Parassocial: palavra do ano e sintoma da década

A palavra do ano que representa uma tendência socialmente deprimente. Será que é só daqui para baixo?

Em 2025, o Cambridge Dictionary elegeu parassocial como palavra do atual ano. Não por fofoca acadêmica, mas porque isso virou a nossa forma central de relacionamento. O mundo tem mais de 8 bilhões de pessoas, mas cada um se conecta emocionalmente, sozinho, com duas dezenas de avatares, criadores, celebridades, streamers, personagens, fics e IAs. Isso (ou você) não é exceção.

Segundo o Global Web Index, 47% da Geração Z afirma sentir mais conexão emocional com criadores do que com amigos. A pesquisa Loneliness in the Digital Era, da Cigna, mostra que a internet reduz a solidão, apesar de aumentar a sensação de isolamento. A Nielsen aponta que o brasileiro passa 9 horas por dia interagindo com alguém que não sabe que ele existe. É a economia de afeto terceirizado.

Esse termo não é novo, nasceu nos anos 1950 para descrever a relação do espectador com apresentadores de TV. Sete décadas depois, o fenômeno explodiu em outra escala. Influenciadores falam olhando diretamente para a câmera e o cérebro absorvendo como intimidade. Chatbots evoluem para oferecer validação emocional on demand. Marcas desenvolvem rotinas de conversa que simulam proximidade. Fandoms funcionam como micro-religiões com rituais e dogmas cheio de devoção. Não é novo, mas agora é um produto extremamente rentável e a menos cm dos nossos olhos do que antigamente.

A indústria da comunicação virou uma linha de montagem de relações parassociais. Você não entrega conteúdo. Você entrega sensação de vínculo, seja pelo vídeo vertical que parece confessionário ou o influenciador fingindo que pede desculpa pra depois te vender um creme. Da marca que manda bom dia em forma de meme como se fosse parente até o creator  que diz “preciso contar só pra vocês”. Cada peça é projetada para acionar o mesmo mecanismo: alguém do outro lado da tela fazendo o seu cérebro acreditar que existe reciprocidade.

Funciona absurdamente bem, até porque, na teoria, você também tem o login na mesma rede e as “mesmas possibilidades”. Pesquisas do MIT Media Lab mostram que laços parassociais aumentam em até 44% a intenção de compra. O relatório The State of Influencer Trust 2025 aponta que 69% das pessoas confiam mais na recomendação de um criador desconhecido do que de um amigo de verdade.

É tecnicamente genial mas socialmente inquietante. A OMS já classificou a solidão como epidemia global. Os EUA criaram uma Secretaria da Solidão em 2024. O Reino Unido tem a sua desde 2018. A Boston University já apontou que maior consumo de companhia digital se correlaciona com ansiedade, comparação social, dependência emocional e queda de autoestima.

Seguimos rolando o feed como quem procura um carinho que nunca chega. Implodindo nossos relacionamentos com dicas de um algoritmo, ganhando uma autoestima vinda de IA: uma bagunça que só.

Parassocial não é só a palavra do ano, é diagnóstico do nosso tempo. Estamos tentando, mais do que nunca e cada vez mais, preencher lacunas humanas com interações que nunca serão recíprocas. Marcas e criadores ocupando espaços afetivos que antes eram de amigos, família, comunidade. Acho que o ponto mais incômodo disso é que a tendência não é desacelerar, muito pelo contrário.

A próxima grande disputa não é por atenção, mas por intimidade. Plataformas, marcas e IAs competindo para serem a voz na sua cabeça. Convenhamos que muitas já são: quantos e-mails do seu/sua líder você não recebeu sabendo que aquilo não é ele de verdade, veio de um prompt? A relação parassocial se tornou o modelo emocional dominante de uma sociedade hiperconectada, hiperocupada e hipersolitária.