheci mulheres incríveis liderando negócios e projetos que estavam mudando o mundo, conceitos que nunca tinha ouvido falar, provocações sobre o jeito que trabalho, me relaciono e penso sobre o futuro. Foi Austin que primeiro descortinou mundos que depois quis desbravar.
A América também está machucada. Viver em um país dividido, com um presidente despreparado para o cargo, que ataca minorias ao invés de suporta-las e empodera-las, não é tarefa fácil, como bem sabemos. Mas o que eu vi foram modos de lidar com a frustração e a revolta. Com inteligência, arte, poesia, humor, teimosia, coragem, tem gente resistindo e dando razões para continuar acreditando.
Ouvi Alexandria Ocasio-Cortez, Elisabeth Warren e Andrew Yang, potenciais candidatos pelo partido democrata, que prometem voltar com uma agenda mais social e menos bélica para as conversas.
Vi Kimberly Bryant, fundadora do black girls code, falar sobre seu projeto que ensina programação para garotas negras. E sorri quando a vi apresentar três participantes do projeto como “tech divas”, futuras fundadoras do próximo facebook ou google.
Assombrei-me com Susan Fowler, que desmantelou uma cultura de trabalho perversa na Uber, ao quebrar o silêncio e falar dos assédios que viveu na empresa. E como ela superou seu medo de palco para dizer que não são apenas os ativistas que mudam o mundo, as pessoas mudam, e que ela precisava contar a sua história.
Mas principalmente, me emocionei com artistas e músicos que vi se apresentarem. Jazz pop indie r&b latino, gêneros indefinidos e sem separações que só a música hoje permite. Gente de todos os lugares do mundo, vivendo suas lutas, ensinando que é preciso resistir e ocupar os espaços com poesia e amor. Por que como o poeta Paco Urondo escreveu “a poesia dói nos filhos da puta.”
Volto mais esperançosa. Relembro que resistência é sobre escrever livros, fazer música, contar histórias, organizar rodas de conversas, formar e apoiar grupos de ensino e mentoria, levantar depois de cair. É sobre todos os formatos possíveis de protesto. E é usar a tecnologia e as redes para furar as próprias bolhas e potencializar tudo isso. É principalmente sobre renovar os votos de otimismo todos os dias.