Porque as ferramentas de busca e as pessoas na internet tendem sempre a concordar com você. E porque isso é uma epidemia crescente que você precisa evitar ativamente.
Não importa o tamanho da sua bobagem. A internet olha e diz: “é nóis”. Soquinho! ??
A internet é sua amiga. Daquelas que ficam sempre do seu lado, mesmo quando você não está com a razão. Ela não quer nem saber se o pato é macho. Quer ovo.
O Paul McCartney morreu em 1969 e esse que anda por aí é um substituto? Evidente que sim.
Tem alien morto lá na Área 51? Claro! Dois!
Você tem certeza que aquela bolinha no seu pescoço é uma doença em estágio terminal? Putz, a internet lamenta, mas é sim, fazer o quê, foi um prazer te conhecer, tchau, até a próxima.
Seja lá o que for, você sempre vai poder contar com a internet para mostrar ao mundo como você está certo.
Seja através das ferramentas de pesquisa, como o bom amigo Google, ou mesmo com de pessoas de carne e osso em redes sociais.
Mas peraí, tem uma turma que cai matando toda vez que comento alguma coisa!
Tem, claro. Mas não se preocupe, porque com o tempo eles vão desaparecendo. A tendência é o prevalecimento dos que concordam. Ufa… assim sim, mais agradável.
Mas como podemos ter certeza disso?
Porque é um fato, daqueles comprovados com o rigor científico, e muitos anos antes da internet existir.
Tem até nome – que você já deve ter ouvido falar: é o famoso “Viés de Confirmação” [WKP].
Basicamente, o Viés de Confirmação é uma tendência inconsciente de ir filtrando o mundo e deixando passar só o que reforça nossas crenças. E, como mencionei, não é de agora não. É uma característica humana, defeito de fábrica. Antes até era útil, coisa de cérebro reptiliano, sobrevivência e tudo aquilo.
Só que agora, além desse , digamos “defeitinho mental de cada um de nós”, temos um O database à disposição da nossa cabecinha doente. A internet está à postos 24/7 para nos fornecer um caminhão de argumentos sempre que necessário.
Ou seja, o que era apenas uma predisposição cognitiva, virou um exército de confirmações, seja lá do que for. “Tá vendo? Tá vendo? Não sou só eu! Eu te disse, eu te disse!”
TRILHA DO POST: I KNOW WHAT I LIKE AND I LIKE WHAT I KNOW (GENESIS)
Vou até propor que a gente avance nesse raciocínio sem a parte mais acalorada e evidente desse viés, que é a das opiniões. Você tem a sua, as pessoas têm às delas, como fica evidente cada vez que discutimos a política, a religião ou futebol. Uma arena pouco produtiva que pode confundir as coisas.
A coisa fica mesmo problemática quando entramos mais na parte que deveria ser, teoricamente, a mais factual. A verdade é que, hoje em dia não faltam “dados” e “argumentos” para suportar e comprovar, com todas as letras, o compartilhamento de um “fato”.
Aliás, não precisamos nem chegar nessa etapa do passar adiante, você mesmo pode ser alvo – e o maior prejudicado – dessa pseudo-confirmação de um devaneio amalucado qualquer. O exemplo mais clássico é o do “Doutor Google”, aquela irresistível pesquisa que a gente insiste em fazer quando acha que está doente ou que tem alguma coisa errada com a gente.
Você escreve “dor / braço formigando / infarte” e a internet vai te responder na lata:
“oh yes!”
Faça o teste.
Pensa aí em alguma afirmação absurda e coloca lá no seu search.
Tipo “Hitler foi uma encarnação do diabo”, sei lá.
O Google vai trazer uma página cheia de material que confirma que – putz – foi mesmo! Diabão!
Essa dinâmica, especificamente no caso da internet, ainda é muito por conta do sistema de busca por palavras-chave, um método que inicialmente foi muito útil mas que hoje em dia acabou virando uma faca de dois gumes, porque transformou o Viés de Confirmação em uma verdadeira e perigosa EPIDEMIA. E por mais que a tecnologia tenha avançado e que a busca tenha se aprimorado para ter uma semântica mais eficiente e inteligente, a força de uma palavra-chave ainda prevalece.
E, infelizmente, com direito a repercussão torta de todo um sistema jornalístico (cada vez mais tendencioso e menos comprometido com fatos) e de todo um network pessoal, tudo altamente influenciável.
O que fazer então?
Nunca foi tão importante e necessário você assumir o comando e a responsabilidade das suas pesquisas e do que você consome, de modo geral. E principalmente, criteriosamente. Com mente aberta, desafiando suas certezas pra ver se elas ficam mesmo em pé.
No mês passado, pela primeira vez na história, a maioria das pesquisas feitas no Google foram aquelas classificadas como “pesquisa de 1 clique”, aquela em que a pessoa pesquisou alguma coisa e já se deu por satisfeita com o que apareceu, sem cliques adicionais, sem mergulhar mais a fundo em nenhum link apresentado. Isso mostra (1) uma preguiça geral, (2) a crescente transformação do Google em quase-oráculo e (3) um prato cheio para o Viés de Confirmação.
Na prática, algumas dicas
• Pesquise também o contrário da sua afirmação. Se escreveu “bacon faz mal”, escreva também “bacon faz bem”
• Mude seu mindset de afirmações para dúvidas. Use “bacon faz mal ou faz bem?”
• Na interação com outros humanos, mantenha-se aberto e sem a necessidade ou pressa de concordar ou discordar. Pesquisar coisas leva tempo e quanto mais input melhor. Entenda a consideração alheia como input.
• Ao discutir, procure contribuir com fatos e sem querer necessariamente convencer. Compartilhe as coisas que descobriu, coloque mais dados na mesa.
• Alguns browsers possuem extensões que facilitam essa busca por pontos de vista contrários. Instale e experimente, pelo menos até criar o hábito desse olhar contrário.
• Use volumes como mais um recurso. Veja quantas respostas retornam com a posição A e quantas retornam com a B. Tem muito mais gente no mundo que acha que a terra não é plana do que aqueles que acham que é? Pode ser mais um input a ser levado em conta
Enfim, esses são apenas alguns truques para tentar minimizar a influência do viés de confirmação na sua vida, mas o mais importante mesmo é você ajustar o seu cérebro mesmo para deixa-lo mais preparado para isso, diariamente. Como tudo na vida, é treino. Confirmação é algo que deve acontecer láááá no fim de uma pesquisa e nunca logo de cara. Colecione dados, crie repertório, deixa as coisas maturarem um pouco dentro da sua cabeça e tenha uma visão mais verdadeira do mundo a sua volta.
Não que você precise concordar com isso ;)