O ato de escrever é para mim algo que flui naturalmente, independente do estado de ânimo ou circunstância. É quase como respirar ou alimentar-me. Tenho a todo momento reflexões sobre os mais variados assuntos, o que me leva a transcrever essa enxurrada de palavras e frases em um arquivo de computador, criado e formatado justamente para este fim. É como se fosse um tipo de bloco de anotações, no qual jogo as informações sem qualquer tipo de refinamento ou correção, e nele deixo guardado para uma avaliação posterior. Depois de um tempo, costumo reabrir e daí sim desenvolver, resolver pendências e aprimorar o texto criado, de acordo com a ideia inicial sobre o assunto em questão.
Só que nem sempre foi assim. Isso foi algo que aprendi em um dos livros que comprei sobre escrita criativa. Algo bem legal, pois me fez perceber que ao agir assim, posso fugir da obrigatoriedade [desnecessária] de correção enquanto digito. Percebi que com a técnica de simplesmente escrever o que vier à mente, deixo o fluxo de criatividade fluir livre, já que antes costumava gastar tempo reparando inconsistências ortográficas, gramaticais ou erros de digitação enquanto escrevia e todo meu processo criativo ia para o ralo, enquanto eu acabava por esquecer o que pretendia escrever. Meu fluxo criativo é bem intenso e escrevo no modo hiperfoco, enquanto ignoro qualquer outra coisa que não seja apenas transcrever as ideias da minha cabeça para um arquivo de computador.
Mas nem sempre foi assim e para chegar até aqui foi um longo e árduo processo de aprendizado, repleto de obstáculos, sentimentos de frustração e o desejo frequente de desistir por achar que não tinha talento e que escrever não era para mim; um pouco disso em função da dislexia e do deficit de atenção que me rodeiam nessas horas. Eu tinha boas ideias mas era péssimo em transcrevê-las para o papel e mais recentemente para o computador. Vivia perdido entre palavras e expressões, numa tentativa maluca de achar o termo certo para o que pretendia dizer, sem me tocar de que o importante era apenas escrever.
Não lembro ao certo quando tudo começou, pois foi ainda na infância que tive meus primeiros experimentos com a escrita, ao apresentar longos trabalhos escritos, onde defendia teses sobre os assuntos dados em aula – principalmente ciências. Lá por volta dos 15 anos ou mais, comecei a escrever coisas aleatórias em cadernos e agendas velhas. Escrevia sobre minhas observações diárias, meus sentimentos e minhas inquietudes adolescentes repletas de imaginação.
Passados alguns anos, adquiri uma máquina de escrever portátil – que fora emprestada por um amigo, sem prazo de devolução. Minha escrita era simplória, quase como num diário, sem muito zelo pela escrita mas sim pelas ideias [ao contrário da fase da adulta] e meus textos eram pautados nas observações que fazia e no comportamento das pessoas, o que de certa forma despertou em mim o interesse pela área comportamental.
Foram anos de tentativas, erros, críticas [positivas e negativas], alguns pensamentos nebulosos sobre a existência humana que permeavam minha mente e deixavam dúvidas sobre se escrever era o que efetivamente eu queria fazer. Pensei algumas vezes na possibilidade de desistir, por achar meus textos pobres de conteúdo, de linguagem limitada e com muitos erros ortográficos, por conta de algumas dificuldades na memorização de regras gramaticais que me frustravam bastante e tornavam tudo mais difícil para na hora de escrever do jeito correto.
Esses percalços interferiram negativamente no meu processo criativo, pois fazia com que eu perdesse tempo com a ortografia, em vez de priorizar o processo criativo em si – sim estou sendo repetitivo propositadamente. As coisas pioraram quando ingressei na faculdade de letras, na ilusão de que encontraria lá todas as respostas que fariam de mim um escritor de fato – o que infelizmente não aconteceu. Na faculdade descobri que para ser escritor, antes de tudo é necessário ter a semente da escrita plantada na alma – disse para mim a professora de literatura durante uma conversa sobre meu futuro como escritor. De nada adiantaria a faculdade ou os cursos sobre escrita criativa, se na essência, a alma e a visão holística de um escritor estivessem ausentes.
Passados alguns anos, entre tantas tentativas, leituras e estudos sobre o assunto, meu processo criativo melhorou significativamente, pois comecei a prestar mais atenção em outros autores que notoriamente tinham um modo de escrita semelhante ao meu. Isso trouxe segurança e ainda mais vontade de seguir adiante com meu objetivo maluco de ser escritor. Só que para chegar até onde cheguei, foram anos de leituras sobre o assunto, escrita constante, erro atrás de erro e bastante resiliência para não desistir de tudo por achar-me insuficiente para o propósito de escritor – lembrem que disléxico e por conta disso meu esforço é bem maior na hora de escrever e pensar o texto.
Procurei buscar métodos que melhor se encaixassem ao jeito de pensar, enxergar e escrever sobre os assuntos do meu interesse, dentro de uma lógica que possibilitasse a qualquer um ler meus textos, da mesma forma que pude encontrar isso em escritores que li durante a adolescência e que possuíam uma narrativa didática e de fácil assimilação para mim.
Escrever para mim é algo que faço com a ‘alma’, pois escrevo com paixão, dedicação, persistência e resiliência. E se hoje alguém me perguntasse se faria tudo novamente, certamente diria que sim e ainda complementaria com a seguinte frase: “Quer escrever? Escreva diariamente, não ligue para as críticas negativas ou o medo de errar e faça disso um hábito. O resto é consequência”.
Me identifico bastante com esta sua declaração Marco. Meus melhores textos (na minha opinião) surgiram de um contínuo dump de paixão em palavras. Não a toa, estes que considero minhas melhores produções foram os que mais engajaram com quem leu, alguns deles inclusive estão publicados aqui. Me esforço para, também, escrever todos os dias, errar e me frustrar e rebuscar até que, claro, um lampejo criativo mas calejado de resiliência ou até “antifrágil”, entrega um texto que, assim meio que com um olhar enviesado, simpatizamos e colocamos no mundo. Para mim a grande descoberta foi deixar fluir.