O frio deu uma trégua em São Paulo e o calor veio com tudo para a primeira edição do Festival Turá, que aconteceu nos dias 02 e 03 de julho, no Parque do Ibirapuera, na capital paulista.
A cantora Mahumundi seria a primeira atração. Com faringite, ela precisou ser substituída por Larissa Luz. Mesmo chamada de última hora, a artista de Salvador teve domínio para abrir o line-up.
Roberta Sá pisou logo depois no palco do Ibirapuera, sucedida pelo rapper malvadão, Xamã, e Lagum.
Pra mim, o show da banda mineira lembrava muito algo que o CPM 22 já fez no início dos anos 2000. É um pop que puxa algo do rock, com letras e melodias que encontraram seu público.
Esse, inclusive, foi um dos grandes acertos da primeira edição: a mistura proposta não circulou por nomes comuns, artistas vizinhos de gênero, mas realmente motivou uma quebra de expectativa.
O rompimento chegou com peso na vez da pernambucana Duda Beat. Ela é uma artista que mantém suas raízes vivas, mas não descuida das tendências atuais. Duda sabe como propor vários caminhos com sua música, e ainda assim manter um show coeso, enérgico, provocativo. A conexão dela com o público também é fulminante. E como canta! A voz potente dos discos fica ainda maior ao vivo. Sem contar que se expressa maravilhosamente bem. Bota a plateia no bolso mesmo em músicas menos conhecidas, e trilha o roteiro perfeito para o fechamento com seu maior hit, Bixinho. A Duda Beat que esteve no Nômade Festival, em maio, e a Duda Beat do Turá são diferentes. O show cresceu.
Zeca Pagodinho traria o samba do Rio de Janeiro para a tarde de São Paulo. Acometido pela covid-19, outro nome do samba foi chamado para tocar em seu lugar. Paulinho da Viola realmente foi uma surpresa. E das melhores.
Se o músico entrou no palco um pouco tímido, desconfiado sobre como uma plateia tão jovem reagiria ao seu show, não demorou muito para que ele notasse a felicidade do público em vê-lo ali. Paulinho da Viola teve seu nome gritado várias vezes, algo que não aconteceu com nenhum outro artista.
De voz dócil, serena, mas com uma presença imponente, Paulinho passeou pelos sambas com muita elegância. Não só foi uma participação linda, como também serviu de inspiração, talvez, para os próximos festivais. Teresa Cristina, Jorge Aragão, Dudu Nobre, e tantos outros nomes importantes podem rechear os line-ups com muito sucesso.
A presença de Paulinho da Viola foi destacada pelo headliner do primeiro dia do Festival Turá, Emicida. Com um show potente, político e emotivo na mesma proporção, Emicida entregou uma das grandes apresentações da carreira. Não tinha nada fora do lugar. Pegou o palco para si sem deixar espaço para visita.
O segundo dia do Festival Turá estava mais cheio e mais quente. Ninguém reclamou. Baby, Luísa & os Alquimistas e Mart’nália – três nomes novos no circuito de festivais – se sucederam.
O Forró Red Light esquentou o clima para receber o mestre Alceu Valença. E que show maravilhoso ele fez! Com energia de invejar qualquer jovem da plateia, Alceu pulou, dançou e cantou com a segurança e alegria de uma verdadeira lenda da música brasileira. Não é exagero. É apenas a constatação mais básica do que ele já fez ao longo desses mais de 50 anos de estrada. O Ibirapuera virou um karaokê. De Coração Bobo à onipresente Anunciação (a Evidências dessa década, como me soprou um amigo), o show ficou na parte de cima o tempo inteiro.
O sol já tinha ido embora quando Baco Exu do Blues entrou. A forte introdução de Sinto Tanta Raiva ajudou a despertar a plateia. E Baco emendou muitas músicas do novo trabalho até voltar uns passos atrás e cantar o mega hit Me desculpa Jay-Z. Seu back vocal é um destaque.
É a segunda vez que vejo o artista em 2022 e, pra mim, um ajuste pequeno nessa primeira parte faria bem às apresentações ao vivo. Kayne West da Bahia, Minotauro de Borges e Preto e Prata fizeram muita falta. Illy, primeira convidada, fez boa apresentação e Marina Sena, a segunda artista a participar, também. O final do show, contudo, foi um pouco confuso. Mas, ver Marina e Baco duelarem em Te amo, Disgraça valeu.
Falando em convidados, Nando Reis chamou o filho, Sebastião Reis, e Jão para tocarem com ele. Nando é um hitmaker ótimo, e a empolgação elevou sua apresentação. Relembrou sucessos de todas as fases, sem medo nenhum jogou O Segundo Sol logo no início do show, e puxou Jão para cantarem Dois Rios com muita sensibilidade. Showzão mesmo.
Agora nenhuma outra atração do festival Turá fez o que o BaianaSystem fez. Foi algo tão avassalador, tão potente, tão original, que fica difícil sair indiferente. O BaianaSystem é mais ou menos como uma usina hidrelétrica que abre suas comportas e a torrente de água vai inundando o que tiver pela frente. À bordo da Caravana Brasiliana, eles navegam por samba, reggae, sound system, afoxé, ijexá, rock e o que mais couber na proa. Essa mistura toda poderia ficar atrapalhada? Sim, mas isso jamais acontece.
O magnetismo do BaianaSystem ganha ainda mais impacto com a estrutura visual do show. Imagem e som criam uma atmosfera, um tipo de portal para adentrar a cultura latino americana. Músicas como Duas Cidades, Lucro, Reza Forte e a genial Sulamericano, viram uma catarse. Ah, e o pianista da banda, inclusive, teve uma participação decisiva e impressionante.
Talvez, outras músicas como Água, Catraca e Navio estivessem no setlist. Mas, o BaianaSystem foi comunicado que precisaria encerrar o show às 22h em ponto. O encerramento abrupto para cumprir o horário, não quebrou o ritmo da apresentação, tamanho é o domínio da banda no palco
Transmitido pelo Multishow e Globoplay, com um line-up misturado e forte como esse, uma organização ótima, amplo espaço e uma estrutura impecável, o festival Turá fez mais do que uma boa estreia. A responsabilidade para o próximo ano tá gigante.
O público só ganha.