Eu sou de uma geração cujos pais colecionavam a “Seleções” (Reader’s Digest), uma “revista familiar” realmente maravilhosa, que por longas décadas fez enorme sucesso em várias partes do mundo e onde, muitos anos atrás, eu li a história que trago aqui.
Andor Földes (1913 – 1992) foi um renomado pianista húngaro (naturalizado americano), que deu importante contribuição à música de concerto através de uma discografia bastante expressiva e inúmeros recitais mundo a fora, tendo feito seu primeiro concerto aos 8 anos de idade, ao lado da Orquestra Filarmónica de Budapeste.
Mas sua história poderia não ter tido toda a glória que ele alcançou na carreira, se não fosse uma experiência única, que o impactou profundamente.
Földes tinha muitos conflitos com o seu professor de piano e isso o levou a uma crise pessoal aos 16 anos de idade.
Bem nesse período, um conhecido mecenas das artes o convidou para um chá, onde um grupo de pessoas recepcionariam Emil von Sauer (1862 – 1942), o grande virtuose alemão, que costumava visitar Budapeste anualmente e que era o último aluno vivo do mestre Franz Liszt.
Földes ficou eufórico pela rara oportunidade de conhecer um ídolo!
No decorrer da reunião, Sauer pediu que Földes tocasse alguma coisa ao piano e ele executou a “Toccata em Dó Maior” de Bach.
Sauer ouviu atentamente e pediu que ele tocasse outra peça. Földes sugeriu uma sonata de Beethoven e pôs toda a sua alma na interpretação de “Patética”.
Sauer pediu que ele prosseguisse e, então, ele tocou os “Papillons” de Schumann.
Ao final desse pequeno concerto, o grande pianista ancião de vasta cabeleira branca se levantou em direção ao jovem Andor Földes e, solenemente, deu-lhe um beijo na testa e disse:
“Quando eu tinha a sua idade fui aluno de Liszt. Depois da primeira lição, ele me deu um beijo na testa e me disse pra guardar muito bem aquele beijo, pois tinha sido dado nele por ninguém menos que Beethoven.”
E Sauer prosseguiu:
“Eu esperei muito tempo para transmitir essa herança sagrada, mas acho que você é digno de recebê-la.”
Sobre esse gesto cheio de simbolismo, Földes relatou:
“Aquele elogio de Sauer foi a coisa mais importante da minha vida! Seu beijo fez-me sair da crise em que estava mergulhado.
É possível que eu nunca tivesse chegado a ser o pianista que sou, se não fosse aquele incentivo de Sauer.”
Há uma impressionante potência no elogio!
Eu não estou falando do elogio bajulador, interesseiro ou que mima; eu falo daquela palavra que despeja luz e motivação na vida de outra pessoa.
Quem não gosta de ser ou ter seu trabalho reconhecido, apreciado e valorizado?
Isso não nos faz tão bem? Então por que tanta gente se nega a dar continuidade a essa corrente do bem?!
É fácil: porque reconhecer, apreciar e valorizar tem a ver com generosidade e generosidade, né? Não é pra qualquer um!
Acredito que possa haver os que não elogiam por distração ou mesmo por displicência e é pra esses que eu dirijo um simples conselho:
aquela máxima de “não faz mais do que a obrigação” não pode ser impedimento para se reter o elogio, porque mesmo a obrigação pode ser feita por uns com muita raiva e, por outros, com muito amor, então não é justo que esses dois perfis recebam o mesmo tratamento e sejam colocados no mesmo balaio!
Já que, normalmente, somos tão competentes em reclamar – o que é legítimo e um direito da cidadania – precisamos também exercitar o olhar crítico sobre as virtudes e esforços alheios.
As pessoas estão cada vez mais ensimesmadas; o mundo está cada vez mais hostil, por isso mesmo, mais do que nunca, precisamos de um mínimo de amabilidade, senão a vida em sociedade ficará cada vez mais insustentável e a gente pira de vez!
Nos tempos atuais já não cabe mais aquela figura do chefe durão, frio e inacessível, porque dentro de uma visão moderna de gestão, já é sabido que o bom relacionamento em qualquer nível hierárquico é o ideal, então, especialmente se você exerce alguma função de comandar pessoas (funcionários, alunos, filhos), elogie!
Mas elogie com sinceridade, porque só assim essa energia vai chegar bonito, fazer diferença e, talvez, ser determinante para uma guinada na vida do seu destinatário.
E a mágica pode, inclusive, respingar em você, porque gente satisfeita e confiante costuma ser mais produtiva e mais fácil de lidar.
E aí, pra quem você vai transmitir o beijo de Beethoven hoje?
Pra te inspirar, vai aí uma das últimas apresentações de Andor Földer, 2 anos antes de sua morte.
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Poderia citar a fonte?
Eu citei no 1º parágrafo, mas cito de novo: revista Seleções.
Só não sei qual foi o mês e o ano da publicação dessa história (matéria assinada pelo próprio Andor Földes), porque a revista era dos meus pais, como tbém mencionei no 1º parágrafo.
Excelente texto!
Muito obrigada, Tiago!
*Daqueles artigos que fazem o dia ser mais bonito, inspirador. Sem contar que também foi uma coluna ótima para ler com os ouvidos. Obrigado, Kátia.
Daqueles artigos que fazem o dia ser mais bonito, inspirador. Sem contar que também foi uma coluna ótima para também ler com os ouvidos. Obrigado, Kátia.
Nossa, que feedback legal, Bruno!
Fico feliz que vc tenha gostado e me deixado saber disso!
:)
Abração.