“Bullying é frescura”.
“Isso sempre existiu, só não tinha esse nome”
“O mundo é assim, não adianta querer superproteger”.
Infelizmente o bullying ainda não é tratado com a mesma seriedade e destaque de outros tipos de processos discriminatórios como o racismo, a homofobia ou distinção de gênero. Com qualquer um desses, já conseguimos estabelecer um limite de tolerância zero.
Já imaginou ler/ouvir coisas assim por aí?
“Racismo é frescura”
“As mulheres tem que aprender que o mundo lá fora é assim, no fundo é até bom para ficarem mais competitivas, aprenderem a se defender”
“Homofobia sempre existiu porque ser viado é ser esquisito desde sempre”
Como você reagiria?
Qualquer uma dessas frases seria imediatamente rechaçada, em qualquer lugar. Indignômetro no talo, linchamento, grupos no Facebook, muitos likes. Mas com o bullying elas ainda são usadas com frequência sem que causem uma fração da indignação que a gente vê por aí, diante de outros tipos de discriminação. Claro que não estou querendo ranquear qual é o tipo de discriminação mais cruel porque todos são, e nenhum pode ser tolerado, nunca. Mas o bullying precisa de uma atenção emergencial porque sempre acaba em segundo plano. E pode ser um evento mais traumático do que racismo, pior do que um preconceito de gênero ou mesmo um desaforo homofóbico se considerarmos as implicações todas.
O bullying é uma discriminação intensa e explícita, física e emocional, arremessada contra uma pessoa desprotegida e sem mecanismo de defesa que possa amenizar o impacto. Suas consequências vão muito além das imediatas e têm a crueldade sofisticada de se misturar com a personalidade ainda em formação de uma criança. É o único processo discriminatório que chega a contar com a cumplicidade da vítima, que por imaturidade questiona a sí mesma antes de questionar seus opressores. Muitas vezes, inconscientemente, introjetada rótulos cruéis como verdade por uma a vida inteira, destruíndo confiança e autoestima, essas sim tão necessárias neste mundo competitivo.
Ao contrário do que acontece no racismo, ou na luta por uma igualdade de gêneros, a criança muitas vezes não entende que o imbecil é o outro e acha que ela é mesmo merecedora daquele tratamento. Um ser ainda tão imaturo e ingênuo que, diante de tantas outras crinaças populares, acredita que ela só pode mesmo ser uma versão piorada. E o evento passa e a impressão gruda que nem craca de navio na personalidade dela.
Bullying é tão brutal e intenso que seria como, sei lá, colocar uma criança no meio de um jogo de futebol americano, vestida só com uma bermudinha, camiseta e chinelo. Todo mundo lá cheio de ombreiras, capacetes, caneleiras, cotoveleiras, menos a criança. É uma covardia tão grande, tão desproporcional que nos emociona e nos faz pensar nos limites da crueldade humana. E se essa imagem remete ao aspecto físico, a parte emocional é INFINITAMENTE mais violenta.
Bullying é um bonsai de gente. Gente que nasceu para ser uma árvore frondosa, mas que é podada irremediavelmente ainda no começo da vida. Mas, como acontece entre crianças, o problema acaba ficando diluído na possibilidade de ser apenas mais uma brincadeira ou mesmo uma fragilidade individual.
Esse nome em inglês, “bullying” também não ajuda muito porque fica parecendo que é um problema de rico. Tinha que ser “tortura psicológica”, “personalicídio”, “estupro de alma”.
“Dona Maria, a Sra poderia dar um pulinho aqui na escola, é que seu filho, o Joãzinho, foi vítima de um estupro de hoje de manhã. Pois é… , foi no recreio, violentaram a alma dele”.
Se não fosse a alma e fosse mesmo algo menos poético que tivesse sido violentado, tenho certeza que a comoção era maior.
Já imaginou um negro na delegacia reportando que foi vítima de racismo e você escuta o delegado falando:
“As pessoas são assim, esse negro é que é muito sensível, não entendeu. Ninguém teve a intenção de ofender. Era só brincadeira…”
Enfim, pegue essa frase, que com certeza iria parar no jornal no dia seguinte, troque “negro” por “criança” e veja a coisa passando batido.
O assunto me irrita. Me irrita ver a postura de um enorme número de escolas que ainda lidam com o problema de forma pontual. Me irrita que o bullying ainda receba o benefício da dúvida.
- Bullying precisa ser tratado com tolerância ZERO
- Na dúvida, vale o exagero. É assim que se lida com um processo discriminatório. Se for para errar, que seja pelo excesso de zelo.
- crianças precisam ser conscientizadas e orientadas, mas precisam também ter MEDO de praticar um ato de bullying, do mesmo jeito que um torcedor que chama um jogador de futebol de macaco precisa ter medo de ser preso. Não é uma situação para ser tratada só na conversa, é imprescindível que haja limites claros e punições rigorosas.
Bom, achei que ia escrever só um parágrafo para apresentar a campanha abaixo, mas acabei escrevendo um monte. Desculpe pelo texto longo, é que realmente me irrito.
A campanha I am a Witness é uma iniciativa do Ad Council e a criação é da Goodby Silverstein & Partners, que convocou gente muito competente como o Moonbot Studios (que ganharam um oscar com aquele curta sensacional chamado The Fantastic Flying Books of Mr. Morris Lessmore’s) e o Mark Mothersbaugh, do DEVO, entre outros.
A ação mostra um curta de animação interativo com alternativa de final feliz ou ruim. E introduz um emoji que tem a missão de usar as próprias crianças como agentes de uma interrupção do bullying, assim que ele seja percebido, uma estratégia genial porque são mesmo as crianças que presenciam o problema e, ao ajudar a combatê-lo-lo, a parte educacional acontece de forma natural e não impositiva.
Para terminar, um convite à reflexão: eu sei que esse papo de bullying pode mesmo causar a sensação de “ah, faz parte”, principalmente se você não convive diariamente com alguma criança, porque provavelmente você usa sua própria infância como referência e releva. Se for este o caso, acho que você vai se surpreender se investigar o assunto com mais profundidade. O requinte de um bullying versão 2015, em rede, é de dar inveja em autor de novela, de tão elaborado. Tá feia a coisa, principalmente alí na pré-adolescência.
Se você é pai/mãe, ou acompanha uma criança, não dê mole para escola. Seja CHATO. Exagere. Ganhe fama de pentelho, de encrenqueiro. Você está lutando por uma criança. A reuniãozinha com a orientadora passa, mas o problema fica para sempre dentro da cabeça de uma criança. Reporte SEMPRE, porque normalmente a criança que pratica bullying só pára pra valer com a interferência dos seus próprios pais, que na maioria das vezes nem estão cientes do que o filho faz/fez. Quando você reporta, você também está ajudando essa outra família.
Se você é professor(a), orientador(a), bedéu… tome uma atitude ATIVA E PRÁTICA. Orientar é bom, IMPEDIR é vital.
O problema tem urgência. Tolerância ZERO com o bullying.
ASSISTA ESTE VIDEO INTERATIVO.