Incompetência estratégica

Incompetência estratégica.

Alguém do escritório está na impressora quando aparece a mensagem: PAPER JAM.

“Ai meu Deus! E agora? Isso sempre acontece justo na minha vez! Essa máquina tem alguma coisa contra mim! Como eu faço hein?”

A cena segue até ser interrompida por alguma alma caridosa que apareça para fazer o trabalho.

O termo é novo, mas a estratégia é tão antiga quanto o ser humano. Basicamente, incompetência estratégica é fingir que não sabe fazer alguma coisa para não precisar fazê-la. Mas o exemplo acima é nível amador. O verdadeiro profissional da incompetência estratégica sabe utilizá-la de uma maneira muito mais elaborada do que simplesmente se safar de desentupir o papel da impressora.

Você conhece essa pessoa. Ela usa a técnica há tanto tempo que aprendeu que não pode ser óbvia na incompetência, senão as pessoas percebem. O que ela faz? Ao invés de fazer uma cena, ela resolve encarar a situação. Mas faz tão mal que precisa ser interrompida, provavelmente para nunca mais precisar fazer.

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“Nossa, você ganhou. Podemos parar de brincar!”

Na empresa

-“Renata, você ficará encarregada da festa de final de ano da empresa”

-“Claro Dr. Onório, faço com prazer. Na verdade não tenho muita experiência nessas coisas mas… estamos aqui para aprender não é mesmo? Pode deixar!”

Uma semana depois o Dr. Onório recebe a pior lista de buffets, salgadinhos e docinhos. O show da festa é com um primo do interior, mas que faz o maior sucesso na região. E assim, a Renata nunca mais é convidada para organizar festa nenhuma da empresa. Renata um, Dr Onório zero. You win.

Na medida, sem dar bandeira

A arte é saber administrar o ponto, para não ser demitida. É preciso compesar em alguma outra coisa, mostrar que só é incompetente naquilo em que não está afim de fazer.

É a vitória da preguiça sobre a vaidade. E olha que ganhar da vaidade não é fácil. A tal Renata prefere omitir uma competência em favor do conforto de não precisar fazê-la. Prefere se expor publicamente pior do que é, só para se livrar do abacaxi. É uma vitória particular e silenciosa.

As crianças, por exemplo, desenvolvem naturalmente uma estratégia-irmã, que é a surdez seletiva.

-“Rodrigo, já escovou os dentes?”

– (…)

Aí ao seu lado

Nesse ponto do texto tenho certeza que já veio à sua cabeça vários nomes desses “João-sem-braço”, o pobre personagem incapaz de realizar tarefas pela falta dos membros superiores e expressão mais popular da estratégia.

É o “Migué”.

-“Como é que esquenta o jantar nesse micro ondas hein? É só colocar nesse pratinho de alumínio né?”

-“Deixa que eu lavo as roupas. Pode colocar essas brancas junto com as coloridas né?”

-“Eu não tenho condições de cumprir minha pena na cadeia, minha saúde anda muito mal, cof, cof, cof” (cara de pau)

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“Vamos lá, vamos tirar 10 nesse trabalho em grupo! Eu escrevo! “

A coisa pode tomar níveis ultra-profissionais, como no caso do russos que fingem serem distraídos e simulam um atropelamento para ganhar uma indenização ou processar o motorista (por isso os motoristas andam com cameras no painel, sempre ligadas e gravando).

https://www.youtube.com/watch?v=9GueM3uJcK4

Aliás, quantos casos de “afastamento do trabalho por incapacidade”, “aposentadoria por invalidez”, “auxílio-qualquer coisa” ou “cota de qualquer coisa” devem existir por aí justamente por uma incompetência estratégica muito bem desenhada, capaz de literalmente mudar a vida de um monte de pessoas? Tem gente sendo sustentada por mim e por você, PARA O RESTO DA VIDA, e a gente achando que o PAPER JAM era um bom exemplo.

Sua vez

E você?

Vamos lá, tá na hora de confessar alguma incompetência estratégica que você já tenha utilizado. Ou “de algum amigo(a)”, se preferir.

Eu até confessaria as minhas, mas o post tá ficando longo demais. ;)

9 comments
  1. “Aliás, quantos casos de “afastamento do trabalho por incapacidade”, “aposentadoria por invalidez”, “auxílio-qualquer coisa” ou “cota de qualquer coisa” devem existir por aí justamente por uma incompetência estratégica muito bem desenhada, capaz de literalmente mudar a vida de um monte de pessoas? Tem gente sendo sustentada por mim e por você, PARA O RESTO DA VIDA, e a gente achando que o PAPER JAM era um bom exemplo.”

    Só eu vi um puta preconceito aqui?? A pérola “cota de qualquer coisa”!!!! Acho que vai demorar pra que leia algo tão ruim.

    1. Oi Felipe. Não é um preconceito. Também, obviamente, não é uma regra. Mas tá longe de ser uma exceção. O post não está criticando nenhuma dessas iniciativas, mas sim quem se beneficia indevidamente delas simulando uma incompetência estratégica. Prejudicando diretamente aqueles que precisam de verdade de ajuda.

      Dois exemplos recentes são justamente as pessoas que fingiram precisar do auxílio emergencial da pandemia e as 15 fraudes nas cotas na Universidade de Brasília.

      https://g1.globo.com/ap/amapa/noticia/2020/07/13/quase-660-servidores-do-ap-pediram-auxilio-emergencial-pelo-app-e-receberam-indevidamente.ghtml

      https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/eu-estudante/ensino_ensinosuperior/2020/07/14/interna-ensinosuperior-2019,871946/unb-expulsa-15-estudantes-por-fraude-em-cotas-raciais.shtml

  2. Eu “desenvolvi” uma incompetência estratégica da qual muito me orgulho, pque é a melhor forma de se livrar de certos pedidos chatos, que as vezes a gente fica constrangido de dizer não, por virem de pessoas que gostamos.
    É assim:
    Exemplo 1
    -Kátia, vc pode me emprestar aquela sua coleção de partituras inéditas do Take 6 no próximo sábado?
    -Claro! Mas me liga na sexta, entre 4:37 e 4:46 da tarde (que é a hora que estarei disponível), pra me lembrar, pque se não, pode crer que eu vou esquecer.
    (Pergunta se a pessoa liga! Pffffff)

    Exemplo 2
    -Amiga, vc pode tocar no funeral do vizinho do tio da prima de minha afilhada que vai ser amanhã às 2:00 da tarde?
    -Posso, mas vc me pega em casa, pque meu carro tá na oficina.
    (Pergunta se a pessoa vai! Pfffff)

    BINGO!

    Toda vez que me pedem favores chatos, eu peço um outro mais chato ainda!
    hahahaha

  3. Belo texto. Se todos nós fossemos dispostos a pelo menos uma vez, realizar algumas tarefas que nos são solicitadas com afinco, alguns serviços prestados seriam bem melhores e eficientes. 
    Incompetência estratégica tem aos montes, que até fazem você desistir de solicitar algum serviço. Vide os famosos call centers.

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