Listado como um dos maiores diretores de todos os tempos, David Lean é o mestre dos épicos. Seus filmes são grandes na forma e no conteúdo, e colocam os personagens para lutar com a natureza, seja física ou humana.
Esse olhar horizontal sobre como o homem enfrenta os ambientes mais inóspitos, ganha um contorno obsessivo no magistral “A Ponte do Rio Kwai”.
O filme fala de um batalhão britânico que se torna prisioneiro dos japoneses, durante a Segunda Guerra Mundial. Na selva da Tailândia, fugir da base militar onde todos estão é uma loucura tão grande quanto a própria guerra. É nesse ambiente que o coronel Nicholson (Alec Guinness) é obrigado a construir uma ponte estratégica para os japoneses.
Patriótico, ele decide então fazer a melhor ponte possível. A partir daí, David Lean coloca alguns pontos importantíssimos, como a paixão e a obsessão, o patriotismo e ufanismo, metaforizadas em dois extremos que precisam ser ligados por uma ponte.
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A racionalidade poderia muito bem ser esse elo. Mas, ser racional durante uma guerra tão sangrenta parece uma missão quase inatingível. Todos querem sobreviver, especialmente o malandro Shears (William Holden), que só quer escapar de tudo aquilo. Americano, Shears é o oposto de Nicholson. Não tem patriotismo, elegância ou fé. Sua coragem é oportunista e seu instinto é maior do qualquer valor. De novo, esses personagens fazem dois lados que devem ser unidos por alguma coisa. Compreensão?
A forma como o ótimo roteiro estabelece esses lados opostos que precisam de algo tátil para se unirem muda ao longo do filme, mas sempre tendo a construção da ponte como um apoio metafórico.
“A Ponte do Rio Kwai” não parece ser um filme de 1957. Sua produção é tão requintada, tão moderna e fluída, que é impensável imaginar isso ser feito hoje, em uma locação, fora de um estúdio afundado em CGI.
Lean é um gênio em transformar a locação em algo essencial da história, em um personagem vital para que a narrativa descame as falhas humanas e contradições cujos os grandes personagens são feitos. De “Lawrence da Arábia” à “Doutor Jivago”, ele explora como a reação dos homens e mulheres muda diante da total falta de civilização.
Buscar civilidade é, de certa forma, explorar a condição do outro; criar regras de convivência e conivência que estabelecem o domínio de algum sistema ou poder. Mesmo prisioneiro, o coronel Nicholson constrói a ponte para se mostrar superior aos japoneses. É um desprezo até racial que ele tem por eles. E na obsessão de ser superior, acaba ajudando o próprio inimigo.
Os 20 minutos finais são uma verdadeira aula de ritmo. Toda maestria de David Lean é vista na sua melhor forma: serena, coesa e elegante. É um domínio absoluto em manobrar as questões físicas e filosóficas debatidas ao longo do filme e estabelecer pontes entre elas de maneira a deixar o espectador sempre ciente do custo de atravessar entre uma ponta e outra.
No fim de “A Ponte do Rio Kwai”, talvez essa seja a verdade: criar pontes é uma necessidade civilizatória. Dinamitá-las também.
Onde ver: no Apple TV, Stremio