A Publicidade Vai Ao Cinema | O dilema das redes em “Privacidade Hackeada”

Documentário da Netflix mostra como as redes sociais afetam a democracia mundial e qual é o efeito disso.
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Certa manhã, ao despertar de sonhos intranquilos, o professor universitário, David Carroll, decidiu que processaria uma empresa por violação de privacidade. Ele queria saber o que as pessoas envolvidas sabiam sobre ele. 

“Privacidade Hackeada”, documentário da Netflix, revela como essa ponta de iceberg desarmou um enorme escândalo de vazamento de dados envolvendo a empresa Cambridge Analytica e as eleições americanas de 2016. 

A texana Brittany Kaiser (a cara da atriz, Julia Stiles) explica como as duas pontas se ligam. Durante alguns anos, Kaiser trabalhou na Cambridge Analytica criando estratégias eleitorais vitoriosas e disseminando como as redes sociais – em especial o Facebook – servem a complexa teia de aranha para capturar o interesse das pessoas. 

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Brittany Kaiser

Brittany tem bastante experiência. Antes de entrar para a Cambridge Analytica, foi ativista pelos direitos humanos e trabalhou para o comitê de Barack Obama, em 2008. Ela não exagera quando diz que fundou uma nova forma de fazer campanha. Atuou para o engajamento direto do público, popularizou boa parte formatos de conteúdo usados hoje e novas formas de aproximar o candidato do eleitor. Obama venceu assim. 

Ao lado de Alexander Nix, ex-CEO da Cambridge Analytica e ex-diretor do Strategic Communication Laboratories Group, uma consultoria de pesquisa comportamental e comunicação estratégica, Brittany Kaiser reconfigurou mais uma vez os rumos de uma eleição. 

A manipulação dos dados buscava especialmente os eleitores sem opinião firme ou propensos a mudarem de ideia. O trabalho da empresa era criar um perfil extremamente detalhado de cada eleitor americano. Sim, de cada um. 

O professor Carroll respondeu um quiz do Facebook. Você, provavelmente, já fez isso milhares de vezes. Logado em seus perfis, você curte páginas, conteúdos, segue outros perfis e espalha seu RG por cada canto da internet. Tudo de graça. Parece assustador, né? 

A dupla de diretores, Jehane Noujaim (que dirigiu o ótimo, The Square) e Karim Amer, trata o tema com respeito, sem atenuar sua face apocalíptica, plugando outros casos de manipulação como o Brexit, e em países como África do Sul, Etiópia, Malásia, México, Ucrânia e Quênia. O bom roteiro dá conta de explicar como o fluxo de trabalho funcionava na empresa e a cuidadosa montagem do filme nunca deixa o espectador perdido. 

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As denúncias de Brittany Kaiser foram amparadas pelo também ex-cientista de dados da Cambridge Analytica, Christopher Wylie, e pela investigação da jornalista inglesa, Carole Cadwalladr, do The Guardian. 

Mais bem resolvido do que seu primo pop, “O Dilema das Redes”, “Privacidade Hackeada” é um andar acima no debate de como as redes sociais estragam qualquer relacionamento humano justamente porque fecha seu tema no processo democrático. Não é só nos anúncios de sapato que você recebe ou na notificação de um amigo. Mexe no seu país, no que as pessoas acreditam, lutam, atuam. 

À medida que fica claro o envolvimento dos governos de extrema direita nos processos eleitorais, o limite entre realidade e ficção se afina. O que, de fato, está acontecendo? 

“Será que um dia teremos eleições legítimas de novo”, questiona Carole Cadwalladr, numa tentativa de explicar o quão grave é a situação. 

Não foi apenas o professor Carroll que acordou para esse pesadelo. Como no livro de Kafka, nossa transformação é assustadora. Viramos produtos. E é urgente reconfigurar o propósito das redes sociais, seja na vida, na publicidade ou na política. Se isso não for feito, qual será a próxima etapa da nossa metamorfose?

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