Como gatilho de mudança de comportamento, o “novo normal” é tão eficiente que, de forma coletiva, consciente e arbitrária, todos, de pessoas a empresas e governos, tiveram o cotidiano revirado, seja como for, para um novo modelo de mundo.
Mas, classificar como “novo normal” um período de adaptação de um mundo em constante transformação, colocaria em risco a adoção, talvez tão urgente, de próximas grandes transformações que também serão tão necessárias em seu tempo quanto esta a que estamos nos adaptando, ao mesmo tempo que jogaria uma sombra sobre as rupturas com o “velho normal” do passado.
Live or let it die.
Recentemente, o Spotify comunicou que seus dados de consumo voltaram ao, veja bem, “normal”, não o novo, o velho. Claro, eles não usaram esse termo, mas a referência é clara. O comportamento recente de seus usuários foram considerados praticamente o mesmo antes da pandemia. Ah sim, ainda estamos nela.
Acho que desde que começamos a falar sobre lockdown, distanciamento, home office e todas as hashtags que viraram trends, estamos buscando qualquer notícia, fake news ou simpatia que nos permita, mais uma vez, colocar o pé na rua, dar um abraço e cantar em um estádio. Não sei você, mas eu me iludo frequentemente com isso.
O “novo normal” é uma mentira. Não há “novo normal”. Há um hiato entre o que fazíamos e o que vamos voltar a fazer. O novo normal se insere nessa janela de tempo e não depois dela. É nesse hiato que a transformação do mundo está acontecendo. É nesse hiato que estamos experimentando, experienciando, desconstruindo e arriscando mais, muito mais do que fizemos em, quem sabe, 50 anos. Qual seu melhor palpite?
Nunca a pauta da transformação, aquela que até há alguns meses era uma hashtag certa em posts no Linkedin, e que eu usei e uso bastante, foi tão verdadeira, quase absoluta. Lembra quando falávamos que a transformação digital seria o “novo normal” das empresas, mesmo sem usar esse termo? Pois é, por conta desse hiato, ela é o “novo normal” das empresas.
Antes, parecendo apenas tema de grandes eventos em que pagamos um bom dinheiro para ouvir ou palestrar sobre os benefícios necessários e consequências da não adoção, hoje, ouvimos podcasts, lives e webinars gratuitos sobre como fizeram e fizemos a transformação.
A mentira do “novo normal” se esconde no seu discurso. Estamos há bons anos falando a mesma coisa. Desde que eu fiz minha primeira apresentação sobre experiências com foco no cliente, há mais de 10 anos, eu ainda vejo empresas e pessoas discutirem sobre design como um pedido de cartão de visita para uma gráfica. Ainda estou esperando o design thinking ser um “novo normal”. Mas quem se importa?
Revoluções por minuto.
Vamos ser sinceros, o “novo normal” já está em sua edição 4.0. O iphone, em 2007, trouxe o novo normal; a internet, em 95, trouxe o novo normal; o Ford T, em 1908, trouxe o novo normal; a crise de 2008, trouxe o novo normal, a Netflix trouxe o novo normal, Floyd trouxe o novo normal. Alguém aí falou em revoluções industriais?
Essa bagunça de datas e fatos é proposital. Não trabalhamos mais com linearidade, estamos já falando sobre o multiverso quântico no café da manhã. Mesmo que não saibamos nada sobre isso.
Nós estamos vivendo transformações o tempo todo, o tempo inteiro. O novo, novo mesmo, é que talvez tenhamos acordado para a consequência mais importante, a descoberta mais relevante há muitos anos: a de que o discurso sem prática, a teoria sem aplicação, o empreendedorismo de palco, não muda mundo algum.
Vamos parar de achar que transformação é sobre tecnologia, e começar a transformar o mundo à nossa volta. Vamos parar de esperar que a economia melhore e começar a melhorar o modelo econômico. Vamos parar de falar em “novo normal” e normatizar que o futuro foi construído ontem para podermos aprender a viver no agora. Vamos falar de legado e gestão da mudança. O “novo normal” é ou não é uma mentira?
#fazsentido?