Por que mentimos?

Como diria o Millôr Fernandes, “Quem fala muito mente sempre porque se esgota o estoque de verdades.”
Por que mentimos? Por que mentimos?

Eu não minto.

Só quando minto que não minto.

Mentir é a arte de criar uma falsa crença na cabeça da sua vítima. É uma habilidade nata, evolutivamente programada e refinada em nossos cérebros de primatas gigantes. Os humanos podem mentir com mais desenvoltura porque podemos verbalizar nosso lero lero. Mas os outros animais também mentem. Koko, a gorila, por exemplo. Uma vez ela quebrou a pia do laboratório e em seguida, culpou seu gato.

Mentir é algo que todos nós fazemos sempre que surge a situação apropriada. E nem precisamos nos sentir assim tão culpados porque ser 100% honesto o tempo todo parece ser ótimo, mas pode ter consequências graves como naquele filme com o Jim Carrey.

Tipos de mentira

A mentira protetiva

A mentira é essencialmente um mecanismo de defesa. Quando você não quer que alguém fique bravo ou com raiva de algum erro que você cometeu, o procedimento reflexo é mentir, como todo pai e mãe sabem (sim, sempre sabem). Nesse caso se estabelece um protocolo familiar para manutenção da harmonia do lar em que filhos mentem sobre o que fizeram e pais mentem que acreditaram na mentira. Claro, dependendo do delito.

A mentira autopromocinal

Avançando para territórios mais complexos e deixando o terreno das mentirinhas funcionais, temos a mentira mais propositada.

Mentimos diariamente sobre tudo aquilo que pode afetar nossa classificação na famigerada hierarquia social. Mentimos para elevar a nossa posição no ranking dos humanos, para sermos aceitos e, eventualmente, recebermos um pouco de reconhecimento. Muitas vezes nem nos damos conta da frequência com que mentimos com essa finalidade. A Dopamina é um hormônio incrível e é muito fácil e conveniente “esquecer” do estimulo falso que usamos como gatilho, desde que a resposta cause o efeito desejado (likes, “lindaaaaaa”, e tudo aquilo). Ironicamente, também não nos damos conta que, geralmente, as pessoas que reagem… adivinha? Sim, também estão mentindo, óvio. Mas tudo bem, não é uma crítica. é nosso modo-operandis. É para o seu bem.

Não somos de todo maus, faz parte da nossa maneira de funcionar em grupo, muito antes desse mundo digital. Mas que as redes bombaram esse nosso lado, não há como negar. Agora podemos virtualmente distorcer e promover tudo o que queremos que as pessoas pensem sobre nós.
Mentimos sobre filmes que não vimos, a literatura que não lemos e lugares que não visitamos apenas para participar da conversa. Somos Stevens Spielpergs de nossas personas digitais, com muitos recursos a nossa disposição.

A mentira para gerar impacto

Mentiras que salvam ou comprometem formam essa categoria.

Mentimos para salvar outras pessoas de conflitos como naquela fez que você confirmou que a sua amiga(o) dormiu na sua casa.

Ou para promover conflitos, como naquela vez que você negou que a sua amiga(o) dormiu na sua casa.

A motivação varia de acordo com a pessoa que você está afetando com sua mentira.

Mentira para ser educado (comportamento pró-social)

A honestidade pode ser cruel. Por isso, mesmo que o vestido da sua amiga não fique bem nela, você diz “tá linda!” (a menos que seja uma amiga próxima, aí é seu dever impedir um desastre).

Às vezes, mentir é bom para você e também para outras pessoas. Como dar respostas com uma certa licença poética quando uma criança pergunta sobre questões mais maduras, aí é razoável, embora não seja de fato uma mentira, mas sim uma versão mais adequada da verdade (opa, essa expressão é boa de guardar hein?)

Mentir dá trabalho demais

Mentir é abrir um universo paralelo.

Depois de proferida a mentira, inicia-se todo um complexo processo administrativo da realidade alternativa que criamos mentindo para nós mesmos ou para os outros. É esse o principal motivo para o fracasso no ato de mentir: a incompetência administrativa.

Quando uma mentira está conectada a muitas outras coisas, temos que justificar essa mentira para cada uma delas. Como? Mentindo um pouco mais! Para que tudo pareça perfeitamente alinhado é preciso muita inteligência, criatividade e destreza para haver uma mistura harmônica entre doses exatas de mentira e verdade para fazer com queas pessoas acreditarem em você.

A vantagem de dizer a verdade é que você não precisa se lembrar do que disse.

Mark Twain

Mentira para encerrar conversas

Algumas pessoas com tendência a agradar os outros tendem a mentir com mais frequência porque não conseguem lidar bem com conflito. Em casos mais graves, podem ter medo do conflito. Nesse caso, uma mentira curta e monosilábica como um sim ou um não, impede que a situação escale.

Também mentimos todos os dias para perguntas protocolares como
“Como foi seu dia?”
“Como você está?”
“Como foi o trabalho / escola hoje?”

Uma resosta também protocolar geralmente é usada já que na maioria das vezes a pergunta é retórica, mas também para preservar nossa imagem no grupo social ou na família e não incomodar as pessoas ou para que não se preocupem desnecessariamente com nossas questões pessoais.

Mentira patológica

Mentiras usadas como ferramenta e a serviço do mal, que manipulam e enganam outras pessoas para conseguir benefícios. Me vem a cabeça, vejam vocês, os políticos. Por que será?

Enfim, os mentirosos patológicos são muito eficientes, operam com afirmações conflitantes dentro de suas mentes e acreditam em uma afirmação e ignoram completamente a outra.

Muitas vezes a mentira é sistêmica e formam a base dos nossos viezes cognitivos, preconceitos, estereótipos, crenças, falácias… tudo isso faz parte da patologia da mentira que vive em todos nós (e que aos poucos vamos, pelo menos, nos dando conta).

Mentir é um treco tão danado que você não pode confiar nem em você mesmo.

Principalmente, eu diria.

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