Estava contando os dias para a estreia de Cruella. Como a maioria das mulheres, cresci ouvindo histórias das princesas, apesar de na minha época elas ainda não serem todas da Disney e eu nunca ter sido super fã de nenhuma. Quando assisti Malévola, em 2014, adorei e percebi que preferia as vilãs. O filme, estrelado por Angelina Jolie, humaniza a personagem e mostra como ela foi para o “dark side”, depois de ser traída por seu amor, que cortou suas asas.
Quando vi que a próxima anti-heroína a ter sua história revelada seria Cruella, o espírito de vingança me dominou e logo avisei: meu marido, que me faz assistir tudo da Marvel, agora teria que ver o filme da Disney comigo. 😈
No final, o filme não decepcionou e ele acabou curtindo. Pensei em fazer uma lista com os motivos pelos quais vale a pena assisti-lo, mas ela basicamente se resume a duas coisas principais: moda e música. Como a crítica americana já disse, o longa é um banquete visual ao som do melhor do rock.
Não que as atrizes não sejam ótimas. As duas Emmas, Stone e Thompson, estão incríveis em seus papéis. Mas a trilha sonora e o figurino me conquistaram.
Genial e má (mas nem tanto)
A história da garotinha que fica órfã e começa a viver de furtos e golpes nas ruas de Londres, se passa nos anos 1970. Assim, a estética, a trilha sonora e o ritmo do filme são totalmente inspirados no movimento punk, surgido na mesma época. E isso é maravilhoso!
A pequena Estella, que se torna a jovem designer de moda Cruella, chega com um olhar revolucionário e original ao mundo da moda londrino, que era dominado pela Baronesa, estilista presa a antigos conceitos, tanto de criação quanto de apresentação de suas coleções.
A jovem criativa, que desde criança não se encaixava nos padrões, quebra expectativas, choca e chama a atenção pela criatividade e pelas performances que cria para trazer os holofotes para si e ganhar espaço.
As referências a Vivienne Westwood, sua loja Sex e aos Sex Pistols são muitas! O figurino também tem toques de Alexander McQueen e uma bela cena inspirada em seu Butterfly Dress.
Espírito punk
Vivienne Westwood e seu marido, o empresário Malcon McLaren, foram os responsáveis pela criação e disseminação da estética punk em Londres. As peças criadas por ela captaram o espírito de revolta contra o sistema e as tradições dos jovens britânicos da classe operária, que sofria com crise econômica e desemprego nos anos 1970. A designer começou criando camisetas estampadas com frases e imagens que criticavam o status quo. As peças eram remendadas com pins, badges, alfinetes e até ossos costurados e vendidas em uma pequena loja, chamada Sex, que se transformou em referência para artistas e fashionistas.
O figurino de Cruella captura uma fase posterior das criações de Vivienne, quando passa a desfilar na London Fashion Week e mistura a alfaiataria e padronagens tradicionais inglesas com vestidos de saias volumosas e corsets, temperados com um toque romântico, principalmente depois da coleção Anglomania, de 1993.
Sempre com forte posicionamento político, a estilista apresentou em 2005 a coleção Propaganda, com peças desconstruídas, inspiração militar e muitas camadas de tecidos diferentes, como os que aparecem em Cruella.
Happenings
As aparições de Cruella são sempre impactantes. A apresentação do icônico casaco de dálmata print, ao som de I Wanna be Your Dog, dos Stooges, que interrompe o desfile da Baronesa, remete à apresentação que os Sex Pistols fizeram durante o Jubileu de Prata da Rainha, em 1977.
Proibidos de tocar depois do lançamento de God Save the Queen, alugaram um barco, sugestivamente chamado Rainha Elizabeth, e fizeram um show (com som ruim, porém animado) do meio do Rio Tâmisa, em frente ao Parlamento, durante o evento de comemoração dos 25 anos de reinado. No fim, a polícia acabou com a festa, mas a banda conseguiu chamar a atenção. Uma curiosidade: o aluguel, de 500 libras, foi pago por Richard Branson, que também estava na festa e se recusou a sair da embarcação quando os policiais chegaram.
Artie e Jordan
Artie, o dono da loja de roupas vintage, que ajuda Cruella com suas criações, lembra muito Jordan, uma das personagens marcantes da época, que trabalhou por algum tempo na loja de Vivienne Westwood e chegou a se apresentar com os Sex Pistols.
Originalidade
Quando criança, ainda como Estella, a menina super criativa sofria na escola por ser diferente. Ao se tornar adulta, tenta se adequar aos padrões. Porém, é quando mostra sua originalidade (depois de uma bebedeira) que começa a ser reconhecida.
Suas criações se mostram inovadoras frente à moda tradicional, o que cria um paralelo com a cena punk da época, que falava sobre auto-expressão contra as tradições. Fresco e provocativo, o movimento buscava inspirar as pessoas a quebrar regras e ultrapassar limites, assim como a jovem estilista.
Música
A trilha sonora é muito boa e já é uma das minhas playlists favoritas. Traz originais e regravações de músicas de vários artistas da época, como The Clash, Blondie, The Stoogies, Bowie e Suzi Quatro.
Mas também tem muita coisa boa de outras décadas, de Nina Simone, Nancy Sinatra, The Zombies e Bee Gees a Florence + The Machine, passando por The Doors, Deep Purple e Queen.
Além de tudo, tem Rolling Stones no começo (She’s a Rainbow) e no final (Sympathy for the Devil). Não tem como não ser bom, né?
É claro que tudo isso foi feito de forma a se adequar a um filme Disney, bem família e palatável a crianças. E essa é a parte mais legal!
Fica aqui minha esperança de que o longa que está recebendo tanta publicidade desperte o interesse e o gosto das gerações mais novas pela música e pelo universo tão incrível do punk rock, cheio de mensagens importantes e histórias de artistas incríveis, mas que foi reduzido a uma visão estereotipada com o passar dos anos.
Já assistiu Cruella? O que achou?