Você também passa pano para o overconsuming?

Agora que domesticamos o oversharing, precisamos falar do verdadeiro vício invisível: o consumo compulsivo do feed-cigarrinho.
Pessoa consumida por excesso de conteúdo digital. Pessoa consumida por excesso de conteúdo digital.

Falar sobre oversharing é piada de prateleira, é tipo o bug do milênio ou falar que bom mesmo era quando a gente soltava pipa por aí, afinal, quem hoje não vomita e/ou edita a vida no feed? Tudo é publicado: do café da manhã ao breakdown existencial, do pôr do sol frio captado de um carro parado no trânsito até um gif de chuteira. O choque não causa mais revolta, virou rotina.l, a gente já se acostumou. Logo, não adianta mais criticar quem se expõe demais: o escândalo já foi domesticado e tá tudo bem.

Mas o que ninguém parece olhar de frente é o silencioso overconsuming. O ato passivo de não postar nada, mas prestar atenção em tudo. De não falar, não interagir, não curtir, ser o primeiro a ver, o último a desligar, entretanto: estático. É devorar no silêncio, como se fosse invisível mas guardando tudo nas gavetas internas.

A audiência brasileira como palco

A total exposição que normatizamos precisa de espectador. E o Brasil é um dos países mais atentos. Somos o povo que cria influenciadores do nada, da cadeira do avião ao tropeço sem sentido, deslizamos feed com voracidade. Passamos em média 9 horas e 13 minutos por dia conectados à internet. Com ajuda do GPT fiz um cálculo pra ver quanto a rolagem de tela daria em kms numa semana: a média de 9 horas de no mês, bate mais de 4km de scroll. É um cálculo simbólico, passível de erro em alguns metros mas é assustador e, certamente, o scroll não é gerando conteúdo, interagindo, as vezes é, simplesmente, se entupindo da dopamina, ilusões, depressoes, medos e memes reenlatados de 15 anos atrás (sim, o seu algoritmo também entende sua nostalgia).

Dopamina, brainrot e empilhamento

Esse consumo não é inocente, cada dedada, reels, carrossel, stories visualizado e que você não interagiu, é isca de dopamina. Estímulo atrás de estímulo, repetido, banal. E, lenta mas seguramente, o que era impulso vira brain rot, aquela sensação de mente entupida, cansada, saturada. É a sensação de no meio da tarde bater uma exaustão, falta de ânimo e achar que seu dia te engole.

Com o tempo, o overconsuming pode se transformar numa mochila invisível de cansaço psicológico, ganhar músculo para uma depressão disfarçada, introspecção desfeita, autoimagem corroída e mil inseguranças. Claro que tem o lado positivo (ou a fantasia que justificamos), “vejo todos meus amigos”, “não perco contato com ninguém”, “é bom saber como tá sendo o rolê lá” – será? O quanto que estar ali de audiência nos conecta de verdade com os outros? Hum…

A normatização do oversharing

O oversharing já foi o monstro. Agora virou banalidade. Todo mundo faz, todo mundo molda o que quer, quem julga já é considerado até chato, não gera mais choque. Não vale mais a denúncia, ela já está vencida pela normalização.

Mas o overconsuming? Opa, esse sim merece palco urgente, introspecção e fiscalização pessoal. É a nova nicotina digital: um vício silencioso, sem fumaça, sem rastro visível mas que certamente vai enterrar a gente mentalmente muito mais cedo.

Chegou a hora de virar o microscópio para dentro. Pegar os dedinhos que apontam pra gente e não criticar o velho e bom oversharing do outro – que você mesmo está consumindo. Hora de mapear nossos scrolls, tempo de tela, relevância, se aquilo não desregula nosso emocional, se não ficamos nos medindo em métricas bobas que fazem a gente refém de um sistema tão sem rumo. Faz mais bem ou mal? Me deixa mais aflito e ansioso ou eu realmente suspiro com paz no coração e emocional tinindo? Não devia ser só para crianças: chegamos num ponto que é muito inteligente olhar para isso e regular como o consumo de açúcar, drogas e álcool, incluir telas e ilusões, juntas.

Você pode até não postar nada mas o voyeurismo digital é nocivo.