Em vez do canto das torcidas, o estádio do Mineirão, em Belo Horizonte, ecoou o samba de Zeca Pagodinho, o pop de Gloria Groove e ainda viu a baianidade de Margareth Menezes e do Baianasystem casarem muito bem com o rap de Black Alien.
Em sua oitava edição, o festival Sarará juntou no último sábado (28) uma Seleção. Para abrir o evento, escalou os onipresentes Gilsons e Marina Sena. Enquanto os filhos de Gil convidaram Rachel Reis ao palco Amstel, a mineira levou o show sozinha ali do lado, no Palco Jameson. À vontade, Marina empolgou o público de 40 mil pessoas com facilidade com Por Supuesto, Pelejei e Amiúde. É bom ver o quanto ela afina seu show a cada festival.
Pabllo Vittar entrou em seguida. Mesmo sem banda, apenas com DJ e seus dançarinos, a artista fez uma apresentação que mexeu com o público. Foi o primeiro momento onde eu me preocupei com o que tinha embaixo do Mineirão porque o chão tremia muito. Quando Rajadão começou, para se ter uma ideia, era mais ou menos como estar em cima de uma batedeira industrial.
A toada de balada poderia ter esgotado o festival ali. Que nada! Zeca Pagodinho, em show aguardadíssimo, mandou Verdade logo de primeira. O carisma do cantor é um colosso. Zeca interagiu com os casais, fez homenagem a São Jorge, tomou uma taçona de vinho, e mandou Vai Vadiar, Mais Feliz e Deixo a Vida me Levar com a energia de um popstar. O samba de Zeca é uma espécie de imã que vai atraindo estilos, gostos, amores e histórias. De quebra, Zeca ainda fez surpresa e chamou Emicida para brincar um pouco.
Os dois palcos principais, Amstel e Jameson, ficaram lado a lado. A estrutura e organização mandaram bem. E ainda que a visibilidade dos dois palcos principais fosse menor para quem estava fora da pista premium, o fluxo das pessoas foi sossegado. Já o ritmo acelerado do festival obrigava o público ou a ficar concentrado ali ou escolher quais shows dos palcos vizinhos seriam suprimidos. A versatilidade não foi problema, não. Ao mesmo tempo, Mc Drika estava no Palco Paredão, uma novidade desta edição, e Princesinha da Paz se apresentava no palco 1010.
Até este momento, já tinham passado pelos palcos paralelos nomes como Karol Conká, Rebecca, Linguini e Baile Room.
De volta ao palco Amstel, Emicida fez mais um show poderoso. Impressionante como a turnê “Amarelo” ganha contornos, camadas, e fica mais sólida enquanto espetáculo. É político, sem deixar de ser emotivo. Emicida mescla esses tons com naturalidade e faz suas músicas verdadeiros manifestos pela arte. É só ver como Cinthya Luz pegou rápido os vocais da Drika Barbosa em 9vinha ou a ótima participação de BK e Orochi, que ainda protagonizou uma sensacional batalha de slam com Emicida.
Pabllo Vittar tocou mais cedo no festival. Já pensou se ela também aparecesse em AmarElo? Não rolou. Mas, a falta desta surpresa não tirou o brilho do show. Ao contrário, a mistura de artistas convidados refrescou o espetáculo e criou momentos originais.
Misturar para sentir. O Festival de Sentir, como é o apelido do Sarará, levou o conceito à sério na homenagem criada por Elza Soares. Na ausência da cantora, falecida em janeiro de 2022, o palco se encheu de música. Teresa Cristina, Paula Lima, Luedji Luna, Nath Rodrigues e Júlia Tizumba, evocaram o repertório de Elza e encerraram o show ao som de A Mulher do Fim do Mundo com seu poderoso refrão, agora na forma de uma oração: “Até o fim eu vou cantar, eu quero cantar, eu quero é cantar”.
Gloria Groove veio com tudo. Foi a segunda vez que eu pensei “tomara que não passe um metrô aqui embaixo”. A galera pulou com força. E isso foi o metrônomo do show. A artista devolveu o ânimo do público com uma apresentação cheia de bons momentos, com trocas de roupa, apelo visual, e uma banda que facilita muito o trabalho de dar peso ao espetáculo. Faz diferença ter gente de verdade com o dedo no pulso, sentindo a temperatura.
Existe uma fenda na música brasileira que faz os fãs de Gloria Groove e BaianaSystem toparem no mesmo lugar e se abraçarem e cantarem como se fossem um só. A magia da nossa cultura faz esse tipo de coisa ser quase um dendê a mais nos festivais. Fica ainda melhor quando Margareth Menezes entra nesse caldeirão.
A poção que saiu desse show do Baiana System é um daqueles momentos que valem um festival inteiro. Bastou Russo Passapusso cantarolar “Eu falei faraó” que o Mineirão virou uma sucursal do Pelourinho. Que apresentação espetacular! O Baiana criou um arranjo para a música e Margareth Menezes, com a voz e a presença de uma entidade da música, fez uma performance memorável. Por mim, ela volta no próximo Sarará como atração solo.
Black Alien também. Ao surgir como convidado, o rapper não deixou o show cair, botou seu estilo e devolveu o palco para Russo com muita categoria. Fosse um pênalti, Black Alien tinha feito gol.
Gloria Groove e Pabllo Vittar mexeram o estádio. O BaianaSystem me fez ter certeza da eficiência do engenheiro. Faltou Água, Catraca e Navio? Faltou. Mas o que eles fazem em Sulamericano e Lucro não deixa margem pra gente cobrar.
Depois de dois anos de ausência provocada pela pandemia, o Sarará pisca para edição de 2023 como quem diz: Saravá.