Velhos fora do clichê

Velhos fora do clichê Velhos fora do clichê

Na última semana nossas timelines foram invadidas por velhos com rugas e cabelos grisalhos. Mas com uma diferença: eram pessoas velhas transpirando as mesmas características que habitam cada um dos jovens de hoje. E vimos postagens orgulhosas com textos carregando variações de “se eu envelhecer assim, está bom pra mim”. 

Velhos fora do clichê
Gentilmente roubada da timeline do João Vicente Castro

Envelhecer é uma das coisas que menos aprendemos a fazer. E é talvez a coisa que menos evoluímos individualmente e também como sociedade nesses últimos anos. Talvez seja mais correto até dizer que involuímos nesse sentido. Tanta tecnologia catalisou muitas mudanças, nos hiperconectou, mas também normalizou a exclusão dessas pessoas do admirável mundo novo. 

Mas vou te contar uma obviedade: o tempo está passando para todos. Agora há pouco olhei o relógio e vi que os segundos estavam passando. E tive inclusive a impressão de que estavam passando mais rápido do que ontem. Creio que Einstein e Hawking poderiam explicar bem essa sensação, ou talvez, esse fato. Mas o fato que importa é que estamos envelhecendo. E o que é certo nesse universo onde o espaço e o tempo são irmãos, é que o movimento do tempo não para. 

E quando um app bobinho (excluindo questões de privacidade) como o FaceApp invade nossa bolha na última semana, e ocupa um pouco do nosso precioso tempo, ele traz junto, e sem querer, uma sutil reflexão coletiva sobre a velhice. E provoca uma introspecção estética. Em alguma medida, cada um de nós que passamos pela experiência de ser ver retratado velho, refletimos sobre as diferenças das nossas imagens em relação ao padrão como a velhice é retratada. Enxergamos nossos rostos velhos, mas cheios de atitude, com personalidade forte, sorrisos cativantes. Esses velhos do app são sarados, tatuados, com estilo, com roupas legais, adereços, barbas, óculos, pulseiras e circulam em lugares desejáveis, com cara de que estão curtindo uma vida cheia de descobertas.

E essa visão um pouco diferente do normal retratado da velhice clichê é quebrado por uma velhice que pode ser muito mais diversa. Tão ou mais diversa do que a juventude. Porque seja você quem for, você continuará sendo você. Um você que tem mais rugas, que enfrenta mais limitações físicas, mas que poderá pensar e sentir igual a você e continuar se desenvolvendo até o final da vida.

No livro Fases da Vida, Bernard Lievegoed descreve o crescimento e desenvolvimento humano até a maturidade, e tem uma passagem muito boa que diz que “A inteligência cresce em estatura para tornar-se sabedoria, a habilidade para comunicar-se se transforma em delicadeza e a auto-afirmação se torna confiança”. Tornar-se velho é uma sútil transição de fases que permite continuidade de autodesenvolvimento. E a prática do autodesenvolvimento que busca equilíbrio das questões físicas, emocionais e espirituais, tem o potencial de transformar cada um naquilo que sempre quis ser. 

Brincar de se ver velho no app pode nos ajudar reconhecer que envelhecer não deve significar ser excluído da sociedade. Ter mais anos de vida significa acumular tempo e experiências sem cair nos que clichês que reduzem a diversidade. Talvez o fato de estarmos observando a nós mesmo como velhos nos leve a entender que temos um caminho cheio de aprendizados e autodesenvolvimento para trilhar . E arrisco dizer que esse app bobo que ocupou alguns bytes da nossa memória cerebral pode ter influenciado positivamente para valorizar os petabytes que se acumulam atrás de rugas e cabelos brancos.

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