Esta semana o concurso 2150 da Mega Sena poderá pagar o maior prêmio regular de toda a história (ou seja, excetuando-se a “Mega da Virada”). São R$ 275 milhões acumulados ao longo de 14 sorteios sem um vencedor do prêmio principal.
A grande maioria de nós não tem a proporção de tantos zeros à direita (R$ 275.000.000,00) em nossas contas bancárias. Para uma ordem de grandeza, este valor aplicado no investimento mais conservador disponível hoje – Tesouro Direto Selic – renderia ao abastado investidor aproximadamente R$ 1,5 milhão a cada mês. A maior parte dos brasileiros não terá este patrimônio em toda sua vida, mas você poderá gastá-lo todos os meses e não vai ficar menos rico pra carai com isso.
Claro que muitas discussões estão envoltas nos jogos de azar patrocinados pelo governo, como teorias conspiratórias e casos, no mínimo, curiosos, que abrem espaço para questionamentos sobre a credibilidade do sistema.
Algumas coincidências como a quantidade proporcional de ganhadores da cidade de Brasília (2,5 milhões de habitantes) da Mega da Virada, ou, também na Mega da Virada, de 2017 para 2018, o fato de três das 17 apostas vencedoras, que dividiram o prêmio de R$ 306,7 milhões, terem sido feitas em uma mesma casa lotérica, em Parelheiros (SP), fazem com que surjam questionamentos do quanto este negócio (para o governo, é um excelente negócio) é realmente confiável.
Independente da veracidade destas suspeitas, porém, e tomando como premissa que o processo é íntegro e verdadeiro, há de se pensar nas chances *reais* de se ganhar esse dinheiro todo.
Matematicamente, as chances de se acertar as seis dezenas é de 1 em 50.063.860; há estatisticamente muito mais chances de você ser atacado por um tubarão (1 em 11,5 milhões), ser atingido por um raio (1 em 1,5 milhão) ou ficar naturalmente grávida de quadrigêmeos (1 em 700 mil) do que gabaritar as seis dezenas da Mega Sena.
Algumas pessoas tendem a acreditar que ocorrências passadas poderiam influenciar resultados futuros e, assim, apostam nas dezenas mais sorteadas de todos os tempos (na ordem, 10 – 05 – 53 – 04 – 23 – 54).
Outras enxergam combinações místicas de resultados. Por exemplo, em junho de 2018, pela primeira vez na história os seis números sorteados pertenciam à mesma dezena: 50 – 51 – 56 – 57 – 58 – 59. Em fevereiro de 2015, um sorteio resultou nos números 01 – 02 – 27 – 28 – 46 – 47.
– Hummm, e o que estes números querem dizer?
Nada, nothing, nichts; absolutamente coisa alguma.
Cada número tem exatamente a mesma probabilidade de ser sorteado a cada rodada, o que significa que as chances do resultado ser 11 – 16 – 24 – 35 – 44 – 58 são exatamente as mesmas de 1 – 2 – 3 – 4 – 5 – 6, combinação, aliás, que nunca foi sorteada:
A propósito, a combinação anterior de exemplo tampouco foi sorteada:
Se o resultado de toda esta matemática é, nada mais nada menos, fruto do puro acaso, ou, como se isto pudesse ser quantificado, em ‘sorte’, por que as pessoas apostam?
Um estudo de 2013, publicado no periódico científico International Gambling Studies, compilou cinco motivos principais porque pessoas se enveredam em jogos de azar (ou “jogos de sorte”, cada um, cada um :)). Em tradução livre, o artigo “Why people gamble: a model with five motivational dimensions“, coloca como motivos para apostar:
- O sonho do grande prêmio: a projeção emocional do ganho;
- Recompensas sociais: jogo entre amigos, competindo, colaborando ou ostentando um comportamento de risco;
- Desafio intelectual: para casos onde há variáveis técnicas e/ou de habilidade para o ganho, além da pura sorte, como caso do jogo de Poker, por exemplo;
- Alteração de humor: jogos que despertam excitação e expectativa imediata, como em um Bingo;
- Chance de vencer: a real expectativa de ganho.
Destes, gostaria de destacar a diferença entre o primeiro – “sonho do grande prêmio” – e o quinto – “chance de vencer“. Enquanto este último desperta no jogador a real esperança sobre o ganho, ou seja, a aposta é feita com a expectativa sólida em vencer, independente das probabilidades matemáticas envolvidas nisto, o primeiro considera a sensação de prazer na projeção da expectativa de ganho. E isto, para mim, é o mais interessante!
Nas palavras do autor do estudo, “o jogador tem prazer na fantasia em se tornar rico…. Na Suécia, por exemplo, algumas pessoas compram bilhetes de premiação instantânea (nota minha: aqui chamamos de ‘raspadinha’) e ficam com eles guardados no bolso sem raspá-los, o que permite com que o indivíduo reforce o pensamento indulgente de que aquele bilhete pode valer 10 milhões e mudar sua vida.”.
Sonha-se com uma vida livre de preocupações financeiras, imagina-se quais seriam as primeiras ações após conferir o resultado vencedor, alimenta-se uma sensação de escapismo da realidade com a projeção da mudança; este é o prêmio da loteria para aqueles motivados pelo sonho do grande prêmio: a sensação (ainda que ilusória e transitória) de plenitude durante os momentos em que fantasia com a realidade alternativa que tantos milhões lhe proporcionariam.
Nas palavras jocosas de um amigo meu, psicólogo, “pra se sentir bem, R$ 3,50 por uma aposta é mais barato que uma sessão de terapia” – e posso imaginar escrevendo o próximo texto tomando um gin em Bali.