Dizem que não existe fórmula mágica e nem receita certa de sucesso. Mas parece que existe sim.
Foi o site Rest of World o primeiro a levantar a suspeita, ao identificar centenas de playlists com nomes relacionados ao hit de Anitta, como “Envolver #1”, “Stream Envolver”, “Envolver 20x”, por exemplo.
Depois disso, outros grandes veículos como o G1, Folha, GQ Brasil, Veja, R7, UOL, Rolling Stone entre muitos outros também tomaram conhecimento da manobra, além do próprio Spotify, que no momento segue investigando o caso.
Em alguns casos, o autor da playlist incluía instruções para burlar o algoritmo, como “toque uma vez por dia, sem modo aleatório”. Em várias das playlists, a música Envolver aparece repetidas vezes, interrompida por uma ou duas músicas — provavelmente, também uma forma de tentar contornar contenções do algoritmo. O Spotify consegue detectar e interromper uma única música que esteja sendo tocada indefinidamente e o uso de playlist contorna essa questão.
Entre as ações dos fãs de Anitta sob suspeita estão manipulação do algoritmo de resultados do streaming, com a divulgação de métodos e uso de redes VPN para reproduzir as músicas várias vezes com novos IPs (burla o protocolo-raiz, que permite identificar um equipamento com acesso à internet); e também o possível uso de “robôs” (bots) para reproduzirem a música indefinidamente.
O mais grave, no entanto, é que a própria cantora participou ativamente nas redes para estimular o “engajamento”, o aumento do número de audições e até mesmo a manipulação do algoritmo. Só no Instagram a cantora tem 64 milhões de seguidores. No Twitter e no Facebook, quase 16,5 milhões em cada.
Como informou o “Olhar Digital”, um perfil oficial de Anitta retuitou uma internauta em 14 de março passado, orientando que, para aumentar a popularidade da cantora, era preciso montar “playlists” com sua música e sempre lembrar de “usar contas diferentes no Spotify”, além de “lembrar de trocar de contas”.
O impulso não só colaboraria com uma projeção de imagem de sucesso da cantora, como também nos ganhos em “royalties” pela música, valor calculado de acordo com a porcentagem de reproduções numa determinada região.
Déjà vu
No ano passado, um youtuber norte-americano, professor Scott Lowe, professor de língua inglesa e amante da cultura brasileira, também levantou suspeitas sobre o “tamanho” das reproduções e nº de comentários para o então lançamento “Girl From Rio”. O youtuber avaliou que o lançamento do “hit” fora feito sob medida para o mercado norte-americano, mas que ele quase não via postagens de seus conterrâneos nos sistemas de comentários do YouTube, ou de outras redes.
O que diz o Spotify
O serviço de streaming Spotify enviou o conteúdo de seus termos e condições que precisam ser aprovados por todos os artistas, personalidades e criadores de conteúdo diversos que usam a plataforma:
“Quando identificamos ou somos alertados sobre casos potenciais ou confirmados de manipulação de stream, tomamos medidas que podem incluir a retenção de royalties, a correção de números de streaming e medidas para garantir que a popularidade do artista ou da música seja refletida com precisão em nossos gráficos. O Spotify reserva-se o direito de remover conteúdo”.
“A matemática não mente”, diz equipe de Anitta
Em carta aberta relacionada ao caso, o assessor-chefe de comunicação da equipe de Anitta, Paulo Pimenta, defendeu o mérito da cantora na conquista do Top 1 mundial do Spotify, sem explicar muita coisa. “Muito se fala sobre Envolver e seu sucesso que dura até hoje no top 50 global do Spotify. A primeira cantora latina a chegar à posição #1 de forma solo é brasileira e se chama Anitta”, afirmou.
Fake Streams
A manipulação algorítmica é uma praga digital (e obviamente criminal) que engana zilhões de pessoas todos os dias, não só com plataformas de áudio como Spotify. Desconfie de posts de Instagram que tem, por exemplo, uma singela citação com MILHARES de likes (conheço vários), videos inexplicavelmente bombados no YouTube, manipulação política, manipulação ativista, etc. A comercialização de engajamento engana as plataformas e os usuários e distorce percepções. Não incentive esse tipo de prática, bloqueie a fonte, denuncie sempre, porque isso desencadeia um processo de investigação importante.
A matemática não mente. É verdade. Mas infelizmente é facilmente manipulável.