A newstalgia como forma de novas narrativas e Rosalía como uma representante do estilo na cultura pop

A newstalgia como forma de novas narrativas e Rosalía como uma representante do estilo na cultura pop A newstalgia como forma de novas narrativas e Rosalía como uma representante do estilo na cultura pop

Revisitar o passado nunca foi uma novidade para o consumo cultural, mas agora esse processo passou a ter uma relação com ancestralidade e se apresenta em formato de novas narrativas.

Bolinhas – ou poás -, estampas com cara de “vovó”, óculos vintage, sonoridade analógica, discotecagem com vinil, aparador de madeira “anos 60”…Nada disso é novidade em nossa indústria de consumo, pelo contrário, já tem até ares de mainstream.

O fato é que todo esse mood vintage (objetos antigo, geralmente bem preservados e usados nos dias de hoje) e retrô (estética atual inspirada em outros tempos e estilos) não é novidade pra ninguém, mas por conta de um contexto super contemporâneo, esse processo de visitação ao passado deixou de ser por pura curiosidade e passou a ser em busca de respostas.

A newstalgia é uma tendência de consumo que surgiu em 2018 e anda ditando bastante os estudos de comportamento desde então. A diferença dela para a famosa nostalgia é que essa “leitura de álbum de família” se soma a um contexto de mashup culture e serve para criar outros diálogos – novos, com solidez e referência do tempo.

Talvez, diante da inconsistência do presente, uma solução viável é nos agarrarmos ao passado como parte do processo de sobrevivência.
E as marcas entendendo esse “cantinho”, logo se aproveitaram para criar um ecossistema de consumo em cima da newstalgia. É o caso da Gucci, que antes era uma marca super adepta da “logomania” e agora foi buscar no seu passado recente uma nova forma de se comunicar, assumindo um tom mais cool e contemporâneo.

A newstalgia como forma de novas narrativas e Rosalía como uma representante do estilo na cultura pop
Imagem: Reprodução/ Gucci

“Estamos todos passando por essa fase de retorno às origens, de valorizar os antepassados. Ao mesmo tempo, eu acredito que isso acontece porque está todo mundo se sentindo meio perdido, com isso, você se volta para as questões familiares e para as relações íntimas. Um bom exemplo são as noivas que reformam os vestidos que foram da avó para se casarem”, explica a estilista e pesquisadora de moda Gabrielle Janchuki.

Como sempre busco gerar assimilações dos assuntos com a cultura pop, o trabalho de Rosalía me pareceu uma boa alternativa para nos aprofundar no assunto.

The Rosalía mood

A cantora espanhola nasceu em Barcelona e tem 25 anos. Carregando o mesmo nome da poetisa galega, uma das mais expressivas de sua época, Rosalía tem muito para contar. Expressiva representante do intitulado “new flamenco”, a cantora iniciou sua carreira em 2013 no Festival Grec de Barcelona, ao lado de Juan “Chicuelo” Gomez, um dos nomes mais importantes da música flamenca. De lá para cá, Rosalía só cresceu. Em 2016, ela lançou o álbum “Los Ángeles”, mas foi com “El Mal Querer”, seu mais recente trabalho, que ela transcendeu os limites da língua e se tornou uma estrela internacional. O álbum experimental e escrito pela própria cantora foi inspirado em romance occitânico do século XIV e no livro Flamenca. Cada faixa do álbum corresponde a um capítulo do livro e os temas principais são os relacionamentos tóxicos e a morte.

O álbum de Rosalía ainda traz uma sonoridade forte do R&B, urban pop, da música cigana e, obviamente, do flamenco. Esse mashup musical tem ligação com as diferentes fases da vida da artista e é como se, de alguma forma, essa releitura do passado – agora no meio desse mix– gerasse assimilação dos mais adultos e ao mesmo tempo – por conta da estética, sonoridade e contexto cultural – com os millennials e centennials.

Rosalía não renega o passado e nem o presente

Vídeo: Canal Late Motiv

Um bom exemplo de como a busca da cantora pelo passado a fim de criar narrativas é a resposta dela no programa de televisão espanhol Late Motiv no vídeo acima (trecho a partir dos 7m25s). Quando perguntada se ela achava que teria criado um gênero musical novo, Rosalía responde que tudo já está criado, ela apenas fez a leitura que ela achava correta.

A busca da ancestralidade e a necessidade de pertencimento

Segundo o psicólogo e professor da UNESP, Leonardo Lemos “o fato das pessoas buscarem a ancestralidade, com certeza tem a ver com o modo de viver contemporâneo, que vem da velocidade, da informação, da “não história”, do imediato. E me parece que talvez, esse contexto tenha criado um vácuo nas experiências e na vida. Talvez, esse processo de parar para olhar para o passado, de alguma forma é parar a velocidade com que a gente tem ido para frente. É uma forma de lidar com o tempo, ou tentar entender o tempo”

Segundo o texto “Experiência e Pobreza”, do filósofo alemão Walter Benjamin, em que analisa a Alemanha no início do século XX, a industrialização e a vida urbana, de alguma maneira privam as pessoas da experiência – experiência no sentido de pertencimento.

Uma das possíveis verdades sobre essa busca das origens, do senso de comunidade, pode ser por esse “tempo” estar em outro lugar que não o real, onde enfrentamos as questões do cotidiano muito menos romantizadas. O que conseguimos ver no trabalho de Rosalía, por exemplo, é que o passado traz a inspiração e mais verdade para o que ela faz e isso proporciona a identidade, algo muito buscado pelos artistas.

https://giphy.com/gifs/rosalia-con-altura-8gQUybpknqBbYH3VrA
Gig: Reprodução/ Clipe “Con Altura”

O ponto mais interessante de se concluir é o fato de como a cultura pop se conecta com esse passado de uma forma honesta e genuína, uma atitude vanguardista da Gen. Z. Seja em busca de respostas ou de autoconhecimento, a newstalgia vem trazendo identidade e um senso de verdade muito específico, como no caso de Rosalía.

Como a própria cantora diz na música Con Altura — sua mais recente parceria com J Balvin — em tradução livre: “isso é para ser histórico, tudo o que eu faço estoura” e não é que estoura mesmo?!

Y VIVA ROSALÍA, VIVA EL FLAMENCO Y VIVA LA NEWSTALGIA

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