Eu moro em São Paulo e tenho a mania, que é acima de tudo um hábito profissional, de visitar, observar e fuçar em supermercados, shopping centers, lojas, pontos de venda em geral. Não posso negar, é uma fonte de prazer de um típico voyeur social. Mas não vem ao caso agora. O que quero dividir com vocês, leitores, são alguns insights que derivam dessas minhas peregrinações. Aliás, são muitos anos de peregrinação, porém vou me concentrar em dois temas mais importantes.
O primeiro tem que ver com a inspiração de Louis V. Gerstner (CEO IBM 1993-2002). Ele costumava dizer e pautava seu estilo de gestão pela certeza de que é muito perigoso olhar o mundo a partir apenas de nossa mesa de trabalho – e mesmo com a montanha infinita de informações e dados que brotam das múltiplas telas que gravitam ao nosso redor.
Bem, nessas andanças pela minha cidade e por todas as outras onde tenho posto os pés, aumentei minhas convicções de que o EX-CEO da IBM está coberto de razão. Não há big data que substitua o fruto do olhar, ouvir, bisbilhotar, conversar, observar, sentir, xeretar.
E, quando o voyeurismo acontece longe do local onde moro, o prazer da descoberta é ainda maior. Sempre volto com a mala cheia de novos ensinamentos. E, embora não sejamos propriamente artistas, sempre soam na minha cabeça os versos de Milton Nascimento: “Todo artista tem de ir aonde o povo está”.
Com exceção de algumas empresas, essa peregrinação não é um hábito muito disseminado e praticado pelos seus profissionais. E a distância social que nos separa da grande maioria do público para o qual trabalhamos construiu um alto muro entre nós e eles. Um muro alto e opaco. Onde vemos apenas as sombras que eles projetam, como no Mito da Caverna.
Este primeiro tema me leva diretamente para o segundo, que é evocado pelo título deste artigo. Afinal, que história é essa de que dignidade gera rentabilidade?
Há locais de compra frequentados por segmentos de pessoas, e que representam a maior fatia de nosso mercado, onde elas se sentem mais pobres do que realmente são! Por quê? Se você, um feliz membro da classe A ou, no máximo, B1, fizer uma peregrinação por esses corredores, prateleiras e gôndolas, vai entender.
São espaços em que o mau gosto dos recursos visuais, da arquitetura mal resolvida, do empilhamento de embalagens, das reposições em desordem, onde tudo isso drena qualquer sentimento de prazer que poderia acompanhar a compra. Onde o cliente não é, nem de longe, o que consta das cartilhas de negócio: a razão de ser para a existência do mercado. Muito menos seu soberano!
Por causa do descuido e da displicência visuais, acabam se sentindo como pessoas apenas toleradas nesses pontos de venda, e mais ainda se dependerem de algum recurso de atendimento mais profissional. Se acharem que estou exagerando, façam o rally da vergonha vocês mesmos e visitem pontos de venda fora da nossa bolha.
Porém nem tudo está perdido. Minhas peregrinações têm mostrado, também, um outro Brasil nestes espaços de compra para os segmentos de renda mais baixa. Tanto em varejo de alimentos e produtos para casa como de vestuário e lojas para reforma e construção.
São lugares onde se sente uma atmosfera de dignidade para o soberano cliente. Exemplos? Que tal provadores de roupa suficientemente amplos, onde você não se sente encaixotado? E atendentes de supermercados que te conduzem até o corredor onde está o que você procura? E informações de preço claras e visíveis, sem nada a esconder? E sacolas que não furam na primeira subida no ônibus?
Os indicadores dessas empresas – as que se preocupam verdadeiramente com seu público – são muito promissores. Creiam, estou falando de algo que vai muito além de uma visão inteligente de marketing. O que está em jogo é o compromisso com a dignidade.
Acreditem, dignidade gera rentabilidade. Uma equação tão simples como essa!